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Violência financeira contra pessoas idosas

A violência contra a pessoa idosa, fenômeno crescente e cada vez mais relatado e investigado, é considerada problema de saúde pública.

Anelise Crippa e Camila Alen Porto Alegre (*)


O aumento do número de idosos na população brasileira é de conhecimento geral. Juntamente com esse aumento demográfico surgem desafios sociais, sendo um deles a violência contra a pessoa idosa, fenômeno crescente e cada vez mais relatado e investigado. Essa temática é considerada problema de saúde pública.1 De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS)2, define-se violência como um ato único ou repetitivo, seja ação ou omissão, podendo ser intencional ou não, que cause ao idoso dano, sofrimento ou angústia.

Muitas são as formas de violência que podem ocorrer: física, psíquica, sexual, psicológica, negligência, autonegligência e financeira. Em relação a esta última, pode ser descrita como o uso indevido de recursos financeiros do idoso. É possível identificar que esse tipo de violência está tendo uma crescente incidência na nossa sociedade. 3,4,5

Há inúmeros fatores que podem estar associados à ocorrência de violência contra os idosos. A fragilidade decorrente do processo de envelhecimento, como agravos de saúde, pode ensejar um aumento da ocorrência da violência.

A violência financeira pode ocorrer no âmbito familiar, com a apropriação indevida de bens, proventos, pensões, desvio de valores ou uso indevido. Pessoas que estejam na posição de cuidado, ou mesmo familiares, violando o patrimônio e as finanças da pessoa idosa têm se apresentado como uma realidade. Também pode ocorrer a violência financeira por entidades financeiras ou bancos, com ofertas de empréstimos excessivos aos idosos, comprometendo sua renda.

A falta de entendimento, decorrente da vulnerabilidade do envelhecimento, pode propiciar o acometimento desse tipo de violência. Por mais que se tenha a autonomia de escolher em realizar o empréstimo ou não, é importante considerar a real compreensão dos impactos na sua renda e o reflexo na vida do idoso e no comprometimento que essa oferta pode ensejar.

Aliando a violência financeira sofrida no âmbito familiar e a sofrida por entidades financeiras, há situações em que os idosos são requeridos para realizar empréstimos em seu nome em proveito dos familiares. Toda essa situação se agrava com os baixos valores de aposentadoria e o aumento dos produtos e serviços, levando os idosos a situações financeiras ainda mais fragilizadas na nossa sociedade.

O acúmulo de dívidas (empréstimos, débitos não pagos em cartão de crédito, acúmulo de contas adquiridas e não adimplidas) pode levar ao superendividamento.

Conciliação

Hoje já existem formas de negociação para pessoas que se encontram nessa situação, que podem ser realizadas no Poder Judiciário. As sessões ocorrem através do Centro Judiciário de Solução de Conflitos (CEJUSC) por uma conciliação com todas as empresas que têm algum crédito a receber. Em especial no Rio Grande do Sul, há um CEJUSC voltado aos idosos (CEJUSC 60+). Os CEJUSC se diferenciam das demais estruturas do Poder Judiciário por apresentarem um espaço de participação do cidadão, visando ao atendimento de suas necessidades e interesses de forma satisfatória.6

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Nesse ambiente acolhedor, é possível realizar as negociações, visando ao melhor interesse de todos. A conciliação se dá com o objetivo de negociação das dívidas, receber propostas com eventuais descontos7, chegando em uma composição financeira sem prejudicar a sobrevivência do idoso. Nesse ato se reúnem todos os credores que aceitarem participar e o devedor. O que for ali estabelecido será redigido e terá valor de título executivo judicial, o qual será homologado pelo magistrado e poderá ser cobrado, caso não cumprido voluntariamente. A negociação é importante para que o idoso possa adimplir suas dívidas.

Educação

No entanto, é relevante ressaltar que, aliada à renegociação, a educação financeira é fundamental para que haja um entendimento da realidade e de como seguir sem novas dívidas. É fundamental entender que as solicitações de familiares para realizarem empréstimos, uso de valores, apropriação de bens e dívidas em nome do idoso são formas de violência. O idoso precisa perceber o que está ocorrendo, para assim impedir a perpetuação dessa situação. E esse processo de educação financeira deve ser compreendido e ensinado dentro da perspectiva do idoso, visando mudanças profundas e duradouras. 8

Referências
1 KRUG, E. G.; DAHLBERG, L. L.; MERCY, J. A.; ZWI, A. B.; LOZANO, R. World report on violence and health. Geneva: World Health Organization, 2002.
2 WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Missing voices: views of older persons on elder abuse. Geneva: World Health Organization, 2002.
3 SANTOS, A. M. R.; NOLÊTO, R. D. S.; RODRIGUES, R. A. P. et al. Economicfinancial and patrimonial elder abuse: a documentary study. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 53, 2019. Doi: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2017043803417.
4 GIL, A. P.; SANTOS, A. J.; KISLAYA, I. et al. Estudo sobre pessoas idosas vítimas de violência em Portugal: sociografia da ocorrência. Caderno de Saúde Pública, v. 31, n. 6, p. 1.234-1.246, 2015. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00084614.
5 SANTOS, A. J.; NICOLAU, R.; FERNANDES, A. A.; GIL, A. A. Prevalência da violência contra as pessoas idosas: uma revisão crítica da literatura. Sociologia: Problemas Práticas, v. 72, p. 53-77, 2013.
6 RIO GRANDE DO SUL. CEJUSC – Sobre o CEJUSC – Apresentação. [2022?]. Disponível em: https://www.tjrs.jus.br/novo/servicos-administrativos/apoiojurisdicional/manuais-e-orientacoes-de-2o-grau/cejusc-guia-pratico-de-gestao/cejusc-sobreo-cejusc-apresentacao/. Acesso em: 27 abr. 2022.
7 MARQUES, C. L. Conciliação em matéria de superendividamento dos consumidores: principais resultados de um estudo empírico de 5 anos em Porto Alegre. 2020. Disponível em: https://www.enfam.jus.br/wp-content/uploads/2020/05/11-Artigo-CLMCoimbraconciliacao6fimenv-4.1.pdf. Acesso em: 27 abr. 2022.
8 DOLL, J.; CAVALLAZZI, R. L. Crédito consignado e o superendividamento dos idosos. Revista de Direito do Consumidor, v. 107, ano 25, p. 309-341, 2016.

(*) Anelise Crippa – Advogada, professora universitária e mediadora judicial e extrajudicial. Doutora e mestra em Gerontologia Biomédica, com pós-doutorado em Direito. E-mail: anecrippa@gmail.com

Camila Alen Porto Alegre – Advogada. Pós-graduanda em Direito Processual Civil.

Nota
O presente trabalho faz parte de resultado parcial de pesquisa selecionada pelo “Edital Acadêmico de Pesquisa 2021: envelhecer com futuro”, promovido pelo Itaú Viver Mais e Portal do Envelhecimento. Para saber mais da pesquisa assista o vídeo abaixo e leia o artigo “Superendividamento dos idosos“, publicado na Revista Longeviver.

Foto destaque de Vlada karpovich/Pexels


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