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Vida, simplicidade, velhice e a obra de Pancetti

E se nós olhássemos para a vida buscando a mesma simplicidade encontrada por José Pancetti? Será que não conseguiríamos limpar o nosso viver para quando chegarmos à velhice encontrarmos nela o retrato de uma existência lavada e purificada como as pinceladas de Pancetti? Penso na vida. Olho o mar. Penso na Arte. Arte e vida, ao meu olhar, caminham juntas e as obras do artista me ajudam a seguir em frente buscando um viver que transborde em beleza e simplicidade.

 

Dias quentes de um verão que ferve até pensamentos.

Praia e mar fazem parte deste contexto que garante a mim, e a muitos felizardos a possibilidade de vivenciar essa época do ano, com pés descalços e um frescor existente apenas na alma dos corpos que transpiram o calor que beira ao insuportável.

Olhar o mar é um verdadeiro convite à reflexão e uma paisagem estonteante me transporta para dentro das marinhas de José Pancetti. Sentindo-me parte das paisagens retratadas pelo pintor, começo então a pensar nos velhos e nas velhices.

Velhos saudáveis, velhos ativos, velhos doentes, rabugentos, felizes, deprimidos. Velhices e velhices que se diferenciam pela condição de exercer a simplicidade de um viver adquirido ou não com a vida.

Sim! Viver deve ser simples, porém, nem todos evoluem a percepção a ponto de desempenhar tal maestria.

José Pancetti nasceu em Campinas em 1902 e aos 16 anos passa a viver na Itália em companhia de seus avós e tio. Em 1919 ingressa na marinha italiana e é neste momento que começa seu amor pelo mar. Amor esse que mais tarde é retratado de forma singela como tema de suas pinturas.

Em 1920, ao regressar ao Brasil, Pancetti desenvolve diferentes habilidades ao trabalhar em diversas atividades que garantem sua sobrevivência. Apenas em 1925 o pintor começa a ser o artista fabuloso que admiramos até os dias atuais.

De todos os temas escolhidos por ele, são as marinhas as mais deslumbrantes. A simplicidade adquirida como característica do artista em formas e pinceladas, são capazes de limpar a vida ali retratada. São paisagens de mar capazes de oferecer a nós, expectadores da sua obra, uma harmonia que reflete em emoção e calmaria.

Penso que uma velhice vivida como a “coroação da vida” deva ser assim: Limpa, tranquila e tratada conforme a capacidade, força e audácia de dizer não aos valores morais existentes, como descreve Silvana Tótora em seu livro “Velhice: uma estética da existência”. Segundo a autora, é libertando-se desses apreços que podemos envelhecer para criar novos modos de existência. “Produzir novas formas de existência, em consonância com a vida, exige aceitar a vida na sua tragicidade imanente”, diz Tótora.

Pancetti assim o fez na arte ao libertar-se de regras ditas e pintadas usualmente. Ele foi capaz de simplificar suas paisagens, ao mesmo tempo em que fazia recortes na composição, não usuais que davam a sensação de uma modernidade conquistada em meio à simplicidade. Quem vê os quadros do artista não imagina a trabalheira que ele teve para chegar à tamanha simplificação, afinal a simplicidade na arte faz parte de um processo e de uma evolução percorrida com muito suor e empenho por diversos artistas.

E se a vida imita a Arte, por que não envelhecer tendo a obra de Pancetti como modelo de estética?

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Por que não mergulhar na calmaria de um viver sem rancores e remorsos?

A vida deve ser construída a cada instante e envelhecer nada mais é do que uma construção de olhares e saberes.

Pancetti olhou o mar e viveu com ele um amor que transborda em luminosidade de formas e cores de um Brasil tropical. Na década de 50, ao instalar-se na Bahia, o pintor nos revela paisagens com cores quentes e fortes capazes de descrever as paisagens baianas com toda sua beleza única de um lugar que parece carregar a alegria de seu povo em seus cenários.

José Pancetti levava seu cavalete para a praia e era lá que tudo acontecia.

Talvez o vai e vem das ondas tenham sido fundamentais neste ir e vir de sensações que temos ao olhar suas pinturas.

E se nós olhássemos para a vida buscando a mesma simplicidade encontrada pelo artista? Será que não conseguiríamos limpar o nosso viver para quando chegarmos à velhice encontrarmos nela o retrato de uma existência lavada e purificada como as pinceladas de Pancetti?

Penso na vida. Olho o mar. Penso na Arte. Arte e vida, ao meu olhar, caminham juntas e as obras de Pancetti me ajudam a seguir em frente buscando um viver que transborde em beleza e simplicidade.

Confesso que não é fácil, como já disse, ser simples requer esforço. E muito, e nós, reles mortais que buscamos nas receitas médicas a garantia de uma vida longeva, deveríamos nos conscientizar que é no viver presente e nos afetos construídos que fazemos nossa velhice. E que seja simples e bela como a obra de Pancetti.

O calor é intenso. Subitamente formam-se nuvens, pesadas e carregadas como a vida que não para de acontecer. Mas o horizonte permanece belo e presente.

Um barulho anuncia a tempestade que virá com a certeza de molhar a terra castigada e as vidas sofridas por mágoas e pequenices.

Pancetti pintou suas marinhas e simplificou sua arte.

Que a chuva de verão nos ajude a refrescar a vida e os humores. Que viver possa ser simples! Lavado! Entregue! Honesto! Sem excessos e sem desperdício!

Vida com estética, calor e amor. Amor pelo mar, pelos dias, pela chuva que refresca, pelo viver que ensina e pelo envelhecer com uma simplicidade conquistada. De beleza autêntica e singela, em forma de rugas, sabedoria e honestidade.

Cristiane T. Pomeranz

Arteterapeuta, entusiasta da vida e da arte, e mestre em Gerontologia Social pela PUC-SP. Idealizadora do Faça Memórias em Casa que propõe o contato com a História da Arte para tornar digna as velhices com problemas de esquecimento. www.facamemorias.art.br E-mail: crispomeranz@gmail.com.

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