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A vida renasce aos 60

Idosos redescobrem a terceira idade com mais saúde e novos projetos de vida, pois mais bem dispostos, aproveitam essa nova fase para se arriscar em novos e velhos sonhos. Isso ocorre porque as pessoas estão chegando a essa idade mais bem informadas, com melhor condição financeira e com rede de amigos. Vivem de uma forma muito diferente daqueles que, antes, se limitavam a ler jornal na varanda ou a fazer tricô e crochê.

Zulmira Furbino *

 

O conceito do envelhecimento e os marcos de idade estão mudando de forma cada vez mais rápida na vida dos brasileiros devido ao aumento da expectativa de vida da população, que saiu dos 62,7 anos em 1980 para 73,9 anos em 2013, de acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Com isso, a velha máxima de que a vida começa aos 40 ficou ultrapassada. Hoje, a vida começa mesmo é aos 60, tendência que já é responsável pela criação do termo “gerontolescência”, a adolescência da idade madura. Por trás dessa ideia de recomeço, constantemente em evolução, em vez de chuteiras dependuradas estão idosos e idosas superbem dispostos, que aproveitam essa nova fase da vida para se arriscar e apostar em novos e velhos sonhos. São eles que garantem: a vida renasce aos 60.

Para o médico, doutor em saúde pública e ex-diretor dos programas de envelhecimento da Organização Mundial de Saúde (OMS) Alexandre Kalache, isso ocorre porque as pessoas estão chegando a essa idade com mais pique, mais saúde, mais bem informadas e, como não poderia deixar de ser, com lastro financeiro. Ou seja: os gerontolescentes – termo criado pelo próprio Kalache – chegam aos 60 e ultrapassam essa idade com o espírito do agora ou nunca. “Essas pessoas estão vivendo de uma forma muito diferente dos velhinhos e velhinhas que, antes, se limitavam a ler jornal na varanda ou a fazer tricô e crochê”, explica.

De acordo com ele, hoje no Brasil existem 23 milhões de habitantes acima dos 60 anos, mas em três décadas esse número saltará para um batalhão de 64 milhões de pessoas. É a revolução da longevidade. “O envelhecimento rápido da população terá um impacto brutal na nossa forma de viver e na maneira como a sociedade se organiza, não só no que diz respeito à saúde, mas na busca pelo entretenimento e nas exigências de mudanças no espaço público. As pessoas idosas estão cada vez mais esclarecidas e exigentes”, sustenta Kalache.

Dalva Ferreira Nunes, mais conhecida como Kalidja Ramm, de 74 anos, trabalhou praticamente toda a vida com massagem terapêutica naturista e se aposentou há três anos. Já morou em diversos locais do mundo e planeja viajar ainda mais. “Depois que me aposentei, tive mais tempo para mim, mas ao mesmo tempo senti um vazio, que estou preenchendo fazendo ginástica, dando cursos de kabala, cultivando as amizades e a família”, explica. Dona de um vigor físico invejável, ela reconhece que com o tempo arranjou uma barriguinha – que está tentando perder –, mas não perde a alegria, nem a capacidade de sonhar.

Kalidja pensa em ampliar seu núcleo de estudos de kabala e espera terminar de pagar os estudos das netas para realizar um antigo sonho: viver pelo menos um ano em Santorini, uma ilha no sul do mar Egeu, na Grécia, considerada um local sagrado. “Depois que minhas netas se formarem, vou viver que nem um passarinho, voando para todo lado”, sonha a aposentada, que já planejou até mesmo a sua morte. “Espero morrer aos 104 anos, andando, bem de saúde e bastante serelepe.”

Para a atriz Terezinha Klotzel, as pessoas acham que quem passou de uma certa idade só pode se divertir em águas termais. “Acontece que tem muita gente nessa fase da vida que ainda quer descobrir coisas e testar seus limites. Eu sou uma delas e não sou a única.”

Novo sentido para a vida

O salto demográfico brasileiro, que fará com que as pessoas com mais de 60 anos saiam dos atuais 12% para 30% da população em 2050, vai fazer com que muita gente envelheça brigando por mais direitos, o que até pouco tempo não era tão comum. Isso ocorre porque o envelhecimento de uma parcela importante da nação tem como base características essenciais para chegar bem à velhice: saúde física, saúde financeira, conhecimento e capital social. “Claro que tem coisas que não estão sob controle. Mas estamos falando de uma parcela da população que pode fazer as escolhas. Essas pessoas hoje têm influência bastante para mudar construções sociais. Trata-se da classe média que influencia comportamentos e tem acesso à mídia”, afirma o médico e doutor em saúde pública Alexandre Kalache.

Maria Terezinha Oliveira, de 67 anos, cujo nome artístico é Terry Klotzel, é um exemplo desse novo idoso. Ela diz que se aposentou “administrativamente” há um ano, mas, para além disso, continua levando uma vida pra lá de ativa. Trabalha como freelancer para uma revista de turismo, formou-se como atriz na Escola de Atores Wolf Maia e participa de um quadro num programa televisivo popular. “Quando cheguei aos 60, o que pensei foi que não queria parar. Por isso me matriculei na escola de atores e depois de três anos fiz um teste para um programa popular e passei”, lembra. Além disso, ela faz comerciais para a televisão. “Estou numa série sobre sereias e vou aprender a nadar como uma porque farei algumas cenas no aquário de Santos (SP)”, diverte-se.

A participação no quadro também exigiu que, no último domingo, Terry fizesse aulas de esqui. “Gosto de testar os meus limites. Quando me pedem para fazer algo, pode ser uma supernovidade que eu encaro”, diz. Terry Klotzel explica que seu gosto por desafios e sua necessidade de ver a adrenalina correr são coisas da vida inteira. “Quando vi que estava chegando numa idade na qual as pessoas se sentem velhas e começam a se aposentar, pensei que deveria fazer alguma coisa na qual a minha idade tivesse um peso favorável. Daí, pensei que faltavam pessoas da minha idade na arte e que eu deveria voltar a estudar. No fim das contas, ninguém me aposentou. Achei melhor pedir a aposentadoria formal para sair e descobrir outras coisas na vida.”

Apesar de tanta disposição, Terry tem uma vida normal, com tristezas e alegrias, como qualquer outra pessoa de sua idade. “Meu companheiro está doente há três anos e desde então tenho sido uma enfermeira para ele. Mas fizemos um pacto saudável. Quando estou aqui (em São Paulo) fico sempre cuidando dele. Se tenho que sair para trabalhar e viajar, telefono todos os dias para saber como ele está. Mas em nosso relacionamento ninguém impede ninguém de fazer nada”, revela a atriz, que não frequenta clubes de terceira idade. “Não é que eu me recuse. Se alguém me convidar, eu topo. Mas gosto mais de programas intelectuais e no lugar de ir a bailes prefiro sair para dançar com a moçada”, revela.

Desafio

Para a terapeuta ocupacional Cecília Melo Neves Xavier, especialista em saúde mental e mestre em saúde do idoso pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), aposentar é um desafio, principalmente para aqueles que param de trabalhar. “O interessante é perceber que aquilo que dá sentido à vida de uma pessoa não necessariamente funcionará para outra. Parece óbvio, mas a gente vê que muitos profissionais tendem a indicar uma mesma receita para todo mundo”, observa. Na realidade, porém, o que existe é uma gama variada de opções. Quando uma pessoa se aposenta, deve buscar uma atividade ou um caminho novo que para ela seja significativo de alguma forma. É preciso dar novo sentido para a rotina que antes era centralizada pelo trabalho”, orienta.

Na visão de Alexandre Kalache, o capital vital da velhice não pode prescindir dos quatro pilares citados no início desta reportagem, entre eles as relações sociais. “As pessoas já perceberam que aquela família mineira estendida, cheia de filhos, acabou, e que terão de compensar essa insuficiência familiar com uma rede de amigos. Isso ocorre principalmente no caso das mulheres, já que o homem fica mais sozinho e quando enviúva, em geral tenta se casar de novo”, explica.

São todas essas coisas que permitem que uma pessoa participe integralmente da sociedade, inclusive contribuindo com ela. “Muitas pessoas que se aposentam descobrem que têm uma experiência que pode ser doada à população. Esse tipo de coisa ocorre muito nas sociedades americana e europeia, que têm influência predominante em nossa cultura”, diz o médico.

Um outro olhar

A velocidade das mudanças nas etapas que fazem parte da vida está alterando o olhar da sociedade sobre o envelhecimento no país. Se até agora o imaginário do brasileiro sobre a aposentadoria tem sido cercado de imagens sobre chegar aos 60, parar de trabalhar e curtir a vida, daqui para a frente as coisas tendem a mudar. É o que pensa o presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), João Bastos Freire Neto. De acordo com ele, se os brasileiros continuarem pensando em parar de trabalhar aos 60 estarão condenando o país, que não terá condições de dar assistência a uma população idosa que será cada dia maior. Além disso, não dá para esperar os 60 anos para sair por aí e ser feliz. O melhor é começar agora.

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“Atualmente, as pessoas levam uma vida muito consumida pelo trabalho, deixando de lado a família, o lazer, as férias. Elas não constroem redes sociais e passam a vida aguardando chegar a determinada idade para depois curtir. Mas quem nunca andou de bicicleta durante a vida dificilmente não vai aprender depois que entrar na terceira idade”, compara. Na visão do geriatra, não dá mais para pensar que só porque uma pessoa ultrapassa a barreira dos 60 anos ela perde sua capacidade produtiva. “De um modo geral, encaramos o envelhecimento como algo ruim, que as pessoas fazem de tudo para evitar ”, critica. O desafio, portanto, é criar oportunidades para que as pessoas aos 60 ou 70 sejam produtivas, já que suas chances de contribuir para a sociedade são muito grandes. “A felicidade não está somente em parar de produzir, é preciso criar uma rede de relacionamentos e atividade para evitar as doenças e a depressão.”

Para a terapeuta ocupacional e mestre em saúde do idoso pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Cecília Melo Neves Xavier, a aposentadoria é um desafio, principalmente para aqueles que param de trabalhar. Em sua pesquisa de mestrado ela entrevistou adultos de ambos os sexos, com nível de escolaridade e posição socioeconômica variados, com idade entre 60 e 73 anos, que se aposentaram e pararam de trabalhar. A ideia era descobrir de que maneira eles conseguiram dar novo significado e sentido à sua vida. Ao fim do trabalho, chegou à conclusão de que a aposentadoria pode ser uma fase de continuidade das ocupações, e também uma abertura para o novo.

Engenheiro civil com especialidade na área nuclear, Elton Guedes, de 63, participou da pesquisa de Cecília. Ele se aposentou em 2010 e depois disso, para desacelerar, trabalhou durante um ano dando consultoria para uma empresa. Em seguida, encerrou suas atividades profissionais. “Hoje, levanto cedo, vou à academia, resolvo as coisas e faço o que gosto”, explica.

Para preencher seu tempo, Elton viaja com a família, faz pequenos cursos de culinária, recebe os amigos em seu sítio, em Lagoa Santa. No dia 11 de novembro viaja para Cancun, depois passa o Natal Luz em Gramado (RS) e no fim do ano vai para Porto Seguro (BA) com a família. “Considero que minha vida anda muito boa. Tenho tempo para curtir o meu netinho que nasceu e todas as pessoas de quem gosto. Não me arrependo de ter me aposentado de modo algum”, diz. Ele já recebeu convites para cancelar a aposentadoria e voltar à ativa e sabe que seria fácil fazer isso. “Mas agora que estou com saúde e posso aproveitar a vida não quero mais ficar preso.”

No próprio ritmo

A opção de Ruth Necha Myssior, de 70, professora do curso de serviço social da PUC Minas e coordenadora da Universidade Aberta ao Idoso na PUC Contagem, foi desacelerar aos poucos. Ela se aposentou aos 60, mas continuou trabalhando. “Dar aula faz parte da minha vida. Trabalho com idosos na PUC há 20 anos e considero que ainda tenho muito a transmitir e a aprender”, observa. Foi só no ano passado que ela decidiu reduzir a sua carga horária. Desde março de 2014, aplica um programa de preparação para a aposentadoria numa estatal mineira. “As pessoas precisam entender que hoje em dia aposentadoria não significa ir pra casa e vestir um pijama. Se elas não forem preparadas para se aposentar, a saída do mercado terá muitos reflexos negativos. Precisamos de tempo para planejar o nosso projeto de vida”, afirma.

Especialista em terceira idade, Ruth utiliza seus conhecimentos para aplicar à própria experiência. “Desde que reduzi a carga horária de trabalho, houve uma mudança em minha rotina. Tenho mais tempo para mim e para fazer o que gosto, como ir ao cinema, ler, viajar, mesmo ainda estando presa ao semestre letivo na universidade. O que muda é o olhar. Percebemos que estamos seguindo um curso inevitável e que, mesmo assim, ainda há muita vida por aí. Desde que a gente tenha saúde e possa cuidar de nós mesmos e valorizar o que temos, está tudo bem. Hoje falamos de aposentação, que é a aposentadoria voltada para a ação, e não para a inatividade”, explica.

Segundo o médico Alexandre Kalache, muitas pessoas que se aposentam descobrem que têm uma experiência que pode ser doada à população.

4 pilares do envelhecimento saudável

1) Saúde

A cada dia que passa, as pessoas de 60 anos ou mais praticam atividade física, sabem o que é bom para a saúde, não fumam ou já pararam de fumar, capricham na dieta. Essas são iniciativas que estão sob o seu domínio de decisão, já que cada um escolhe o próprio comportamento. Isso significa que muita gente opta por levar a vida de maneira a chegar bem aos 80.

2) Planejamento financeiro

Há algum tempo os brasileiros perceberam que a aposentadoria do INSS não será suficiente para a velhice e, diante disso, passaram a fazer economias para essa fase da vida. A ideia é fazer reservas para chegar à aposentadoria com dinheiro no bolso. Assim é possível viajar, ir ao cinema, festas, tudo muito longe do estereótipo da vovozinha na cadeira de balanço.

3) Conhecimento

Ao envelhecer, as pessoas começam a fazer cursos, mestrado, especialização e até mesmo curso superior. A busca pelo conhecimento não para ao longo da vida e não deve ser encerrada só porque as pessoas entraram na terceira idade.

4) Capital social

Hoje, as famílias são menores do que antigamente. Para compensar isso será preciso formar uma rede de amigos e de relacionamentos sociais que preencham a vida depois da aposentadoria. Mas não é preciso esperar 60 anos para começar a fazer isso. Quanto mais cedo essa rede for tecida, melhor.

Enquanto isso…

Em julho deste ano o bilionário mexicano Carlos Slim, de 74 anos, que com uma fortuna de US$ 79,2 bilhões é considerado o segundo homem mais rico do mundo, defendeu que as pessoas deveriam trabalhar apenas três dias por semana e aproveitar os outros dias para relaxar e ter mais qualidade de vida. Ele defende mais horas de trabalho por dia (entre 10 e 11 ) e menos dias de trabalho por semana. Acredita, também, que a idade de se aposentar deveria ser estendida para os 75 anos. Sua sugestão é fruto da preocupação com o impacto do aumento da expectativa de vida da população mundial na economia. Na própria Telmex, onde é CEO, Slim implementou um contrato para que pessoas trabalhem quatro dias por semana.

* Reportagem de Zulmira Furbino, veiculada no jornal Estado de Minas, em 19/10/2014, autorizada sua reprodução: Disponível Aqui

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