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Velhice: entre o envelhecer e a subordinação ao sistema

O acolhimento diante do envelhecer é peça chave no resgate da potencialidade, socialização e convivência social do idoso. Profissionais que trabalham com idosos devem saber respeitar a realidade, preferências e escolhas desse indivíduo, assim como a família que deve procurar se preparar para lidar com as dificuldades que surgem e também com as novas necessidades da pessoa, independente ou não.

Por Celina Lopes de Souza (*)

 

No Brasil a realidade do envelhecimento levanta muitas reflexões, indagações, dúvidas, descobertas e conquistas, tanto pelos idosos como pela sociedade em geral. Não sendo mais novidade que o país está envelhecendo mais rápido nos últimos anos e continuará nessa linha, diferente de décadas atrás quando a população brasileira era predominantemente de adultos jovens em idade produtiva.

Atualmente, assistimos a um pequeno desencontro de realidades e situações pelo fato da tecnologia que possibilitou o adulto velho chegar ao século XXI com uma expectativa de vida maior que muitas vezes dos seus familiares em outras gerações. Esses mesmos indivíduos que chegaram a fase da velhice encontram uma sociedade, talvez, distinta da época em que eram jovens adultos, décadas atrás, sobretudo pela característica de nosso atual sistema político, social, econômico e cultural na era da chamada globalização.

O coletivo social nem sempre acompanha e muitas vezes não tem a empatia de captar a realidade de nossos idosos brasileiros, já que por um lado é de extrema importância termos a possibilidade de chegar com a qualidade possível de sobrevivência nos anos ganhos a mais que adquirimos. Mas a vida que levaremos nesta sociedade pós moderna e high-tech, que aparenta estar tão distante da realidade do velho brasileiro – que possui sua singularidade, referência, contexto familiar e historicidade -, será uma surpresa!

É importante ressaltar que a demanda da velhice no Brasil é encarada de diferentes formas seja pelo próprio velho, tendo em vista os discursos encontrados no cotidiano da família com um familiar idoso, como no dia a dia, trabalho e convivência social. Diante da experiência encontrada em um hospital público em que trabalhei, tive a oportunidade de ouvir muitos dizerem que não se reconheciam como fazendo parte da população idosa, pois não haviam percebido que o tempo havia passado.

O Estado, considerado como garantidor das políticas públicas e amparo ao adulto velho, que assiste e intervém em situações extremas quando necessário visando amparar a população que se encontra em situação de risco e fragilidade social, como na elaboração, planejamento e subsídio de políticas públicas. E, por fim, a sociedade em geral formada por famílias, jovens, crianças, empresas e ONG’s, que são uma das principais referências no território do idoso e por vezes representam importantes redes ou elo de suporte e apoio afetivo, social e econômico da pessoa idosa.

Preconceitos

Visando refletir outra relação na sociedade contemporânea, acreditamos que diante das relações sociais e afetivas estabelecidas entre os indivíduos percebe-se cotidianamente o estigma da imagem do idoso. Muitas vezes o velho tem sido associado a aspectos negativos e positivos de acordo com sua idade cronológica e aparência perante a sociedade. Por vezes associam típicas ideias de que envelhecimento é isolamento, exclusão, antigo, feio, ou sabedoria, bem estar, alegria,

Esta é a sociedade de controle que apresenta noções pré-estabelecidas de quais são os ideais considerados como adequados para ser um idoso correto e também ser um indivíduo padrão que segue sua trajetória de vida. Porém, por vezes condicionado a construções sociais distantes da vida que aquela pessoa teve até então, e em determinada etapa terá que mudar, ou melhor, se adequar ao padrão da estrutura dominante. Esta constrói estereótipos e controla vidas com o controle remoto em forma de produtos, serviços, atividades, medicamentos etc, chamados instrumentos de biopoder.

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Diante desse cenário, quando encontramos sujeitos que fogem um pouco da subordinação do sistema, percebemos que afirmar a vida é considerar que o processo de envelhecimento não precisa ser considerado apenas como só ruim, ou só bom. Ou apenas envelhecimento ativo. Como diversas outras fases de nossa vida, passamos por momentos muito bons e outros nem tão agradáveis. Conforme a população envelhece é comum a sociedade massificadora dividir e segregar os idosos conforme suas regras de consumo, se estiver acima dos 60 anos e tem uma parcela mínima de aposentadoria para garantir a sobrevivência básica, será bombardeado com informações de como garantir fórmulas mágicas de eliminar a ordem natural de ser e envelhecer como se quiser. Ou seja, manter sua autonomia, mesmo quando aparentemente apenas quem está de fora sabe o que é bom ou melhor para você, e as escolhas e decisões do idoso não são levadas em consideração. Como também devemos compreender que o sujeito social possui suas escolhas e se quiser seguir o modelo pré fabricado, não há nenhum problema, o que não podemos é que todos vivam à procura da juventude ou felicidade eterna.

Às vezes encontramos as obrigações e imposições em variados períodos de nossa vida, isso após certo tempo pode se intensificar devido a que muitas vezes as pessoas, idosas ou não, tem que estar a todo tempo ligadas em atividades a todo instante e sem pausas para ficarem consigo mesmas. Enfim, serem elas, quem elas quiserem, por simplesmente serem sujeitos pensantes, com sua historia, características e ideias próprias, e o tempo é delas, pertencente a elas.

Formas de se envelhecer

Conforme abordam muitos autores, existe o conceito denominado positivação que em tese seriam as formas disciplinares de obrigações e controles de como deve ser a forma correta de se envelhecer, e também de ser indivíduo na sociedade em geral. Perante isso o velho, acostumado com sua rotina, é “bombardeado” com milhares de invenções, criadas em tese para não “sentir a velhice, ou seja, não vivê-la plenamente”.

Grande parte do discurso na mídia e sociedade vem da produção de mercadorias, e serviços diversos para a submissão da vida em valores materiais de produtos, que transformam indivíduos também em produtos que estão na sociedade apenas para consumir, independente de idade. Nessa realidade, às vezes o velho acaba incorporando valores morais e sociais pressionando os sujeitos a se manterem belos, ativos, e felizes… Alguns discursos justificam pelo fato de serem aposentados, mas isso não será um direito de todos no futuro?

Nas relações da sociedade moderna em que os papeis sociais a que a população é submetida cotidianamente, vale mais o que se representa socialmente, principalmente na área profissional e amorosa e não os significados da história de vida, considerando o indivíduo como um ser completo, que tem necessidades distintas, em um mesmo corpo.

A população idosa também encontra desafios ante as mudanças na sociedade, sobretudo no que diz respeito a transição demográfica e epidemiológica, que significou a alteração de doenças típicas de outrora para outras. São outros desafios demográficos que são impostos para o país, visto que apesar do controle de doenças básicas, teremos que lidar em longo prazo com o aumento cada vez maior de pessoas idosas e, consequentemente, com outras doenças, muitas delas degenerativas.

Apesar de ser recorrente o discurso da população que associa o envelhecimento como sinônimo de doença, final de vida, e até mesmo de ócio, temos que ter claro que podemos envelhecer vivendo bem e sem doenças, como também envelhecer com patologias e não ter nenhum problema nisso, conseguindo ter o controle de nossas vidas e os recursos possíveis para a sobrevivência.

Precisamos nos adaptar diante do processo de envelhecer e reconhecer as potencialidades possíveis e as limitações que possam ser adaptáveis, independente das imposições da mídia, mercado, sociedade e governo. O idoso ativo é vítima duas vezes, primeiro pela coletividade que com seu preconceito condiciona o que é certo e errado para a faixa etária que por vezes nem chegou aos 60 anos; e segundo, por jovens e adultos, famílias e desconhecidos que condenam quem saia do padrão dominante de ser um velho considerado correto para os padrões da sociedade que segrega e condiciona o velho brasileiro.

O envelhecer apresenta algumas características conforme o avanço da idade e da experiência de vida. Denominado velhice objetiva com os sinais típicos do envelhecimento, temos também a velhice subjetiva que aborda os aspectos invisíveis e silenciosos do passar dos anos, enfatizando as representações sociais, autonomia, vivências, e resiliência que vêem sendo pontos essenciais no resgate da história de vida e incentivo à continuação da vida e ao vivenciar essa fase da vida.

Importante ressaltar que o acolhimento diante do envelhecer é peça chave no resgate da potencialidade, socialização e convivência social do idoso. Profissionais que trabalham com idosos devem saber respeitar a realidade, preferências e escolhas desse indivíduo, assim como a família que deve procurar se preparar para lidar com as dificuldades que surgem e também com as novas necessidades da pessoa, seja ela independente ou não.

 

(*) Celina Lopes de SouzaAssistente Social, formada pela Uniítalo (2015), com experiência em atendimento a crianças e adolescentes (CCA) e trabalho no atendimento a pessoas em cumprimento de penas e medidas alternativas pela Justiça Federal. Experiência no programa estadual Escola da família. Atualmente trabalha como aprimoranda no Hospital do Servidor Público Estadual – IAMSPE no programa de Aprimoramento Profissional em Geriatria e Gerontologia. Texto produzido no curso Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), no segundo semestre de 2017. E-mail: celinasouza690@gmail.com

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