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A Velhice em Machado de Assis

Na virada do século XX, o escritor realista Machado de Assis estava com 60 anos. Nos escritos, ele considera tal idade como o início natural da velhice. “Velhice masculina, pois a feminina começa antes, aos cinqüenta, de acordo com todo um rol de personagens femininas: Natividade, Rita, a mãe de Bentinho, Carmo…”, escreve Machado. Esta é apenas uma das informações trazidas pela mestre e doutora em literatura brasileira Márcia Lígia Guidin, que também é professora de literatura brasileira da Universidade Paulista (UNIP) e diretora da Miró Editorial.

Cinthya Leite

 

É no livro Armário de Vidro: Velhice em Machado de Assis (Nova Alexandria Editora) que ela faz uma reflexão sobre as representações da velhice nos romances e personagens do autor, falecido em 1908, aos 69 anos, depois de escrever Memorial de Aires (um diário do Conselheiro Aires que narra a vida de diplomata aposentado no Rio de Janeiro e é usado como recurso para o próprio Machado abrir mão da autoria dos sentimentos.

Nesta entrevista à repórter Cinthya Leite, ela fala sobre alguns levantamentos machadianos contidos em Armário de Vidro, onde aborda também a relação entre a velhice e a geração jovem. “Embora enfrentando as imagens sombrias de sua velhice, ‘o velho patriarca das letras’ continua a ser procurado por jovens como conselheiro literário. Aires se divide entre velhos e jovens, fazendo papel simultâneo de ouvinte destes e companheiros daqueles”, alega Márcia.

Qual a visão da velhice traçada por Machado de Assis?

Márcia Lígia Guidin: Machado de Assis mostra várias visões da velhice: uma delas pode ser capturada nas cartas do autore mostram uma nítida melancolia, trazida com a solidão e a viuvez. Nessas cartas, o autor se vê como um homem do passado e intui a morte próxima (estava doente nos últimos anos), em carta a Mário Alencar, filho de José de Alencar. Machado o incumbe de verificar se a obra Memorial de Aires (que estava demorando muito no prelo), chegaria bem aos leitores. Machado tem medo de, com o último romance, mostrar declínio. Na verdade, a partir de Esaú e Jacó e, sobretudo, em Memorial de Aires, Machado de Assis cria um ‘capricho ficcional, ao fingir abrir mão da autoria do próprio texto (ele diz que o conselheiro Aires é que escreveu. Machado seria uma espécie de editor). É uma proposta literária que sugere um modo reflexivo de meditação da morte de um artista (no caso um grande escritor consagrado). Machado faz isto porque está velho; porque vê um mundo novo que se ergue e que lhe é parcialmente estranho e distante. “Todos os meus dias vão contados, não há recobrar sombra do que se perder”, diz o conselheiro no diário.

Como Machado de Assis reflete sobre a velhice?

Márcia Lígia Guidin: A análise de Memorial de Aires leva a crer que o personagem conselheiro Aires, ‘debruçado’ sobre a obra, o próprio diário, nada mais é do que uma projeção estética criada por Machado de Assis através da qual o escritor revela para si a própria velhice e reflete sobre ela. Quando falo em projeção estética, refiro-me especificamente a condições e efeitos da criação artística. Ou seja, o envelhecimento de Machado de Assis ocorre como fenômeno interno da narrativa (do Memorial) cujas marcas ficam reveladas na criação do personagem, nas marcas do estilo de Aires e na inédita fórmula narrativa escolhida, a de um pseudo-diário íntimo.

O livro Armário de Vidro: Velhice em Machado de Assis é referente a algum livro específico de Machado ou à obra completa do escritor?

Márcia Lígia Guidin: Meu livro analisa a obra da velhice (Memorial de Aires), mas para que isso tenha sustentação, faz-se um confronto estilístico, temático, de cenário e de foco narrativo com a obra da maturidade, escrita aos quartenta anos do autor, que foi Memórias Póstumas de Brás Cubas. Ou seja, comparam-se os dois romances. A expressão ‘armário de vidro’ é um elo com o armário envidraçado onde o conselhiero guardava as ‘relíquias’ do passado.

“Mandou fazer um armário envidraçado, onde meteu as relíquias da vida, retratos velhos, mimos de governos e de particulares, um leque, uma luva, uma fita e outras memórias femininas, medalhas e medalhões, camafeus, pedaços de ruínas gregas e romanas, uma infinidade de cousas que não nomeio, para não encher papel” (Esaú e Jacó)

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No livro Memorial de Aires, o sarcasmo dos livros anteriores é substituído por toques melancólicos. Seria pelo fato de Machado encarar a velhice como uma fase triste?

Márcia Lígia Guidin: Sim, com certeza a biografia desse escritor viúvo, velho e doente interveio na criação literária, como mostro em meu livro ao comparar Memorial de Aires com Memórias Póstumas de Brás Cubas e ao cruzar essa análise com várias cartas do escritor. Apesar de alguns livros do autor tratar de alguns pontos levantados hoje sobre a velhice, pode-se dizer que o Memorial de Aires não tem um quê de profético. Nada na literatura pode tão facilmetne ser chamado de profético. Machado observava as realidades social e psicológica. O fato é que o tema da ingratidão está nos livros, pois os personagens Carmo e Aguiar adoravam os ‘filhos postiços’ que se casaram e foram embora.

Ainda sobre o Memorial… Aires acredita que apenas os jovens têm direito de viver e de amar? Ele encara o sofrimento de Aguiar e Dona Carmo (depois que Tristão parte para Lisboa) como natural? Seria isso?

Márcia Lígia Guidin: Não creio que as duas coisas sejam tão facilmente ligadas. Os jovens têm o direito de viver e amar, como ele mesmo diz várias vezes no diário. Mas o conselheiro não acha tão natural assim a partida dos noivos para Lisboa (ele até vê dissonância em Tristão). Tanto é que partilha desse sofrimento e transporta essa história para o diário. Portanto, o abandono dos velhos foi um tema sobre o qual ‘ele’ (ou o Machado de Assis) refletiu bastante. Se o livro Memorial de Aires fala de velhos e velhice, também fala do abandono.

O narrador de Memorial de Aires é conformado com a passagem do tempo e se entrega à finitude?

Márcia Lígia Guidin: Sim, Aires tem total resignação com sua condição de velho inativo e memorialista. Tanto é que escreve o diário para ‘passar o tempo’, para observar o mundo do lado de quem já não intervém em nada. Entregrar-se à finitude é saber que se vai morrer? Se for isso, sim, ele sabe e analisa. Mas não nos esqueçamos, no entanto, de que Aires é um personagem – uma mentira criada por Machado de Assis.

Mesmo assim, Machado de Assis registra uma visão particular da velhice?

Márcia Lígia Guidin: Gostaria de dizer que estudar a velhice de Machado de Assis, através das obras dele, serve para tentar mostrar o lugar dessa grande escritor em mundo novo: 1908, ano em que ele morreu, um novo século. Machado era um homem para quem o mundo novo (o Rio de Janeiro remodelado, por exemplo) era estranho e distante. E essa ousadia de ignorar o novo, só a velhice é que oferece.

* Para saber mais sobre os conceitos da ‘velhice machadiana’:

Visite o site da autora. Disponível Aqui ou escreva para marcialigia@miroeditorial.com.br

Armário de Vidro: A Velhice em Machado de Assis. Ed. Nova Alexandria. Preço médio: R$ 33.

* Para saber mais sobre Machado de Assis:

Visite o Espaço Machado de Assis através do site. Acesse Aqui

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