Durante muito tempo, trabalhando em empresas privadas na área de treinamento e desenvolvimento, o máximo que havia conseguido em termos de concretização da ideia de democracia empresarial tinha sido apenas insistir com gerentes e supervisores a praticarem condutas democráticas junto aos subordinados. Isso era pouco, quase nada, frente à cultura autocrática das organizações.
Waldir Bíscaro *
Até então, não havia no Brasil nenhuma experiência de democracia institucionalizada nem em empresas públicas e, muito menos, em empresas privadas. O que se percebia, ao ler e ouvir os especialistas em administração de empresas, é que havia uma posição definida sobre a inviabilidade de implantação da democracia em qualquer organização estatal ou privada.
Quando esses especialistas se definiam pela incompatibilidade entre empresa e democracia, eles o faziam baseando-se exclusivamente no modelo da democracia política. Seria, por acaso, impossível pensar em algum outro modelo que não o político?
O modelo, idealmente perfeito de democracia empresarial, seria o sistema de autogestão, mas este só poderia funcionar em unidades mais enxutas e não em estruturas de maior complexidade. Haveria, em algum lugar do mundo, alguma experiência de democracia empresarial que fosse desligado do modelo político ocidental?
O natural seria alguém pensar que esse provável modelo só caberia nos arraiais da antiga União Soviética. Ledo engano! A promessa de Lênin de transferir todo poder aos conselhos operários não passou de promessa. Esse poder ficou nas mãos dos burocratas do partido que, por sua vez, inspirados no fabuloso (?) Taylor, mantiveram as relações com os operários no mesmo nível do capitalismo mais primitivo: operário é pago para produzir e não para pensar. O passo seguinte só podia ser a militarização das relações de trabalho.
Quando o professor Montoro apresentou sua proposta de democracia participativa, com certeza estaria pensando no exemplo da social-democracia dos países nórdicos onde se praticava uma democracia não apenas “assistencialista” mas de participação real dos professores nas escolas e dos trabalhadores nas indústrias.
Era de se esperar que a proposta do professor fosse recebida pelas muitas empresas estatais paulistas, com entusiasmo pelos dirigentes e, muito mais, pelos funcionários dessas empresas. Em algumas pequenas empresas, até que a coisa frutificou, mas não durou.
A única empresa grande onde realmente o tema foi assumido pra valer foi o Banespa. Dois fatores favoráveis explicam essa acolhida da ideia de participação: de um lado, a direção do banco estava nas mãos de um democrata autêntico, o professor Bresser Pereira e do outro, a forte politização do funcionalismo.
Para acelerar o processo, logo ficou definido o esquema eleitoral e, em seguida, aconteceram as eleições. Foram eleitos o primeiro diretor representante e mais 30 conselheiros, entre esses estava eu, como representante de cerca de mil e trezentos funcionários das empresas subsidiárias.
Talvez por ser eu, entre os eleitos, o único com experiência acadêmica, fui designado pelo Prof. Bresser para redigir o projeto dos estatutos do sistema de representação e participação. Baseado nas experiências das democracias empresariais dos países nórdicos e em algumas experiências francesas redigi o primeiro rascunho dos estatutos. O passo seguinte foi submeter meu projeto ao plenário do conselho que, uma vez consensado, foi encaminhado à direção do banco onde após diálogo aberto e democrático foi aprovado.
Estava inaugurada a primeira experiência de democracia empresarial no Brasil.
Inaugurada, sim. Prosperou?
* Waldir Bíscaro – Filósofo e psicólogo e ex-professor de Psicologia do Trabalho na PUC-SP. E-mail: awbiscaro@uol.com.br