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Uma ética do cuidado da vida

Sobre a problemática entre o cuidado e a administração da vida, convém refletir, em primeiro lugar, sobre a perspectiva diretora do pensamento, que, na minha opinião, é a hermenêutica. Com efeito, ao longo do desenvolvimento do pensamento contemporâneo e ante a situação vital surgiram éticas da fragilidade, da vulnerabilidade e do cuidado, normalmente em relação às diversas éticas da responsabilidade, como expressão das diversas vozes éticas.

Jesús Conill Sancho *

 

Em um Colóquio de Filosofia e Bioética, como o organizado pela Unisinos, que situa a problemática entre o cuidado e a administração da vida, convém refletir, em primeiro lugar, sobre a perspectiva diretora do pensamento, que, na minha opinião, é a hermenêutica. Com efeito, ao longo do desenvolvimento do pensamento contemporâneo foi se introduzindo uma intensa transformação da filosofia, que teve dois impulsos preponderantes: o hermenêutico e o prático. E é nesse contexto que se deve entender a emergência da bioética e da biopolítica, que, por sua vez, constituem duas concreções da plasmação prática da filosofia.

Uma das contribuições decisivas da transformação hermenêutica e prática da filosofia foi a superação do enfoque epistemológico moderno, ou seja, oferecer um caminho para a resolução da “luta sobre o cadáver da epistemologia”, em termos de Taylor. Acontece que Taylor, após descobrir o que considera “a disputa mais dramática”, a saber, aquela que se dá entre a posição nietzschiana e a dos “defensores da razão crítica”, deixa-a sem solução. Pois, para resolvê-la é necessário, primeiro, estar consciente do significado da transformação hermenêutica do pensamento a partir de Nietzsche e, segundo, repensar radicalmente a modernidade para ver se é possível curá-la de seus males e reconfigurá-la por outras vias mais fecundas para seus próprios e mais profundos propósitos. Para isso, é de grande proveito a tarefa prática das éticas aplicadas contemporâneas, como a bioética e seu sentido biopolítico, que nos conduzirão a uma ética da responsabilidade e do cuidado.

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Uma autêntica revisão do significado do “giro hermenêutico” exige a inclusão na sua órbita do pensamento nietzschiano. Um dos seus grandes méritos consiste, na minha opinião, em ter transformado o criticismo kantiano em hermenêutica genealógica. Precisamente em Nietzsche en- contramos o laboratório mental no qual teve lugar um processo de transformação semelhante e, portanto, no qual aprendemos a perceber o com- plexo tecido vital do que significa a “luta” entre a experiência trágico-niilista e a razão crítica, de tal modo que sua interconexão poderia ser com- preendida como uma peculiar hermenêutica crítica.

E o fato de que a versão nietzschiana da hermenêutica (a genealógica) tenha que se confrontar com outras propostas de hermenêutica – como as de Heidegger, Gadamer, Apel e Habermas, Ricoeur, etc. – constitui um modo de incorporar o pensamento nietzschiano ao debate racional contemporâneo, mais além do uso panfletário, irracional e extravagante de seus escritos, do que decorre uma atitude de superioridade apenas fictícia, que nega e impossibilita a discussão racional.

A hermenêutica é a modalidade filosófica mais própria da nossa situação atual. Se em outros momentos foram preponderantes os marxismos, o positivismo lógico, os existencialismos, as filosofias analítico-linguísticas, o “racionalismo crítico” e a teoria de sistemas, atualmente, com um nome ou outro, as diversas filosofias se aproximaram cada vez mais de uma atitude hermenêutica. Foi se passando de filosofias centradas no predomínio da razão (lógica e metodológica) para filosofias que são cada vez mais conscientes do caráter decisivo da experiência, inclusive para a constituição da própria razão, que se revela como experiencial.

Quais são os traços distintivos deste modo hermenêutico de entender a experiência? A hermenêutica tem uma longa história, que remonta à Antiguidade, mas neste momento nos interessa aludir apenas ao giro hermenêutico da filosofia contemporânea, a fim de compreender a nossa situação atual. Mais concretamente, se nas exposições canônicas da her- menêutica contemporânea se costuma começar por Schleiermacher, acredito que este começo deve ser completado com Nietzsche, dado que os conflitos que hoje vivemos provêm mais da inspiração nietzschiana do que da schleiermacheriana.

Leia o artigo na íntegra Aqui

* Jesús Conill Sancho – Universidade de Valência, Espanha

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