Traçando um paralelo do velho com a história de Lili Elbe, nascido Einar Mogens Wegener – o famoso pintor dinamarquês, a primeira pessoa a se submeter a uma cirurgia de mudança de gênero – fazemos uma breve reflexão sobre esses “estranhos” que ousam a mudança.
Angustiada com uma ideia “distante” de velhice, veio a lembrança do velho que vejo no meu dia a dia. Assim, decidi assistir ao filme “A Garota Dinamarquesa” – não me sai da cabeça o sentido do gênero para o velho que, quando novo, ou mesmo depois, ousou uma “mudança” em troca do seu bem estar.
Pensando nisso, comecei a investigar de que maneira a mídia transmite essa nova situação e, através do filme escolhido, busquei algumas críticas de profissionais e público. Depois, procurei analisar as mensagens passadas e como elas chegaram a seus telespectadores. Como não encontramos idoso na história, pesquisei o artigo “Travestis, envelhecimento e velhice” de Pedro Paulo Sammarco Antunes e Elisabeth Frohlich Mercadante.
Não pude deixar de lado o filósofo Michel Foucault, especialmente os três volumes da “História da sexualidade”, e a dissertação de Antunes “Os travestis envelhecem?”. Por último, mas, não menos importante, a palestra de Hellen Keller, “Sexualidade e velhice”.
O filme “A Garota Dinamarquesa” trata da cinebiografia de Lili Elbe, que nasceu Einar Mogens Wegener, e foi a primeira pessoa a se submeter a uma cirurgia de mudança de gênero. Nesse cenário, conhecemos o relacionamento amoroso do, então, pintor dinamarquês, com Gerda; e a descoberta de sua “porção feminina”.
Ao mesmo tempo em que carrega a angústia do relacionamento de Gerda e Lili Elbe, a história traz, também, o olhar de um sentimento diferente, um tipo de “amor” que não costumamos ter contato no dia a dia.
O filme nos faz refletir sobre a questão: que presença e que qualidade de amor é aquele, algo que não é incondicional, mas é presente e total.
Maria Alice D`Amorim, em sua pesquisa “Estereótipos de Gênero e Atitudes Acerca da Sexualidade em Estudos sobre Jovens Brasileiros” (1997), define identidade de gênero como um “conjunto de crenças, atitudes e estereótipos do indivíduo”, e estereótipo de gênero como “Conjunto de crenças acerca de atributos pessoais adequados a homens e mulheres”.
Em um levantamento bibliográfico feito pela autora, a mesma relata que diversas pesquisas apontam um ideal de competência masculino em comum, que constitui os seguintes atributos: competitividade, atividade, independência, decisão e confiança. Já, um ideal de competência feminino, comum às diversas pesquisas levantadas, incluem as qualidades: expressividade, afeição, emocionalidade, gentileza e compreensão.
Ser homem ou ser mulher, e todos os seus desdobramentos na vida cotidiana são, segundo Maria Rosado-Nunes (2005), um fenômeno fortemente relacionado com a vida social do sujeito.
Desde a famosa afirmação de Simone de Beauvoir – “Não nascemos mulheres, tornamo-nos mulheres” muito se progrediu no campo dos estudos feministas e de gênero, tendo-se sempre em pauta a premissa fundamental de que “feminino” e “masculino” são menos fatos biológicos que construções sociais (Rosado-Nunes, 2005 s/p).
Com o aumento da população idosa, as pessoas LGBT’s (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) merecem destaque, justamente por ser um segmento populacional que sofre exclusão em qualquer idade. Pouco se sabe sobre o tema, e uma parcela considerável ainda considera o assunto motivo de chacota. Uma verdade é que os movimentos de luta LGBT têm ganhado um espaço considerável e visível, porém isso não exclui o fato de serem alvo de piadas desde muito cedo, seja na infância ou/e quando assumem.
Diante disso, fica cada vez mais claro que o preconceito advém de um processo de organização social que estipula o que é considerado normal e anormal. E os que não se enquadram no funcionamento desejado são os mesmos que sofrem o preconceito.
Foucault (1980, p. 43) reforça essa ideia: “um passado, uma história, uma infância, um caráter, uma forma de vida […]. Nada daquilo que ele é escapa à sua sexualidade. Ela está presente nele todo: subjacente a todas as suas condutas […]. É-lhe consubstancial, não tanto como pecado habitual, porém como natureza singular”.
A hipótese do filósofo é clara: a emergência da ciência do sujeito faz parte da expansão do dispositivo de sexualidade, que abre novas possibilidades para a infiltração do poder nos aspectos mais particulares e íntimos da vida. Assim o que parecia ser libertação do silêncio imposto por um poder “repressivo”, participação dos sujeitos no processo de sua constituição, revela-se como um insidioso mecanismo de sujeição. Trata-se de uma forma individualizante de poder, que classifica os indivíduos em categorias e os fixa à sua própria identidade.
A velhice é vista como parte de um processo de vida onde cada um, traz aspectos próprios de si, cada um enxerga e enxergou o mundo de uma forma muito particular à sua vivência, trazendo como bagagem suas dores e suas felicidades.
Em seu poema, “Viagem ao Farol”, Virgina Woolf expressa um pouco do que dissemos: “Dirigidos por alguma luz desgarrada, tombada de uma estrela sem véu, de um navio errante, ou do próprio Farol, com sua pálida pegada sobre degraus e tapetes, os pequenos ares subiram a escada e farejaram pelas portas dos quartos. Mas aqui, decerto, tinham que parar. Quaisquer que fossem as coisas que podiam aparecer e desaparecer, o que aqui se encontra é bem sólido. Aqui, podia-se dizer àquelas luzes deslizantes, àqueles ares tateantes que respiram e se curvam sobre o próprio leito, aqui vocês nada podem tocar, e nada podem destruir.”
Ecléa Bosi, no livro “Lembranças de Velhos” encerra a reflexão: “O velho não tem arma, nós é que temos de lutar por ele”. E essa luta vem pelo motivo de fontes que os velhos trazem de cultura, um ponto delicado aonde o passado se preserva e o presente se prepara.
Referências
ANTUNES, P.P.S.; MERCADANTE, E.F. Travestis, envelhecimento e velhice. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/kairos/article/viewFile/9902/7356. Acesso em 10 ago. 2016.
ANTUNES, P.P.S.; MERCADANTE, E.F.Travestis envelhecem? Disponível em: https://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=11719. Acesso em 10 ago. 2016.
CIRINO, O. O desejo, os corpos e os prazeres em Michel Foucault. Disponível em: https://pepsic.bvsalud.org/pdf/mental/v5n8/v5n8a06.pdf. Acesso em 10 ago. 2016.
D’AMORIM, Maria Alice. Estereótipos de gênero e atitudes acerca da sexualidade em estudos sobre jovens brasileiros. Temas psicol., Ribeirão Preto , v. 5, n. 3, p. 121-134, dez. 1997 . Disponível em https://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-389X1997000300010&lng=pt&nrm=iso. Acesso em 15 ago. 2016.
FOUCAULT, M. História da Sexualidade. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/1226/foucault_historiadasexualidade.pdf?sequence=1. Acesso em 10 ago. 2016.
ROSADO-NUNES, M.J. Gênero e Religião. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2005000200009. Acesso em 10 ago. 2016.
Escrito por Laíza Carreira – Aluna do curso de graduação de Psicologia, da Pontifícia Universidade Católica – PUCSP, 5º semestre. Ruth Gelehrter da Costa Lopes – Supervisora Atendimento Psicoterapêutico à Terceira Fase da Vida. Profa. Dra. Programa Estudos Pós Graduados em Gerontologia e no Curso de Psicologia, FACHS. Email: ruthgclopes@pucsp.br