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Um testamento especial

Estamos juntos há cerca de dez anos. Reunimo-nos, no IDEAC, todas as terças feiras, durante hora e meia, pela manhã. Somos, hoje, psicólogos, médicos, pedagogos, fisioterapeutas, um arquiteto e uma atriz.

Waldir Bíscaro *

 

Nosso propósito, desde o início, era estudar o processo da maturidade humana e seus percalços. Seria natural que esse estudo nos levasse, pela lógica, a lidar com a fase do envelhecimento e todos os problemas que essa fase representa.

Ao chegarmos nesse ponto do desenvolvimento humano nos acercamos da fronteira final cujo outro lado nos é totalmente ignoto. Sondamos então os arredores desse limite e demos de cara com a dor que costuma ser a companheira quase inevitável dos que conseguiram se aproximar dessa divisa final.

É fácil perceber que, se chegamos nesse ponto também vislumbramos o ato derradeiro, a morte. E aqui nos deparamos com uma quantidade de problemas que até há pouco nem sequer supúnhamos existir.

Sabemos como a medicina evoluiu em sua luta pela manutenção da saúde e, mais especificamente, pelo prolongamento da vida. A medicina dispõe hoje de verdadeiro arsenal de recursos para manter um paciente terminal em um estado de vida vegetativa: ventilação assistida, ressuscitação cardiopulmonar, diálise, cirurgia de urgência, transfusões de sangue, nutrição artificial, antibioticoterapias entre outros.

Acontece que os esforços pela continuidade da vida criam, muitas vezes, situações que colocam num impasse aquelas pessoas que deveriam assumir posição frente à continuidade ou não do tratamento. Isso se dá, de modo especial, quando o paciente já se encontra em um estado de praticamente total incapacidade para expressar seus desejos quanto a aceitar ou não o emprego de recursos que artificialmente prolongariam sua vida.

Esse problema não é nada fácil de se resolver, nem é tão raro de acontecer e, pelo jeito, esse probleminha está sendo enfrentado há algum tempo no mundo ocidental. Países da Europa já o promoveram a tema de política nacional com debates intermináveis entre conservadores e liberais, muito por conta de uma conotação com a eutanásia.

Como foi que esse assunto chegou até o nosso grupo? Foi um colega nosso que, ao ler e traduzir o livro de Umberto Veronesi sobre o “direito de não sofrer”, percebeu que o tema levantado por Veronesi caberia muito bem nos debates que o grupo começava a empreender.

O problema poderia ser colocado de diversas formas:

a – Tem o cidadão o direito de decidir sobre os cuidados que serão empregados em sua fase final?

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b – Poderia ele estabelecer antecipadamente a dispensa de cuidados artificiais para o prolongamento da vida, caso ocorresse perda total de sua capacidade de decidir e de se comunicar?

c – Poderia o cidadão determinar de forma consciente sua rejeição antecipada à mera extensão de uma vida apenas vegetativa?

Todos esses problemas poderiam ser resumidos em um conceito: O direito que todo cidadão teria de, previamente, definir as condições para morrer com dignidade e sem sofrimentos.

De que forma o cidadão expressaria esse desejo, de modo a garantir seu cumprimento?

Em alguns países europeus já está consagrada uma forma de expressão antecipada do desejo, sob diferentes denominações: Testamento Biológico; Testamento Vital; Living Will; Testamento em Vida; Vontade Prévia de Tratamento; Declaração Antecipada de Tratamento.

Esses países perceberam, em tempo, o que alguns estudiosos denominaram de “obstinação terapêutica” que seria a insistência em prolongar a vida através de recursos caríssimos e resultados pífios ou nulos.

Acontece que tal problema, pelo que sabemos, ainda não entrou no rol de temas nacionais no Brasil. Claro, diante de tantos outros assuntos mais urgentes, seria quase exagero acrescentar mais esse. Seja como for, o problema existe e tende a se tornar cada vez mais presente.

Nossa intenção ao escrever e divulgar esse texto é de, talvez, iniciar um movimento a favor da criação de uma legislação que reconheça, no Brasil, a validade jurídica do testamento biológico.

Para melhor perceber o impacto e a dificuldade em elaborar tal documento, nós, do IDEAC, nos propusemos a escrever, cada um, esse testamento. Alguns como simulação e outros, pra valer.

Enquanto não sai publicada a tradução do livro de Umberto Veronesi, O Direito de Não Sofrer, sugiro que consultem no Google, sobre “Testamento Biológico”.

* Filósofo e psicólogo e ex-professor de Psicologia do Trabalho na PUC/SP. E-mail: awbiscaro@uol.com.br

Nota da Redação: No último dia 02 de dezembro (2011) foi defendida na PUC-SP, pelo Pós em Gerontologia, uma dissertação de mestrado tratando justamente deste tema, sob o título “Cuidados na velhice, no adoecimento e na morte: relatos e reflexões sobre a finitude como forma de investimento na vida”, de Debora Cristina Genezini Costa. Em breve a pesquisa estará totalmente online na Biblioteca Digital da PUC-SP.

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