Portal – Situe Guapimirim, por favor, que passou a ter grande importância em todo o processo de elaboração do livro.
Lúcia – Guapimirim é uma pequena cidade, no subúrbio do Rio de Janeiro, antes da subida da serra para Teresópolis. Foi lá que aconteceu o primeiro encontro, em 2005. A partir de uma inquietação pessoal, vinha partilhando reflexões e preocupações sobre as questões do envelhecer, com algumas amigas: Ney Paiva Chaves, Iza Guerra, Maria José Santos, com quem formei a equipe original. Com a participação de cerca de 30 pessoas – profissionais de setores médios urbanos do Rio de Janeiro e de São Paulo -, elaboramos uma reflexão conjunta, a partir da nossa experiência, abordando diversas dimensões do envelhecer. Depois do encontro, continuamos refletindo e debatendo. Em 2007, fizemos um novo seminário, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, com um grupo menor, e em 2011 mais um encontro, na Fazenda do Cedro, perto de Petrópolis. O livro surgiu no meio desse processo: incluímos mais um texto do teólogo Leonardo Boff e os diversos depoimentos de idosos. E depois o processo para conseguir editora e efetivamente ter o livro publicado foi longo.
Guilherme Salgado Rocha / Fotos: arquivo pessoal
Portal – Por favor, sempre perguntamos os dados pessoais.
Lúcia – Nasci no dia 10 de junho de 1934, no Rio de Janeiro, onde moro. Sou socióloga, casada com Luiz Alberto Gomes de Souza. Temos três filhos e seis netos.
Lúcia – Para apreender essa complexidade, decidimos abordá-la desde diversas dimensões: na social, indica transformações que possibilitam aos idosos uma melhor qualidade de vida, apesar do persistente preconceito; na físico-biológica, ressalta mudanças sempre permeadas pela subjetividade; na psicoanalítica, mostra a coexistência de reações de medo e tristeza pelas perdas com a criação de elaborações criativas; e na filosófico-espiritual, enfatiza o polo da interioridade, com sua possibilidade de crescimento indefinido, vendo a morte como a passagem para uma vida plena.
Portal – Ao lado dos textos mais analíticos, o livro inclui testemunhos…
Lúcia – São depoimentos preciosos de pessoas que conhecem a velhice por dentro, como Marialzira Perestrello, Luis Viegas, Rose Marie Muraro e Yolanda Bettencourt, e de uma criança, Francisco Oromi R. de Souza, vendo a velhice de longe. Finalmente, o livro tem a dimensão poética, do filósofo e poeta Rogério Luz.
Lúcia – Ao analisar a situação social do idoso, incluímos a experiência de um setor específico, que são profissionais urbanos de classe média, pertencentes à geração que nasceu nas décadas de 30/40. Isso nos possibilitou aprofundar a reflexão a partir de uma prática concreta e desde uma perspectiva que encara o processo do envelhecer de forma dialética: sem negar as perdas e as limitações reais, que não podem ser maquiadas, descobre os espaços positivos que se abrem nessa fase. A partir dessa perspectiva, que assume perdas e ganhos, identificamos alguns desafios, que se colocam para a nossa geração, no mundo atual.
Portal – Quais são esses desafios?
Lúcia – Conseguir aceitar subjetivamente a metamorfose que objetivamente está se dando em nós, e que, frequentemente, é mais visível para os outros do que para nós mesmos, reconhecendo a necessidade do cuidado, sem esquecer a conquista permanente da autonomia possível. Saber dialogar com as gerações mais jovens, abertos às suas perspectivas e descobertas, mas sem abrir mão de uma visão crítica. Assumir um compromisso ativo e participante em grupos, sejam eles profissionais, religiosos, culturais ou de qualquer outro tipo, e sentir-se parte de um todo, assumindo sua responsabilidade pessoal, a partir de nossas possibilidades atuais.
Portal – Há no livro discussões acerca da sexualidade.
Lúcia – Esse é outro desafio: não abrir mão da criatividade para inventar novas formas de viver a sexualidade, baseada na libido, no afeto e no que cada um julga mais adequado às suas próprias condições. E discutimos ainda que é essencial descobrir a riqueza de construir a solidão, como um momento de encontro consigo mesmo, além de se reconciliar com o passado, com seus feitos e sobretudo com as omissões e falhas, hoje já irrecuperáveis, e descobrir a função social do resgate da memória, com a lucidez de distinguir o que ainda pode ser enriquecedor, no momento atual, do que precisa ser definitivamente superado.
Lúcia – É fundamental tomar consciência de nossa finitude, embora o tempo que nos resta seja imprevisível: somente quando integramos e aceitamos a morte vivemos plenamente a vida. Temos que aprofundar a vida interior e a espiritualidade – próprias de qualquer ser humano, independentemente de ter ou não opção religiosa -, questionando o sentido da vida e reconhecendo nela a dimensão do Mistério.
Portal – Não são desafios fáceis.
Lúcia – Não, não são. Mas esses e outros desafios permeiam a travessia das águas, ora serenas, ora turbulentas – mas sempre instigantes –, da sexta ou sétima década da vida. Nossa geração viveu tempos marcados pela esperança de transformar o mundo, expressa em processos políticos, culturais e sociais. Viveu ainda os momentos de ocaso, de revezes, de desilusão. Mas para muitos de nós, que participamos ativamente desses processos, o compromisso com a transformação social, em seus mais diversos níveis, continua vivo. E no atual momento da vida, acreditamos que “um outro envelhecer é possível”, se nos assumimos como sujeitos ativos dessa etapa, tornando-a uma experiência socialmente fecunda e pessoalmente feliz.