País caminha no sentido oposto às recomendações da OCDE para o bom envelhecimento. Nas últimas décadas o risco velhice tem sido ampliado para as gerações mais novas, aqueles nascidos a partir de 1960.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o clube de 35 países em sua maioria de renda elevada, divulgou recentemente o relatório “Preventing Ageing Unequally” dedicado a discutir duas das megatendências globais: o envelhecimento populacional e a desigualdade social. Os técnicos mostram como, nas últimas décadas, o risco velhice tem sido ampliado para as gerações mais novas, aqueles nascidos a partir de 1960.
Quase todos os países, durante o século passado, conseguiram, embora em níveis diferentes, desvincular pobreza e velhice. Os idosos de hoje, inclusive no Brasil, estão estatisticamente fora da linha de miséria. O aumento da desigualdade social, porém, a partir dos anos 1980, ampliou o risco de pobreza para os idosos do futuro. Segundo a OCDE, as metamorfoses no mundo do trabalho, intensificadas pela chamada 4ª Revolução Industrial, colocam em xeque as possibilidades de planejamento para as novas gerações.
Uma vez que o Brasil almeja integrar oficialmente essa organização, torna-se interessante o exercício de comparar as recomendações do relatório da OCDE com a realidade brasileira. É fácil concluir que, em termos de políticas para o bom envelhecimento, o país caminha no sentido oposto às recomendações. Vejamos quais são elas. Um dos pontos mais destacados é o mercado de trabalho, o locus da cristalização das desigualdades sociais.
A OCDE recomenda aos países “melhorar o papel dos órgãos de inspeção do trabalho e de saúde ocupacional” permitindo a atuação contra a “jornada exaustiva”, o “trabalho forçado” e a “condição degradante”. Esta última é entendida como qualquer tipo de situação que possa afetar a saúde no curto, médio ou longo prazo, uma vez que a meta é um envelhecimento saudável – fundamental para a ampliação da renda na velhice. Indispensável lembrar que o Brasil com a redefinição de trabalho escravo fez exatamente o oposto.
Ao analisar as várias dimensões da desigualdade, a OCDE coloca o Brasil em situação bastante difícil. As desigualdades em saúde, educação, emprego, gênero, renda, cor de pele reforçam umas as outras. A educação aparece como crucial para induzir a queda das outras dimensões. A OCDE sublinha que a força de trabalho menos educada tende a se aposentar por idade e ter menos saúde, impingindo uma redução de 33% na renda do trabalho ao longo da vida.
Essa disparidade no mercado de trabalho, seja por condições de saúde ou educacionais é transferida para o sistema previdenciário. Em média, 2/3 das desigualdades de rendimentos ao longo da vida passam para o sistema de previdência. Logo, esse deve ser o mais igualitário possível, extinguindo privilégios. O aumento da idade de aposentadoria, indica a OCDE, tende a ampliar a assimetria do mercado de trabalho. É preciso lembrar que a OCDE se rende a um alerta feito por Lin Hattersley no século passado e ignorado pela organização até a crise de 2008.
O relatório destaca que o envelhecimento populacional acelerará parelho à ampliação das disparidades de condições de saúde entre os grupos socioeconômicos. O acesso desigual às tecnologias, terapias avançadas e atendimento básico impactam cada vez mais na taxa de mortalidade. Os países emergentes serão mais afetados, pois nos países de renda alta, a proteção social é maior. Logo, os emergentes devem ampliar a proteção social em todas as idades, uma vez que a OCDE trabalha com o conceito bourdieusiano de “trajetória pessoal”.
A renda dos idosos, hoje próxima da renda média dos países do grupo, tende a cair desse patamar na velhice dos jovens de hoje. Os motivos apontados são vários: a desigualdade de saúde e educação inicia-se na infância; a perda da transferência intergeracional de renda depois da morte dos pais, já que grande percentual recebe ajuda dos pais ou avós; as mudanças no mercado de trabalho e os gastos elevados que terão com cuidados de longa duração (dos pais, avós e deles mesmos na velhice), serviços cada vez mais mercantilizados.
O custo dos cuidados de longa duração intensifica a desigualdade social, pois são mais demandados pelas famílias de baixa renda, nas quais o envelhecimento é pior e a rede de suporte familiar é menor. É imprescindível, portanto, a criação ou ampliação do pilar de cuidados nos sistemas de Seguridade Social para acabar com o “imposto regressivo”, como diz Gosta Esping-Andersen, que os pobres pagam por esses serviços – seja por dedicarem mais horas para os cuidados, abrindo mão de renda, ou por efetivamente os adquirirem no mercado formal e informal.
A educação de qualidade na infância é a principal condição para reduzir a desigualdade social na sociedade envelhecida. Os economistas gostam de apontar a previdência social como uma “bomba-relógio” ou um “encontro marcado”, mas a verdadeira catástrofe brasileira não é o sistema de repartição mas os números do Ministério da Educação. O fato de 55% dos alunos da rede pública de 8 anos de idade serem analfabetos é, segundo a OCDE, o maior entrave para o crescimento econômico no futuro superenvelhecido. A emergência de lutar contra esse “destino”, de origem escravocrata, pois a maioria dos alunos da rede pública é negra, vai de acordo com a recomendação da OCDE de “mitigar as desigualdades arraigadas”.
O que os técnicos da OCDE perguntam, no subtexto, é se o modelo de política social do século XXI, regido pela austeridade fiscal, comporta a grande vitória da economia capitalista: a longevidade humana. No Brasil e no mundo.
Referências
L. Hattersley, Trends in Life Expectancy by Social Class – An Update, Health Statistics Quaterly, 2, 1999, p.16-24.
* Artigo publicado no Valor Econômico em 07 de dezembro de 2017.