As marcas do tempo que voltam sobre os lugares, no caso, sobre o Viaduto do Chá, marca da identidade – cartão postal – da metrópole São Paulo.
Mauisa Annunziata (*)
O atual Viaduto do Chá, em cinco viravoltas de tempo é um exemplo.
Volta Um: Foi floresta de Mata Atlântica à beira do rio Anhangabaú que descia cantando a céu aberto e ia desaguar no Tietê. Essa imagem só existe no álbum da imaginação de alguns paulistanos. Aqueles que gostam de sonhar bem lá pra frente e bem lá pra trás. Assim são poderosos os sonhos.
Volta Dois: Muito tempo depois, a espiral do tempo encontrou na mesma beira de rio, uma imensa plantação de chá beirando as encostas do vale. Essa imagem pode ser vista em ilustrações de livros.
Volta Três: E o tempo encontra no vale um lindo jardim de palmeiras, planejado para uma bela cidade. Aí, às voltas anteriores já se sobrepõem fotos verdadeiras, narrativas sobre o real ou desenhos a olho nu.
Volta Quatro: O tempo acelera, como se volutas apressadas da espiral fossem obrigadas a reduzir a trajetória. A cidade se espraia dos dois lados do vale. O rio é rebaixado a riacho Anhangabaú e é canalizado. Passa rápido e inaudível, abafado sob o asfalto, deságua.
Volta cinco: Quando novamente o tempo já atravessa o Viaduto do Chá rapidamente, corta a cidade por debaixo dele em túneis, rumo ao Norte da grande cidade. O tempo voa. A cidade é voraz. Ninguém sente porque corre junto.
As páginas sobrepuseram convivências impossíveis. Grossos cipós subiram a abraçar os arcos do Viaduto. De quando em quando o riacho invadiu a Av. Nove de Julho e regava uma porção de hortelã, um punhado de camomila em velhas fazendas de chá. Uma grande árvore irrompeu logo ali. As raízes interromperam o corredor de ônibus. Os passageiros colheram limão cravo pela janela.
Tudo no breve instante em que o Trópico de Capricórnio se fez néon resplandecente. Espiralado. Um astronauta viu Deus lá do alto, cabelos em pé. Tudo aconteceu quase ao mesmo tempo.
Depois o astronauta seguiu sua órbita. São Paulo, a rotina de sempre. E em Tóquio os relógios eletrônicos marcaram oito horas da manhã.
(*)Mauisa Annunziata poeta e cronista. Pedagoga e especialista em Criatividade. mauisa@uol.com.br