Charles Saint-Beuve (1804 – 1869), crítico literário e um dos grandes nomes da história da literatura francesa, costumava dizer: “Envelhecer ainda é a única maneira que se descobriu de viver muito tempo”.
Então, por que não envelhecer? Por que tantas terapias antienvelhecimento?
O alerta foi feito por especialistas brasileiros e estrangeiros na abertura do Congresso Brasileiro de Geriatria e Gerontologia, realizado no Rio de Janeiro: “Terapias que prometem combater os efeitos do envelhecimento, usando vitaminas, antioxidantes e hormônios, não têm comprovação científica de sua eficácia e podem aumentar os riscos de diabetes e câncer”.
O objetivo comum do grupo é a elaboração de um documento que subsidie o CFM (Conselho Federal de Medicina) e a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) na formulação de novas regras que coíbam a prática da chamada “medicina antiaging” no país.
No entanto, essa iniciativa gerou controvérsias entre os associados presentes no Congresso, pois achavam que a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) deveria se preocupar mais com o crescente número de pessoas que chegam à velhice sem nenhuma proteção, exigindo junto ao setor público a aplicação das leis existentes em relação ao segmento idoso. Isto é, exigiam um posicionamento político em relação à qualidade de vida da maioria dos velhos deste país e não ocupar um tempo “precioso” do Congresso para falar sobre o combate dos efeitos do envelhecimento.
Medicina antiaging
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A “medicina antiaging” se propõe a reverter ou retardar o processo de envelhecimento através de um programa médico que se denomina personalizado e global. Oficialmente, ela não é reconhecida como especialidade médica, mas não há punição para quem a pratica e muito menos fiscalização sistematizada.
Dizem os especialistas que “um dos vilões dessa terapia é o hormônio do crescimento (GH), que tem indicações muito restritas (pessoas com nanismo, pacientes renais crônicos e portadores de HIV, por exemplo), mas que hoje é prescrito com o objetivo de ganho de músculos e queima de gordura”.
A geriatra Elisa Franco, da Câmara Técnica de Geriatria do CFM, afirma que “60% das indicações desses hormônios são off label, ou seja, por conta e risco do médico que os indicam, sem amparo científico de que sejam eficazes”.
“Os estudos mostram que essas drogas dobram o risco de tumores de fígado e aumentam em quatro vezes as chances de a pessoa ter diabetes. Também há relatos de acromegalia (crescimento de órgãos, inclusive o coração)”, denunciam os especialistas.
O geriatra Thomas Perls (foto), professor da Escola de Medicina da Universidade de Boston (EUA), alerta que os médicos que estão propondo essa terapia com o propósito de retardar o envelhecimento são “antiéticos e antiprofissionais”: “Nos EUA, não conseguimos muita coisa ao tentar coibir essa prática. Espero que vocês tenham mais sorte”.
Não se trata de sorte e sim de denunciar práticas falsas e perigosas que expõe as pessoas a riscos incalculáveis e alguns até irreversíveis.
Com relação ao perigo na venda dos chamados hormônios bioidênticos (supostamente também retardariam a velocidade do envelhecimento), Silvia Pereira, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia explica: “Não há nenhum estudo científico sério que ateste algum benefício desses hormônios”.
Os especialistas chamam atenção para outros hormônios (testosterona e o tireoidiano) e vitaminas (E, C e betacaroteno) que também têm sido indicados contra o envelhecimento, entretanto tais medicamentos não têm respaldo científico.
Os riscos são muitos. Um deles é a ingestão desnecessária de vitaminas que pode provocar a sobrecarga dos rins. Pesquisas recentes também associaram a vitamina E a um risco maior de câncer de próstata: “Em geral, quem tem acesso a essa tal de medicina ‘antiaging’ é a elite. São pessoas que têm acesso ao conhecimento, mas preferem se iludir”, diz Silvia Pereira.
O outro lado
O presidente da Academia Brasileira de Medicina Antienvelhecimento, Edson Luiz Peracchi rebate: “Não entendo por que o alarde. Os bioidênticos são produzidos e registrados no mundo todo”.
Ele lembra que, em 2010, o Conselho Federal de Medicina publicou normas para as práticas da ortomolecular, que incluem a prescrição de suplementos de vitaminas, minerais e hormônios em caso de deficiência. Indignado, ele diz: “Esse assunto já foi discutido, a normalização científica já existe. Tentar negar a importância de suplementos de vitaminas e minerais chega ao absurdo”.
Peracchi complementa: “a publicação dessa resolução agora é falta de assunto. Isso é para gerar constrangimento ao exercício profissional, assustar médicos menos avisados. É uma forma de terrorismo mental”.
Segundo Olszewer, especialista em ortomolecular, o rótulo “antienvelhecimento” não é adequado e acaba usado como chamariz: “O que existe é melhorar a qualidade de vida. O único tratamento antienvelhecimento que eu conheço é morrer jovem”.
Envelhecer…jamais?
Enquanto o conhecimento representa um bem valioso, ele, ao mesmo tempo, pode trabalhar como um importante vilão, uma espécie de Dorian Gray atualizado (romance de Oscar Wilde) que tudo faz pela juventude eterna:
Ao ver-se em seu retrato finalmente pronto, o inconformado herói desabafa:
“Eu ficarei velho, feio, horrível. Mas este retrato se conservará eternamente jovem. Nele, nunca serei mais idoso do que neste dia de junho… Se fosse o contrário! Se eu pudesse ser sempre moço, se o quadro envelhecesse!… Por isso, por esse milagre eu daria tudo! Sim, não há no mundo o que eu não estivesse pronto a dar em troca. Daria até a alma!”
Pobre Dorian Gray…
Referências
COLLUCCI, C. (2012). Geriatras atacam uso de antioxidante e hormônio contra envelhecimento. Disponível Aqui. Acesso em 23/05/2012.
MISMETTI, D. (2012). Médicos ortomoleculares defendem terapias antienvelhecimento. Disponível Aqui. Acesso em 25/05/2012.
Fotos: SBGG