Quem tem medo de envelhecer torcerá o nariz naturalmente e fará uma leitura enviesada. O autor traça um retrato nu e cru das dificuldades na convivência de velhos em um asilo dividido em duas alas, uma aberta (para velhos autônomos), e uma fechada (para demenciados).
Livro simples, fácil e bem-humorado. Ótima leitura, ótimo passatempo. Resolvi conferir depois de ler uma crítica na Folha de S.Paulo. O crítico devia estar em um péssimo dia. Não entendeu nada. O livro é verdadeiro e divertido.
O autor é holandês, portanto, retrata a realidade dos idosos na Holanda. É um diário, não é um “livro”. Não espere um desfecho fabuloso, apoteótico. Termina como começa, na mesma batida, mas uma batida legal.
O ano é 2013. O autor escreve apenas quatro linhas no dia 1o de janeiro: “Continuo não gostando de velhos neste ano novo. Do arrastar de pés por trás dos andadores, da impaciência fora de propósito, do eterno reclamar, dos biscoitinhos com chá, dos gemidos e dos lamentos. Eu mesmo tenho 83 anos e três meses.”
No último dia do ano, fim do livro, escreve um pouco mais, mas não espere nenhum balanço entusiasmado. Finaliza com o seguinte: “… tenho que fazer novos planos. Enquanto houver planos, há vida”.
Quem tem medo de envelhecer torcerá o nariz naturalmente e fará uma leitura enviesada. O autor traça um retrato nu e cru das dificuldades na convivência de velhos em um asilo dividido em duas alas, uma aberta (para velhos autônomos), e uma fechada (para demenciados).
O autor, o escritor por trás do personagem de 83 anos, Hendrik Groen, que mantém o diário, não tem família e acaba por ser acolhido por um pequeno grupo o que vai tornar sua velhice suportável, mais agradável. Usa o diário para comentar o que observa e escuta no refeitório, salas de convivência, elevadores e pelos corredores do asilo.
Bebem, aprontam, criam problemas, caem, reclamam, adoecem, tudo o que acontece com quem está vivo. A velhice não impede que se faça – em outro ritmo, claro, tudo o que a pessoa sempre fez na vida. Mesmo com dores, com fraldas ou sobre uma cadeira de rodas, pois o poder de adaptação do homem é incrível, todos sabem disso.
Quem tem capacidade motora e financeira pode muito bem se locomover com a ajuda de uma cadeira motorizada ou um scooter como já é bastante comum em cidades como São Paulo.
Porém, em uma história envolvendo octogenários, não podemos esperar nada muito espetacular. Um romance devastador, uma paixão insana seria fora de propósito, mas ocorrem dentro do possível.
Dei boas risadas com o livro. Acho até que o autor pegou leve ao retratar os velhinhos holandeses. Por exemplo, quando o adolescente cospe na cara de Hendrik, torci para ele acertar o moleque com uma bengalada, mas ele só pediu respeito…
No mundo real, outro dia, uma senhora na cidade de Nijmegen-Zuid, ao completar 100 anos fez um balanço de sua vida e concluiu que já havia feito tudo, menos roubar e matar, por isso nunca havia sido presa, mas gostaria de ser trancafiada como uma fora-da-lei.
Os vizinhos chamaram a polícia e expuseram o estranho desejo da aniversariante. Os policiais não tiveram dúvida. Deram ordem de prisão, algemaram e colocaram Annie atrás das grades. A velhinha amou a surpresa.
No livro, a polícia é acionada várias vezes pelo asilo para investigar os velhinhos que aprontam como adolescentes, nada muito original, mas engraçado.
O único senão ficou por conta da tradução. Usou e abusou da expressão ‘Mal de Alzheimer’ ao se referir à Doença de Alzheimer, termo correto. “Mal”…, já não bastasse a doença, a mídia ainda carrega o “mal”… Quem fez a tradução deveria procurar saber e não ficar no conhecimento raso dado pelos meios de comunicação.
Ao terminar a leitura, fiquei com uma sensação de vazio, de quero mais.
Engraçado é que veio à minha cabeça um poema de Drumond, Cidadezinha Qualquer, lembram? Diz assim:
Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar, amor, cantar
Um homem vai devagar
Um cachorro vai devagar
Um burro vai devagar
Devagar… as janelas olham
Êta vida besta, meu Deus.
Este é o espírito do livro “Tentativas de Fazer Algo da Vida”, de Hendrik Groen (pseudônimo). Leia e se divirta.