Sr. Luis Faro, engenheiro, 87 anos.“Os anos enrugam a pele, a perda do ideal enruga a alma” - Portal do Envelhecimento e Longeviver
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Sr. Luis Faro, engenheiro, 87 anos.“Os anos enrugam a pele, a perda do ideal enruga a alma”

Uma amiga me forneceu o telefone do Sr. Luis Faro. Liguei para a casa dele, e ao telefone, já começamos o nosso bate-papo. Falamos sobre o Portal do Envelhecimento, sobre a reeleição do presidente Lula que tinha acabado de acontecer, sobre o futuro do país e finalmente marcamos um dia para continuar nosso bate-papo, só que desta vez mais específico. Ele disse que tinha muitas histórias para me contar. E tinha muito mais do eu imaginava.

Marisa Feriancic

 

Sr. Faro foi extremamente atencioso e colaborou o máximo para que eu pudesse acompanhar sua história. Foram 6 horas de gravação e foi difícil recusar detalhes importantes de algumas etapas de sua vida.

Ele e sua esposa me receberam muito bem em seu aconchegante apartamento. Sentamos em uma saleta bar, projetada e muito bem decorada por ele. Pareceu-me que é ali seu nicho. Local de receber amigos íntimos; lócus sagrado de relíquias familiares que fazem parte da decoração. Não dá para deixar de notar as duas espadas expostas na parede. Uma pertenceu ao seu avô, general Silva Faro que foi Marechal do Exército e, a outra, pertencente ao Sr. Luis Faro, recebida no dia 12 de dezembro de 1939, das mãos do Presidente Getúlio Vargas.

Sr. Luis Faro tem um vasto currículo. Durante toda sua vida estudou e continua estudando. Seu próximo projeto, além de lançar o novo livro, é fazer um curso de informática.

Ele tem 87 anos, é engenheiro e nasceu no Rio de Janeiro no dia 22 fevereiro de 1922. É casado com dona Maria Ângela. Tem 3 filhos, 7 netos e 5 bisnetos. Foi secretário Municipal de Defesa Social do prefeito Jânio Quadros em 1988. É Presidente do Conselho da Academia Brasileira de Engenharia Militar e escritor. Seu primeiro livro de crônicas, “Caminhos”[1]foi editado em 2002.

Lecionou em diversos estabelecimentos de ensino superior (FAAP, FEI, Mackenzie, Osvaldo Cruz e USP). Foi presidente do Círculo militar, do Nacional Clube, da Associação de Médicos e Engenheiros em Saúde Ocupacional.

É presidente de honra de 3 associações: ANEST (Associação Nacional de Engenharia de Segurança de Trabalho, APAEST (Associação Paulista de Engenheiros de Segurança do Trabalho) e APEMSO (Associação Paulista de Engenheiros e Médicos em Saúde Ocupacional)).

Sr. Luis Faro me conta sua história

Nasci no Rio de Janeiro. Minha infância foi uma infância de criança pobre. Meu pai Eurico Faro, era tenente, farmacêutico do exército e era doutor em medicina. Tenho a tese de doutoramento dele guardada até hoje. Meu pai faleceu em 1969, com 79 anos. Morávamos em casa de vila, comíamos de marmita. Meu pai me deixou um grande exemplo. Quando nasci ele já era farmacêutico e estava estudando medicina. Eu lembro do meu pai sempre estudando. Ele foi um exemplo para mim, por isso estudo até hoje. O último curso que eu fiz foi de Segurança de Trabalho, me formei com 74 anos. Sou o primogênito. Éramos em 2 irmãos. Meu irmão faleceu cedo, com 39 anos.

Sr.Luis Faro se emociona quando fala do irmão.

Minha mãe se chamava Ângela. Ela faleceu com 74 anos. Todas as palmadas que levei foi por causa dele. Minha mãe deixou de bater em mim quando eu disse a ela: – Não dói. Ouvi quando ela disse para uma amiga que eu não tinha mais idade para apanhar. Ela entendeu isso.

Meu irmão não quis ir para o exército. Ele faleceu em 1940, com apenas 39 anos, devido a uma cirurgia de amídalas [a nomenclatura mudou para tonsilas]. Foi erro médico. Ele tinha hipertensão e não descobriam a causa. Pensaram que era um vírus. Durante a cirurgia ele teve uma hemorragia e não lembraram da pressão alta, pinçaram algumas veias e ele teve um derrame. Pouco tempo antes de ele morrer, estava estudando psicologia e tinha que fazer o retrato das pessoas da família. No meu retrato ele escreveu: “Ele é tudo que eu queria ser”. Quem me contou isso foi minha cunhada, ela é viva ainda e mora no Rio de Janeiro.

Fui para o exército contra a vontade do meu pai. Ele tinha um amigo que era capitão, e pediu a esse amigo que escrevesse uma carta para mim, para eu desistir da carreira. Eu tinha 17 anos e estava terminando o colégio militar. Meu pai não gostava muito de falar. Falava pouco.

Eu saí a cavalo com o capitão e ele me entregou a carta, eu li e disse a ele:

– Agradeço sua opinião, mas eu vou para o exército. Na carta estava escrito que eu não deveria ir para o exército de cavalaria, que não seria bom para mim. Não sugeria nada. Dizia também que seria difícil educar os filhos porque nunca se tinha lugar certo para ficar, mudava-se muito de casa. Não sugeria nada. Na verdade, meu pai falava com experiência própria.

No primeiro ano do exército não tem armas. É um ano comum a todos. Depois você faz uma opção de acordo com as notas de aproveitamento. Todo mês meu pai dizia para mim:

– Vai para artilharia. Artilharia é melhor!

Ele insistiu nesse assunto o ano todo.

Novamente damos uma pausa para o Sr. Luis Faro se restabelecer da emoção de falar de seu pai. Ele continua:

Chegou finalmente o dia que eu precisava fazer minha escolha e meu pai falava: “escolhe a artilharia” e meu pai perguntou-me:

– E aí, você escolheu?

Fiquei quieto, ele continuou me olhando e eu respondi:

– Escolhi a cavalaria

Meu pai tirou os óculos, ficou quieto, um tempo em silêncio. E me disse:

– Se fosse eu, também escolheria a cavalaria.

Sr. Luis Faro se emociona muito quando lembra dessa conversa com o pai. Tomamos uma água e ele continua:

Quando passei para a cavalaria eu era o primeiro da turma em aproveitamento. Era um esquadrão com quase 100 indivíduos. No meio do ano letivo saiu o capitão, comandante do esquadrão e entrou um outro. Por coincidência, o novo capitão que assumiu era aquele que tinha escrito a carta em nome do meu pai. Eu nunca comentei nada com o capitão e nunca o procurei para uma conversa.

Fiquei no Rio de Janeiro até me formar em 1939 e saí de lá aspirante. Depois fui para Santana do Livramento, fronteira com o Uruguai. Essa espada que está pendurada na parede eu recebi das mãos do Getúlio Vargas porque fui o primeiro da turma. O ministro naquela época era o Gaspar Dutra. A outra espada que está abaixo da minha pertencia ao meu avô, que era Marechal.

Na espada de meu avô está escrito: “Tenente CoronelAntonio Neto D´Oliveira Silva Faro 1cidadão, nossa gratidão e respeito, 1910”.

Sr. Luis Faro ao lado das duas espadas

Na minha espada está escrito: “Ao espirante Luis Faro, Prêmio general Marinho, Bravura e bondade. Ano de 1939”.

Sr. Faro me mostra numa das paredes um quadro com uma foto de 1917 de seu pai e seu avô numa Parada da Independência de 7 de setembro de 1917. Tirada de uma revista. O avô era o comandante da cavalaria.

Parada da Independência – 7/9/1917 – RJ

Meu avô chegou a ser marechal de cavalaria. Na foto aparece meu avô ao lado direito da foto e no centro, ao fundo, meu pai.

As lembranças e o exemplo – o pai

Em 12 de dezembro de 1939 eu me formei na Escola militar. Fui o primeiro da turma. Sempre estudei muito. Quando passei para o segundo ano minha média já era um ponto acima do segundo lugar. A cobrança era um peso. Meu pai dizia:

– Você tem que ser o primeiro.

No terceiro ano, eu já estava sempre à frente dos outros. Era eu e o resto da turma. Meu pai ficava me controlando.

– E aí? É o primeiro?

E eu dizia:

– Não sei pai…Não sei.

No dia em que fui ver a média final, cheguei em casa, ele estava sentado numa cadeira, olhou para mim e disse:

– É o primeirão?

Eu respondi:

– Sou.

Ele levantou da cadeira e nesse dia ele me abraçou.

Falei:

-Tenho uma notícia para te dar.

Ele perguntou o que era e eu respondi:

– Vou receber um prêmio porque fui colocado em primeiro lugar nas aulas práticas. Meu pai se voltou e me deu outro abraço.

Fazia parte do currículo. Era uma parte teórica e outra parte de campo. Aprendíamos equitaçã, marcha, combate e abrir trincheiras. Minha mão sangrava, mas nunca deixei de realizar nenhuma atividade por isso. Usava picareta e pá para abrir as trincheiras. Sempre cumpri com minha obrigação.

Sr. Faro se emociona novamente, depois retoma:

Esperei meu pai sentar e disse:

– Tenho outra notícia para te dar. Ganhei outro prêmio, sou o primeiro colocado em tática.

Novamente a emoção interrompe a fala do Sr. Faro, mas ele continua:

Meu pai falou:

– Não acredito mais, é demais para mim.

Foi assim que eu fiz com meu pai.

Eu pergunto ao Sr. Faro como é a carreira do exército e ele me explica:

A seqüência é esta: Aspirante-oficial; segundo tenente; primeiro tenente; capitão major; tenente coronel; coronal-general de brigada; general de divisão; general do exército e marechal.

A espada de oficial

No dia da entrega da espada, em 12 de dezembro de 1939, o presidente Getúlio Vargas se virou e disse para mim:

– De onde o senhor é?

Respondi que era carioca. Ele achou que eu fosse gaúcho.

Vargas falou:

– É o primeiro carioca aqui. Meus duplos parabéns!

A cerimônia é maravilhosa. A gente vem fardada de cadete, com o espadim-miniatura da espada de Caxias – patrono do exército brasileiro.Troca de roupa no alojamento e volta vestido de aspirante a oficial. O primeiro aluno da turma recebe a espada das mãos do presidente da República. Por isso eu recebi a espada da mão do Presidente Vargas.

Os desafios

Como primeiro colocado eu poderia escolher o lugar, mas para conhecer a realidade da tropa não adiantava ficar em Porto Alegre. Em 1940 eu fui para Santana do Livramento, fronteira com o Uruguai, conhecer os problemas das fronteiras. Morava no quartel. Meu pai não tinha dinheiro para comprar meu enxoval e eu tive que assinar 10 papagaios (notas promissórias) para receber os uniformes. Fui muito bom ir para lá. Tive vários momentos difíceis, treinei muito, mas aprendi muito e fui muito feliz lá.

Tive muitos desafios na vida, vou te contar três que eu considero importantes. O primeiro foi em 1939, quando eu era cadete. Estávamos no alojamento em horário de descanso quando eu vi o pessoal discutindo se dava para fazer um salto. Era um salto a pé, sem cavalo, muito arriscado. O obstáculo estava a 2 metros do chão. Tinha que saltar sobre um arame fixo. Era um arame onde estendíamos roupa para secar. Se caísse teria dificuldade de se defender. Era um salto arriscado. Não tinha areia, não tinha nada. Era chão duro. Quando estava andando de costas para avaliar se dava para saltar, fui surpreendido pela voz do major que me perguntou o que eu fazia ali. Respondi que estava avaliando o local para o salto. Ele diz:

– Amanhã eu trago minha máquina fotográfica. E você salta.

No dia seguinte ele chega e diz:

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– Vamos lá.

Eu saltei e ele fotografou.

Sr. Faro, salto em pé – 1939

A foto ficou bonita, ele colocou uma pessoa em pé para ver a altura que eu estava saltando. Ninguém teve coragem de saltar depois de mim.

O segundo desafio

Em 1948, quando eu já era capitão e estudava engenharia, fomos fazer uma excursão numa Hípica em Niterói. Não havia ainda a ponte Rio Niterói. Saímos do Regimento e chegamos no evento às 14 horas com a barriga vazia. Eu tomei uma dose de whisky sem comer e resolvi dar um mergulho com o meu cavalo no mar. Cavalo nada bem. É só empurrar o pescoço e ele vai bem. O cavalo estava em pelo (sem rédea, só de cabresto), sem comando na boca. Cavalo, a gente comando na rédea. Não tinha como comandar o cavado. Era só o entendimento entre eu e ele. Estava caminhando com o cavalo de calção e vi o pessoal saltando no obstáculo e falei:

– Isso é para saltar assim com eu estou.

O general que estava próximo ouviu e disse:

– Então vá lá, dê um salto que eu vou fotografar.

Eu peguei a rédea do cavalo só para apoiar, não tinha nenhum comando. Meu pai chegou e disse:

Nesse momento Sr. Faro fala emocionado:

– Parece que eu estou vendo meu pai falar.

Ele chegou bem perto de mim com uma cara séria e disse:

– Seu Luis (ele me chamava de seu Luis quando estava bravo). Veja lá o que você vai fazer.

Eu disse a ele:

– Fique tranqüilo

A emoção volta à sua voz quando Sr. Faro me diz:

– Foi ele que me ensinou a montar. Comecei a montar com 6 anos.

Ele continua…

Montei o cavalo, ao galope e mudei de direção. Só com o movimento do corpo o cavalo sabe o que a gente quer. Saltei o obstáculo sem rédia. Quando acabei de saltar, o general falou:

– Pode vir que eu já focalizei.

Fique espantado. Tive que dar mais dois saltos. Era um obstáculo de 1,20 de altura. O primeiro salto e o segundo saíram normais, o terceiro ficou mais bonito. A cabeça do cavalo está no prolongamento do pescoço.

Sr. Faro, salto a cavalo – 1948

Minha posição ficou impecável sobre o cavalo. Sem cela, sem estribo, sem nada.

O terceiro desafio

Foi em Castro, no Paraná. Era um salto a cavalo. Essa eu não sei onde está a foto. O obstáculo tinha 1,60 de altura. A distância era de 2,50 metros. Era um obstáculo para saltar a cavalo. Na foto eu estou estendido e o cavalo ainda não tinha passado o obstáculo todo.Eu sempre gostei de desafios.

A família

Minha mãe era uma mulher muito avançada para a época. Quando ela engravidou disse a meu pai que nós iríamos chamar eles de “você”, nada de senhor ou senhora. Minha mãe também saltava bem. Tenho uma foto dela saltando com o cavalo, num concurso Hípico.

Mãe do Sr. Faro, Dona Ângela

Penso que o respeito está no exemplo que você dá. O respeito é o reflexo do exemplo. Não precisa falar nada. O exemplo é a forma mais eloqüente de ensinar. A minha força ou minha coragem está na minha consciência. Nunca roubei, nunca matei, sempre trabalhei, ainda trabalho, procuro dar exemplo. Continuo trabalhando. Agora estou escrevendo meu segundo livro.

O casamento

Estou casado há 65 anos. Casei no dia 15 de fevereiro de 1941. Tenho 3 filhos, 7 netos e cinco bisnetos. Tenho só uma neta. Os outros são homens. Ela tem 26 anos e mora nos Estados Unidos. É a caçula. Conheci minha mulher, Maria Ângela, quando eu era cadete. Começamos a namorar em 1938. Ela com dezessete anos e eu dezenove. Não soprava muito tempo para namorar. Encontrávamos eventualmente e não era toda semana. Eu entrava na escola militar no domingo à noite e saía no sábado à tarde. Geralmente eu não saía, aproveitava o sábado e o domingo para estudar.

Quando saí aspirante, fui para Santana do Livramento e passei um ano lá. Nessa época a gente pedia a moça em casamento para o pai dela. Meu pai foi fazer o pedido. Era proibido casar antes de ser promovido a segundo tenente.Eu casei por procuração. De Santana do Livramento mandei uma procuração para meu pai e ele me casou com a Maria Ângela. Quando voltei para o Rio de Janeiro, já era tenente, foi só fazer o casamento no religioso. Fomos morar num hotel em Castro e fiquei lá um ano. Minha esposa engravidou, eu fiquei em Castro e a mãe a levou para o Rio de Janeiro para ter o bebê. Em dezembro de 1941 nasceu minha primeira filha. Naquele tempo não se sabia o sexo da criança antes de nascer. Chegou um telegrama para mim, em Castro,escrito assim: nasceu Regina Maria, mulher passando bem. Fiquei bravo, nem me consultaram para colocar o nome da minha filha. Depois nasceu o segundo filho homem e depois outra mulher.

A guerra e a luta

Em 1942, eu já era segundo tenente e meu regimento foi transferido para Guarapuava, entre Ponta Grossa e Foz do Iguaçu. Era época da guerra e havia um boato que a Argentina iria invadir o Brasil por Foz do Iguaçu. Saímos de Castro e fomos para Guarapuava. Viajei com o meu regimento a cavalo. Foram 15 dias de marcha. Sol, chuva, vento, etc. Éramos 300 pessoas. Não tinha caminhão. Só viaturas coloniais. Levantávamos às cinco horas da manhã, desarmávamos as barracas, arrumávamos os equipamentos sobre os cavalos e tomávamos café. Só parávamos no horário de comer. Usávamos um carro-cozinha. Almoçávamos em algum lugar, dava água e comida para o cavalo e continuávamos. À noite armávamos as barracas novamente para dormir. No dia seguinte a mesma coisa. Fizemos isso durante 15 dias. Havia uma previsão de que ficaríamos acantonados, alojados em casas, quando chegássemos em Guarapuava.

Sr. Faro me explica:

Acantonar é ficar morando dentro de casa, acampar é em barracas e vivacar quando se fica ao ar livre, sem barraca, ao tempo.

Depois de 15 dias no sol, na chuva, avistamos Guarapuava. A tão esperada Guarapuava. Assim que chegamos fomos avisados que as casas que tinham sido previstas para nos não podiam ser usadas porque tinham sido fechadas pela saúde pública. Eram casas que tinham sido usadas por morféticos. Na época usavam esse termo. Hoje é lepra ou Hanseníase. Continuamos a viagem mais 14 quilômetros. O cavalo anda mais ou menos 4 quilômetros por hora. No trote ele faz 6Km/h. Chegamos a um galpão enorme, sem luz elétrica; só tinha lampião de querosene. À noite deu uma tempestade e o prédio oscilou, deu pânico. Saímos, armamos as barracas e lá ficamos durante 8 meses instalados nas barracas. Era só para dormir. As barracas dos oficiais eram um pouco maiores e tinham camas. Os soldados dormiam no chão. O objetivo do nosso regimento era fazer o que chamamos de uma ação retardadora. Segurar o movimento para dar tempo da reserva chegar à região do combate. Aí viria o pesado da tropa.

Quando fui promovido a primeiro tenente me transferiram para os Dragões da Independência no Rio de Janeiro.

É difícil ficar longe da família. Meu pai sabia disso quando me mandou aquele recado. Mas se ele falasse comigo daria no mesmo Se eu voltasse atrás não faria nada diferente. Até os erros eu cometeria novamente porque eles foram necessários. Nunca tive medo. Para não dizer que nunca tive, só tenho medo de duas coisas: de traição e deslealdade.

Em 1949, já formado engenheiro, fui trabalhar numa fábrica de explosivos, em Piquete, onde fiquei até 1953. Trabalhava com a fabricação de nitroglicerina e dinamite. Era um trabalho perigoso, com grande risco de vida, mas comigo felizmente não aconteceu nada. Depois de 3 anos e meio na função, eu fui tomar conta do Departamento Educacional da Fábrica. Em 5 meses morreram cinco homens com explosivos. Lá não se morre, se desintegra. Tivemos que pegar o que restou das pessoas, fizemos 5 montinhos e colocamos um em cada caixão e demos simbolicamente para cada família. Depois houve um outro desastre, mas eu já não estava lá. Isso foi o que me motivou a fazer projetos e depois trabalhar tantos anos com Prevenção de Acidentes do Trabalho.

Aposentadoria

Eu me aposentei em 1966 e passei para a reserva. A verdadeira função do exército antigo, era formar reserva e também para manter a ordem. Durante um certo tempo você pode ser chamado se houver uma guerra. Reserva é para isso. Não me aposentei. Hoje, estou desempregado.

Depois da aposentadoria fui trabalhar na área de engenharia. Tenho 4 títulos de engenharia: Agrimensor, Engenheiro Químico, Engenheiro Sanitarista e Engenheiro de Segurança do trabalho.

Em 1969 saí do Rio de Janeiro e vim para São Paulo trabalhar. Em 1972, quando Julio Barata criou o curso de Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalhei, me matriculei aos 74 anos de idade. Foi o primeiro Curso de Engenharia do Trabalho feito no Brasil. Quando me formei, fiquei lecionando na Faculdade de Saúde Pública cinco anos e concomitantemente era Diretor Técnico do Sindicato de Construção de Estradas. Nessa época da Faculdade de Saúde Pública, fiz o mestrado e não apresentei minha dissertação. Estava com tudo pronto e me convidaram para ser Diretor de Higiene. Já tinha feito todos os créditos do mestrado e estava aprovado pela comissão. Tinha muito trabalho e não dava tempo de mais nada. Tenho a dissertação guardada até hoje. Fiquei 3 anos no cargo de Diretor de Higiene e baixei o índice de acidentes de tal maneira que no terceiro ano da minha gestão, a economia que se fez foi 43 vezes maior do que a que a verba que a Secretaria do Trabalho recebia.

De 1974 até 1980 dei aulas de Engenharia do Trabalho em várias Universidades: na FAAP, USP, Osvaldo Cruz e Mackenzie, FEI, etc.

O escritor

Sr. Faro me presenteia com o livro “Caminhos”, de sua autoria, e me conta como surgiu a idéia de escrever esse livro. lançado em 2002.

Quando assumi a direção do Nacional Clube, achei interessante criar uma revista e assim apareceu o “Nacional em Notícias”. Precisava um editorial, mas não tínhamos verba para pagar um jornalista. Eu assumi o editorial e achei que esse editorial teria que ter mensagens otimistas. Comecei a escrever aos poucos, as pessoas gostaram, começaram a sugerir temas e eu continuei escrevendo. Eu nunca tinha pensado em escrever livro. Um dia o editor da RG disse que faria meu livro de graça. Fizeram uma tiragem de 1000 exemplares. Depois o diretor do BRADESCO pediu 6000 exemplares para distribuir aos gerentes e A Bolsa Mercantil pediu mais 500. No final, a tiragem foi de 8000 exemplares.

Tenho facilidade de escrever, mas às vezes tenho preguiça. Eu gosto de pensar. Nos meus artigos tem coisas sutis. Não se pode falar tudo que se pensa. Eu acredito muito nestas palavras do filósofo Rosset Ortega: “Eu sou eu e minhas circunstâncias”.

Acabei de escrever um artigo sobre terceira idade que vai sair na Revista da Sociedade de Amigos da Segunda Divisão do Exército. (O Sr. Faro me prometeu este artigo para publicar na próxima atualização do Portal).

Ele mostra-me um catálogo de publicações que farão parte do próximo livro que será lançado em 2007, por outra editora.

Já tenho parte do próximo livro. São 50 crônicas, faltam 11 para terminar.

Religião

Minha religião é ser bom. O que é Deus para mim? O que eu chamo de Deus é o nome que eu dou para tudo aquilo que eu não sei o que é. Que eu não tenho resposta. Quem fez a terra foi Deus. Ninguém sabe quem e Deus. Se um dia chegarmos ao céu, que ninguém sabe o que é, veremos que Deus não se parece com o homem, ninguém sabe o que é Deus, ninguém sabe. Se alguém disser que sabe está mentindo. Eu acredito em Deus e acredito mais do que o Papa. Ele acredita por profissão, eu por devoção. Na realidade eu não sei. Sei que devemos fazer o bem, ajudando a todos. Eu faço isso porque acho que Deus é bom para mim, não sei se mereço tudo que tenho. Vejo tanta gente precisando. É difícil acreditar em Deus quando se vê o que acontece na África. Perguntaram-me de onde vem minha coragem. Eu tenho um texto que fala sobre isso. Não sei de onde vim. Não sei para que vim e não sei para onde vou. Meu avô foi um homem forte, meu pai foi um homem forte e eu tive bons exemplos deles.

Os amigos

O filósofo Gibran Kalil Griban disse: meus amigos? Não há amigos… Os amigos se conhecem na necessidade. Antes disso são falsos amigos. Acho que tudo é relativo, quando “Ortega” diz: “Eu sou eu mais as circunstâncias”, é verdade. Se tivermos um problema de dinheiro com um amigo, não sei qual será o comportamento deles. Minha mãe antes de morrer falou: o teu defeito é achar que todo mundo é bom. Eu respondi a ela:

– A mudar, prefiro morrer, senão a vida não tem sentido.

Mas a gente leva muita bordoada. Alguém disse que meu coração é maior que a minha casa. Eu respondi: Coração grande é um grande alvo. O ponto fraco é o tamanho do coração.

O envelhecimento

Não existe envelhecimento, há um ponto que você não o conseguiu maisfisicamente, mas sempre há o que fazer, mesmo que for dar um conselho. Até o último momento podemos fazer alguma coisa. Eu estou pronto a fazer e pretendo fazer sempre, até morrer, até o último momento. Tenho um lema na minha vida. Eu sempre penso assim: “poderia ser pior”. Essa frase para mim é um lema de vida.

Sobre um impacto qualquer, se pensar que poderia ser pior, ameniza o sofrimento. Ao invés de ter um aborrecimento tem uma consolação. Dinheiro foi pouco, mas trabalho foi muito. Para as responsabilidades e os compromissos sociais que tenho, minha aposentadoria é curta. Mas não reclamo, eu adoro trabalhar, e não tenho nada a esconder. Vou lhe contar um fato engraçado: Um dia fui convidado por uma amiga para dar uma palestra no Serviço Social da PUC/SP. Quando lá cheguei, ela estava muito educadamente me esperando na porta da faculdade e disse:

– Quando o senhor se apresentar, não diga que é general, senão o senhor vai levar uma vaia.

Eu disse:

– Está bem.

Entrei na sala para a palestra e falei:

– Fui gentilmente avisado pela minha colega que eu não deveria dizer que era general senão seria vaiado. Vamos combinar o seguinte; primeiro vocês deixam eu dar a minha palestra, depois vocês me vaiam.

Fiz a palestra e fui aplaudido.

Sr. Faro conta outro fato com a voz embargada pela emoção

Há um mês eu estava no hospital fazendo uns exames e encontrei um general. Havia muitas pessoas em volta e, próximo dele, um coronel que eu não conhecia. O coronel se aproximou de mim e disse.

– Eu fui comandante do regimento que você serviu. Isso foi em 1940.

Eu era um aspirante pequenininho. Isso aconteceu há 66 anos.

O fato foi o seguinte: Quando eu era aspirante em Santana do Livramento, eu disse ao capitão que deveríamos deixar uma frase escrita no alojamento dos soldados. É fronteira com o Uruguai. Tem contato direto com as famílias, é uma comunhão de pessoas. Ele perguntou que frase eu gostaria de colocar e eu me lembrei de uma frase do Almirante Barroso, quando foi surpreendido com a esquadra na Batalha do Riachuelo: “Brasil espera que cada um cumpra o seu dever”. Esse coronel que eu encontrei me disse que a frase ainda esta lá, escrita na parede. Fiquei emocionado com isso. Muitas gerações passaram por lá e leram essa frase. Devem ter pintado a parede nesses 66 anos e respeitaram a frase.

Perguntei ao Sr. Faro se ele gostaria de deixar uma mensagem e ele cita uma frase do General Douglas MacArthur: “Os anos enrugam a pele, a perda do ideal enruga a alma”.

[1] Editado pela RG editores, 2002, São Paulo.

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