Professora e pesquisadora da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape) da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, a cientista política Sonia Maria Fleury há muitos anos defende a integração da saúde à seguridade social. Em sua sala na FGV, ela falou à Radis sobre a importância da articulação dos atores sociais coletivos na atual conjuntura político-econômica. Para Sonia, este é um momento oportuno para negociar o fim da incidência da Desvinculação das Receitas da União (DRU) sobre recursos da área social e também para se conceber um novo patamar de civilização para a população, com a conquista e a efetivação de direitos que garantam maior inclusão social.
Ex-pesquisadora da Ensp/Fiocruz, na qual se aposentou em 2005, Sonia integra o Conselho Nacional de Desenvolvimento Social e a Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS). Abaixo, os principais pontos da entrevista, cuja íntegra está no site do RADIS na internet (www.ensp.fiocruz.br/radis/48/web-01.html).
No lançamento da CNDSS, em março, a senhora disse que ainda estamos enclausurados na questão sanitária. Por quê?
Do ponto de vista político, o fato de saúde, previdência e assistência social serem direitos de cidadania que estão colocados juntos [na Constituição] é um grande avanço. Porque é a primeira vez na história que os direitos sociais não estão vinculados necessariamente a uma contribuição anterior, mas a uma necessidade social. Isso é um modelo de sociedade muito mais justo e igualitário. Antes não era assim. Se nós, da saúde, estivéssemos aliados aos setores da previdência e da assistência numa articulação, teríamos muito mais força para resistir quando a área econômica, por exemplo, quer cortar benefícios, desvincular recursos. Estamos cada um trabalhando isoladamente, quando a própria Constituição nos diz que deveríamos trabalhar juntos. Mas para isso é preciso avançar. Por exemplo, convocar uma conferência nacional de seguridade social que abordasse os temas, os vínculos, as propostas políticas, para que os atores sociais pudessem intercambiá-las e se fortalecer como instância política.
Do ponto de vista material, se há benefícios importantes na área previdenciária e na área assistencial, é a população necessitada que está recebendo. Isso quer dizer que as pessoas estão comendo melhor, morando melhor, então isso vai reduzir problemas para a área de saúde. É o caso dos benefícios de prestação continuada aos idosos, por exemplo. É um salário mínimo, mas às vezes sustenta o neto, a família desempregada. Não podemos desvincular a questão da saúde das outras formas de proteção social.
É possível reconstruir esse sistema?
A própria saúde atuou mal nesse campo porque se tinha muito medo de um único ministério na área social e que se perdesse a especificidade da construção do SUS e da Reforma Sanitária. Então inicialmente a Saúde teve uma posição contrária e depois ambígua em relação a esse sistema. Hoje, com o SUS consolidado, quando inclusive já se transmite a experiência ao SUAS (Sistema Único de Assistência Social), é perfeitamente possível pensar numa integração. As áreas já não precisam ter medo de perder a identidade.
Até do ponto de vista financeiro…
Essa reunião de forças é mais política, institucional, de articulação. A idéia inicial era um Orçamento da Seguridade Social. Mas não precisa ter um único fundo ou um único caixa — o risco que se via era de que ficasse na mão da previdência e nunca chegasse aos outros. Sempre existem essas tensões. No entanto, esse orçamento não precisa ter um único controlador. Em 2007, acaba o prazo de vigência da DRU. Seria preciso desde agora discutir com os candidatos a presidente a estratégia para substituir essa fonte de receita. Se não exigirmos isso, vão simplesmente prorrogar a DRU. Essa deveria ser uma bandeira de toda a área social, que tem sido pouco levantada.
Argumentam que há estabilidade por causa do superávit primário e dos juros…
A tendência nos últimos meses tem sido de redução das taxas de juros, então é uma conjuntura mais favorável para se negociar agora a retirada da DRU e voltar os recursos para a área social. É claro que, ao lado disso, há setores de pensamento conservador que estão sempre prontos a demonstrar que é preciso fazer a reforma da previdência, reduzir os benefícios… Esse é um discurso perene, uma questão de luta político-ideológica. Estão aqui, no jornal de hoje, economistas que defendem a desvinculação dos benefícios do salário mínimo, quando a vinculação foi uma grande conquista da Constituição. NaFolha de S.Paulo de domingo (2/7) saiu estudo do Ipea mostrando que esses benefícios reduziram mais a pobreza do que os programas de redução da pobreza. Acho que todos são necessários e não é essa a questão. A vantagem dos benefícios previdenciários é que não é um presidente que está dando, não estão associados a nenhuma tutela das pessoas. São benefícios porque são direitos de cidadania. O que é ruim não é ter programa de transferência de renda, ruim é transformar isso em práticas clientelistas, tuteladas. (C. R. L.)
Fonte: Radis – Comunicação em Saúde.