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Solidão: desafio contemporâneo

Na sociedade contemporânea, hiperconectada, o tema da solidão é cada vez mais objeto de discussão e debates, indicando que em todas as idades os indivíduos sentem-se sós no mundo contemporâneo.


O tema solidão tem sido assunto cada vez mais frequente nas diferentes mídias, expressando o que se nota nas conversas entre amigos, nos encontros com profissionais e idosos e nos trabalhos acadêmicos da área gerontológica.  Observa-se que na sociedade contemporânea, hiperconectada, o tema da solidão é cada vez mais objeto de discussão e debates, indicando que em todas as idades os indivíduos sentem-se sós. Em recente estudo realizado na Inglaterra, envolvendo 55 mil participantes, constatou-se que maior índice de solitários estava na faixa de 16 a 24 anos (40%) enquanto apenas 27% dos participantes com mais de 75 anos diziam sentir solidão com frequência ou muita frequência.

A prevalência do tema nos levou a organizar uma Roda de Conversa no Espaço Longeviver (em 10/09) e, posteriormente, a convite do prof. Egídio Dórea como palestra no Espaço USP Aberta, por ocasião da Longevidade  Expo+Fórum (em 30/09). Nos dois eventos sentimos o interesse dos participantes, suas dúvidas, angústias e mesmo possíveis novos significados para a temida solidão, como surge de forma prevalente.

Consideramos ser sempre estimulante pensar de forma aberta e despreconceituada sobre temas controversos e/ou sobre aqueles já ‘definidos’, perspectiva presente nas aulas ou encontros nos quais faço a mediação.

Partimos, assim, de perguntas possíveis no tema: O que é a solidão? Falta alguma coisa, alguém, ou algo que não se consegue definir? Seria o sentimento de solidão sempre negativo? Teria aspectos positivos? Quais?

A cada pessoa corresponde uma resposta. Fatores objetivos e subjetivos. Quando estamos em grupo, muitas reflexões e trocas de experiências, e parece que nelas nos enriquecemos, e a solidão se vai. Será tão simples? E quando o encontro termina o que fica em cada um?

Como devemos agir se percebemos que alguém próximo sofre com este sentimento – possível gerador de doenças e que pode levar até ao suicídio ou morrer e ser descoberta uma década depois, mumificada, como aconteceu com Isabel Rivera Hernández (nascida em 1926), proprietária fantasma de um apartamento no bairro madrilenho de Arturo Soria. O corpo de Isabel Rivera Hernández foi preservado nesse estado porque ela morreu de morte natural no banheiro, onde havia as condições ideais de umidade e ventilação que favoreceram sua mumificação. A reportagem sobre o caso dizia que depois da morte do marido, ela ficou sozinha, e o pouco contato com a família foi diminuindo até que acabou. Ela tampouco falava com ninguém no prédio, exceto com uma vizinha com quem discutia sobre barulhos e odores. O único que poderia ter notado sua ausência seria o porteiro, mas seu trabalho foi dispensado quando o porteiro automático ficou na moda.

Estar só ou sentir-se só?

Uma sutil percepção é diferenciadora do sentimento de ‘estar só’ ou ‘sentir-se só’. Assim, estar rodeado de pessoas – familiares e amigos – não impede o sentimento de ‘sentir-se só’. Já ‘estar só’, como opção, pode ser escolha consciente geradora de criatividade e busca de integralidade e comunhão.

Este tema que tem surgido de modo prevalente ligado ao envelhecimento, mostra-se como parte da experiência humana, em diferentes idades, como indicam muitos estudos filosóficos e se confirmam em recentes pesquisas.

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Chamou atenção, em 2017, a criação no Reino Unido de um Ministério da Solidão, com indicação de que mais de 9 milhões de pessoas, de uma população de 65,6 milhões, diziam viver permanentemente ou frequentemente sozinhas.

Ressaltamos, como ponto de reflexão, que não podemos esquecer que na perspectiva existencial e filosófica, a solidão pode ser considerada um sentimento diferencial, próprio ao ser humano, ligado à incompletude do indivíduo frente à imensidão e desconhecimento do universo indecifrável. Sentimento de medo e angústia frente ao imenso nada, que impulsionou o homem a buscar sentidos na natureza, no outro e no desconhecido – o ‘além de’ – resultando na criação da cultura, com seus signos, símbolos, interpretações e significados. Neste movimento de busca de sentidos, solitários e em grupos, construímos nossas experiências, bases da vida cotidiana.

Assim, a experiência solitária mostra sua face também positiva como instigadora de reflexões sobre os sentidos da vida humana neste Universo infinito. Deixamos, neste ponto, uma breve reflexão de Anthony Storr (2011, p. 66) finalizando este pequeno texto, e um convite para que leiam a reflexão ampliada sobre o tema na próxima edição da Revista Longeviver (online em janeiro de 2020).

Ser capaz de entrar em contato com nossos sentimentos e pensamentos mais profundos e proporcionar um período de tempo para que se reagrupem em novas formações e combinações são aspectos importantes do processo criativo, bem como forma de aliviar a tensão e promover a saúde mental. É preciso que haja algum desenvolvimento da capacidade de ficar sozinho não apenas para que o cérebro funcione no seu máximo, como também para que o indivíduo realize seu potencial mais elevado […] O aprendizado, o pensamento, a inovação e a continuidade do contato com o mundo interior são favorecidos pela solidão.

Referências
STORR, A. Solidão: a conexão com o eu. São Paulo: Benvirá, 2011.


Workshop que acontecerá no Espaço Longeviver vai tratar de vários conceitos em relação à área da Gerontologia.

Inscrições abertas em: https://edicoes.portaldoenvelhecimento.com.br/produto/workshop-gerontologia/

Vera Brandão

Pedagoga (USP); Mestre e Doutora em Ciências Sociais (PUCSP); com Pós.doc em Gerontologia Social pela PUCSP. Docente. Pesquisadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento (NEPE-PUC/SP). Editora da Revista Longeviver (https://revistalongeviver.com.br) e Coordenadora Pedagógica do Espaço Longeviver. E-mail: veratordinobrandao@hotmail.com

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