Um pouco de ficção não será algo a ser depreciado. Ficção será apenas minha participação, as falas do mestre serão o mais próximo possível da realidade.
Waldir Bíscaro *
Sócrates não impunha suas idéias, ele as extraía de seus discípulos através de uma inteligente seqüência de perguntas que levava o interlocutor a dizer naturalmente a verdade que o mestre queria a que ele chegasse. Para Sócrates, as idéias eram inatas e bastava um modo de interrogar para que elas viessem á luz.
Não era em uma sala de aulas que ele exercia esse papel, era na rua, nas praças, no mercado, onde houvesse gente que quisesse ouvi-lo.
Pois foi então, na rua, que nos aproximamos do mestre e lhe propusemos uma conversa. Apresentei-me como um estrangeiro que ouvira falar dele e queria levar para minha gente um pouco de suas idéias.
– Caro mestre, observei a forma inteligente como o senhor leva seu interlocutor a definir o problema que ele mesmo colocou.
Sócrates: Antes de tudo, meu caro, aqui não há mestre e, muito menos, senhor, mas tudo bem! Essa forma de se obter resposta da pessoa que pergunta, aprendi com minha mãe.
– Como assim, mestre Sócrates? Sua mãe era professora?
Sócrates: Ela era apenas parteira! E parteira, como você deve saber, não produz bebês, elas apenas facilitam ao pequeno ente que venha à luz. É isso que faço quando um discípulo que me interroga e eu respondo com mais perguntas e assim facilito o nascimento de algo que já estava nele. A verdade. Na minha língua, chama-se a isso: Maiêutica, ou seja: parto. De certa maneira, também sou parteiro, parteiro de idéias que cada um já traz em si.
– Mas, Sócrates, você bem que poderia expor logo tudo aquilo que já sabe, afinal você me parece o mais sábio de todos por aqui.
Sócrates: Eu só sei que nada sei, meu caro, e é assim que começa a verdadeira sabedoria. É a partir do reconhecimento da própria ignorância que o indivíduo vai encontrar o caminho do verdadeiro conhecimento.
Eu não poderia sair daquele papo sem uma boa lição de vida, então insisti com o mestre, perguntando-lhe:
– Sócrates, ouvi dizer que você esteve com o oráculo de Delfos e gostaria de saber se ele lhe ensinou alguma coisa.
Sócrates: Não estive propriamente com o oráculo, mas sei o que ele ensina. Seu lema é: “Conhece-te a ti mesmo”. Também proponho isso e muito mais aos que me ouvem. Que não tentem se enganar a respeito de si mesmos, que descubram as forças que os dirigem, que empreguem essas forças não apenas no aperfeiçoamento do cosmos, mas especialmente no próprio aperfeiçoamento.
– Como se pode chegar a tais forças?
Sócrates: Pela meditação você pode descobrir a essência do homem e então vai saber que o núcleo da razão e do pensamento é a alma, a psyquê.
Infelizmente não foi possível concluir a conversa, Sócrates foi preso e condenado à morte. Seus inimigos não viam com bons olhos a inteligência e a aceitação do mestre pelos seus ouvintes, especialmente os mais jovens. Acusavam-no de desrespeito aos deuses, às tradições e às autoridades. Na realidade, ele afirmava que a felicidade não dependia de sorte – como dádiva dos deuses – e sim de cada um, o indivíduo era dono de seu destino. Fazia críticas aos políticos que deturpavam a democracia ateniense e mais, ele defendia a liberdade de opinião individual. A taça de cicuta foi seu patíbulo.
São Paulo: Junho 2013
*Filósofo e psicólogo e ex-professor de Psicologia do Trabalho na PUC/SP. E-mail: awbiscaro@uol.com.br