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‘Segura essa aí. Sem mancada, não tem samba’

– Que história é essa, Adoniran? Você está me tachando de francesista? De quem combina e depois prega o bolo? Não tô agüentando mais tanto comentário.

Luciana Garbin

 

– Arnesto, segura essa aí. Se não tem mancada, não tem samba.

Naquela tarde de 1979, Ernesto Paulelli reclamou com o amigo Adoniran Barbosa. A canção O Samba do Arnesto era a maior homenagem que tinha recebido na vida, mas já não suportava tanta gente perguntando por que não havia deixado pelo menos um recado na porta avisando aos amigos que tinha saído.

Ao ouvir a resposta de Adoniran, Ernesto desistiu de reclamar. “Olha que danado: ‘Sem mancada, não há samba’. Fiquei sem saída”, conta hoje, aos 90 anos.

Morador agora da Mooca – e não mais do Brás -, ele jura que nunca deu mancada nem convidou ninguém para sua casa. E toda a história surgiu apenas da criatividade de Adoniran. Mas acabou virando hino, depois de dividir o disquinho com Saudosa Maloca.

A partitura número 001 da música, hoje está pendurada na sala da casa onde Ernesto vive. E traz uma dedicatória histórica: “Ao acadêmico Ernesto Paulella, a quem dediquei esta composição quando do seu lançamento, em maio de 1955. Homenagem do autor, Adoniran.”
Antes de ficar famoso como Arnesto, Ernesto já circulava pelas rádios com seu violão. Nos fim dos anos 30, trabalhava como vendedor quando um conhecido o convidou para tocar na Rádio Bandeirantes. Num dia de 1939, depois de terminar um programa de músicas com Nhá Zefa, ela o convidou para dar uma canja na Rádio Record, que funcionava na Rua Conselheiro Crispiniano. Bem na entrada da emissora, encontraram Adoniran Barbosa. Nhá Zefa o apresentou a Ernesto. Começava a amizade.

Foi na Record que aconteceu o que deu origem ao samba. Um dia, Adoniran lhe perguntou se tinha um cartão. Ernesto tirou da carteira, entregou e ele leu: Arnesto Paulelli.

– Não sou Arnesto, sou Ernesto, respondeu.

– Você é Arnesto. Seu nome dá samba. Vou fazer um samba com seu nome. Você aduvida (sic)?

– Olha, Adoniran, nessas alturas do campeonato não duvido de nada.

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– É assim que se fala, respondeu, apertando a mão de Ernesto e lhe dando um abraço.

Ernesto vivia no Brás. Dez anos depois, mudaria para a Mooca, onde está até hoje e onde, em 1955, descobriu a homenagem. Conta que estava com a “patroa” no quintal de casa quando ouviram os Demônios da Garoa cantando o Samba do Arnesto no rádio.

– Alice, essa peteca é minha.

– Que peteca, Ernesto?

– É o samba do Arnesto que o Adoniran me fez.

Comovidos, os dois se abraçaram para ouvir o samba. “Ela se emocionou, eu me emocionei, as lágrimas rolaram, sabe?”, lembra.

Mas levou ainda dois anos para Ernesto conseguir agradecer o presente. Foi depois de ser convidado para ser violonista de um programa na TV Record.

“Quando cheguei, quem encontro? O Adoniran”, recorda.

– Arnesto, te fiz o samba. Você gostou?

– Se gostei? Você me abriu no meio de emoção.

– Então me dá um abraço. A partir de agora, você é meu compadre, disse Adoniran.

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Fonte: Jornal da Tarde, 25/01/2005. Disponível Aqui

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