Santo Amaro - Portal do Envelhecimento e Longeviver
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Santo Amaro

Meu nome é Diva Iêda Toledo Alves, nasci no Rio de Janeiro em 1941. Meu casamento foi realizado na Matriz de Santo Amaro e no cartório, na época, da Av. Adolfo Pinheiro. O casamento foi marcado por um fato incomum. Meu marido marcou primeiro o casamento na igreja, fez os convites e depois foi marcar o cartório e, pela leis, os “proclamas” precisavam de 40 dias para correr, não daria tempo para acontecer as duas cerimônias no mesmo dia. O padre Antonio concordou em realizar o casamento, depois de um mês de casados no religioso casamos no cartório e levamos a certidão para o padre.

Vera Brandão

 

Igreja matriz de Santo Amaro

Deste casamento Diva teve dois filhos e já tem um neto, filho de seu filho que me faz viver emoções maravilhosas.

Emoção também expressa no relato sobre sua migração do Rio de Janeiro para Cubatão, em São Paulo, onde seu pai ia trabalhar:

Minha primeira migração se deu quando eu tinha 22 anos e, com certeza, foi a mais marcante e dolorosa. Deixei o lugar onde fiz a história de minha infância, adolescência, juventude rumo ao desconhecido, ao nada. Como doía deixar os lugares por onde andei por todos aqueles anos. Achava que em nenhum lugar eu iria encontrar uma rua igual a rua onde vivi, onde cresci brincando de amarelinha, de roda, andando de perna de pau.

Do lugar de origem, depois de muitas mudanças, ao lugar de destino há 35 anos: o bairro do Campo Belo:

Resido na mesma casa no bairro do Campo Belo, que foi comprada com dinheiro ganho na Loteria Esportiva, meses depois de casada. Quando vim morar aqui a rua não tinha asfalto quando chovia era um barro só. Quem passa pela Av. Água Espraida, diante do grande movimento do trânsito, não imagina que o progresso acabou com a pequena mata que cobria de verde a região do Vale do Água Espraida. Conforme relato de antigos moradores, havia um trem a vapor da Cia Ferrocarril que fazia a viagem entre São Paulo e Santo Amaro. Entre o Campo Belo e o Brooklin (atual) havia uma parada chamada de Volta Redonda o trem percorria belas paisagens de vegetação variada.

No encontro do grupo onde o tema foi cheiros e sabores, Diva trouxe várias lembranças como o bolinho de bacalhau de minha avó, feito no Natal, alguns com pimenta ardida, especialmente para mim, os licores, a galinha ao molho pardo.

Traz também a recordação da vida didícil e atarefada de sua avó e mãe e do pouco tempo, e falta de hábito comum à época, que estas mulheres tinham para expressar seus sentimentos. Considera que uma das demostrações de afeto possível era por meio da mesa do almoço nos domingos.

Lembra de um gesto, silencioso, de carinho por parte de sua avó:

Todas as vezes que eu ia na casa de minha avó, mãe de minha mãe, ao me despedir ela saia na minha frente, sem dizer nada, ia pela lateral da casa onde tinha um canteiro de flores, que ela cuidava com carinho. Creio que cuidar do jardim era o único momento que dedicava a si mesma. Ela colhia uma folha de violeta e algumas flores e fazia um buquê e entregava para mim, sem dizer nada. Eu apenas beijava a mão de minha avó, pedindo-lhe benção, e agradecia.

Diva, depois de muitos descompassos e mudanças, considera que minha terra, o lugar onde nasci e vivi uma parte muito bonita da minha vida, está lá. Porém não é o mesmo lugar porque o tempo é puro. Aquela cidade que deixei, está dentro do meu coração nas minhas recordações. Com certeza, me acompanharão para onde eu for, em qualquer tempo.

Este trecho nos remete a uma frase da grande poetisa, Adélia Prado, que diz: Aquilo que se ama fica eterno.

Eterno no coração , marca do tempo vivido, a lembrança do espaço da infância presentificado por Diva, e partilhado com o grupo no relato, passou a fazer parte também das memórias desta “comunidade afetiva”, formada no processo de resgate, compartilhamento/escuta e escrita. Agora, nós leitores, também incorporamos as lembranças desses momentos partilhados por Diva e o grupo de Santo Amaro, e aqui apresentado. Eles tornam-se também nossos. Parte que somos da cidade com suas histórias. Ao final, Diva reflete:

O que nos falta é tempo para contar histórias e paciência para ouvi-las. Se prestarmos mais atenção à nossa volta. A todo momento estamos lidando com fatos que ou já são história, ou serão parte dela no futuro. Basta abrirmos o “baú da memória” e mexer com atenção, carinho e juntar os inúmeros retalhos que lá estão, soltos, e irmos montando a colcha da nossa história, da história da nossa vida.

A recordação das lembranças boas de minha avó também tem cheiro e sabor, e o tempero de muito afeto, recorda Eduilda o cheiro gostoso do feijão temperado, café com leite na tijela azul, a sopinha de pão, as histórias que ela contava, o arroz doce com cheiro de cravo e canela, o pudim de pão com pedaços de goiabada.

Esta avó portuguesa, que ajudou a filha a cuidar dos netos após as crianças perderem o pai, contava muitas histórias parte da memória de Eduilia, até hoje.

Nascida em São Paulo em 1933, descendentes de alemães e portugueses, ela se casou com Vicente em 1958 e teve 3 filhos, que lhe deram 5 netos. Ao iniciar o grupo perguntou-se: Memória: será que eu tenho? Se não me lembro do que comi ontem? Mas, quando a primeira senhora começou a falar, vi que o passado estava presente na cabeça de todas as lembranças boas permaneceram saudades gostosas, que nos deixam olhar o futuro com benevolência.

Romilda, assim como Diva, casou-se na Cadetral de Santo Amaro, mas já era moradora do bairro onde reside há 46 nos! De família mineira, com dez irmãos, veio para o bairro onde já moravam e trabalhavam 4 de seus irmãos.

Aqui as coisas eram difíceis. O bairro não tinha muita coisa, as ruas não eram calçadas e havia lama para todo lado nesta época não saía do bairro para nada. A condução era difícil, havia o bonde, mas os ônibus eram poucos. Gostávamos de ir para a Represa de Guarapiranga passar os domingos, vários amigos, íamos jogar bola, passear de barco, à noite íamos à praça passear e ouvir a banda tocar.

A praça referida é a Floriano Peixoto, um ponto de encontro para ela, e também para outros moradores do bairro. Conta que já com filhos, não tinha para onde ir, então passei a levá-los para o Clube Santo Amaro, onde brincavam o dia todo a tardinha, lá estava eu de volta à praça, todos riam e diziam que eu devia morar lá.

Do texto de Milton Hatoun, lido pelo grupo em um dos encontros, ela destaca a frase: – Guardo dentro de mim teus olhos. Comenta:

Esta frase mexeu comigo me lembrei de meu pai, que nunca me disse o quanto me amava, mas suas atitudes, seu gesto de carinho, eram uma declaração de amor. Toda vez que voltava para casa me trazia uma pequena flor, ou um raminho, que colocava na minha orelha, enquanto dizia : – Filha, você está linda! Aquilo me deixava tão feliz, era mais que um presente, era a certeza de que me amava.

Vem no cheiro do arroz doce a lembrança da mãe. Feito com aquele leite amarelinho da fazenda e o arroz socado no pilão de madeira a gente pegava a canela na árvore, bem fresquinha, para dar mais sabor. Minha mãe também colocava um ramo de folhas de laranjeira. Ficava um tempo enorme, ali no fogo baixinho, para não derramar e nós ficávamos em volta dela, meio que assistindo, meio que aguardando. Ela dizia que demorava, mas na verdade era só para ficarmos ali conversando, enquanto o doce não estava pronto.

Ao lado dessa história íntima, relatada com beleza e emoção, Romilda toma contato com a história do bairro e da cidade. Este processo de rememorar-ressignificar, vivido nos encontros, leva-a a reflexão final:

Descobri que as minhas recordações fazem parte de uma história não oficial, mas viva, pois eu estava lá enquanto a história acontecia.

No ano de 1950 Judite, nascida em 1933, muda-se com a família de Portugal para São Paulo. De sua mudança para o bairro, recorda:

Vim morar na Chácara Santo Antonio no ano de 1957 havia poucas residências e poucos melhoramentos públicos. A minha casa não tinha luz, pois não havia postes na rua para trazer a força. A luz foi emprestada pelo vizinho da rua Bangu. A água era de poço, não servia para beber ou cozinhar nem lavar roupa. Pedíamos aos vizinhos, onde a qualidade era melhor. Havia muito espaço para os meninos brincarem e jogarem futebol como o areião, onde está o Morumbi Shopping e o campo do Floriano, onde está o Sudameris. O transporte era o bonde na Av. Vereador José Diniz, e o ônibus na Estrada de Santo Amaro, uma única linha, de número 79…

Dos sabores e odores, Judite pode compartilhar, ainda hoje, com suas irmãs Maria Neves e Natália, os dos filhoses, receita tradicional da família na época de Natal, não tem coisa melhor para tomar café. Recorda:

O coelho guizado que minha mãe fazia era especial. A paciência no modo de fazer, ficava horas cozinhando no fogo baixinho, pingando água e vinho aos pouquinhos, e mexendo para não grudar na panela. Ficava muito macio, desmanchava na boca.

Conclui dizendo:

Gosto muito de histórias e sinto que a maioria das pessoas gosta de contar suas histórias, principalmente os mais idosos, mas nem sempre tem alguém para ouvi-los.

Ao contarmos nossas histórias partimos do presente, de quem somos hoje e do lugar social que ocupamos, procurando um sentido em nossa trajetória passada, que pode conferir um rumo aos projetos futuros. A narrativa autobiográfica (re)define a identidade, porque nos lembramos quem somos, e porque falamos de uma história vivida. Dizem os estudiosos que os seres humanos se constituem através da linguagem falada e escrita. Ela nos dá uma identidade social, é o veículo nobre da constituição do sujeitos.

Falar e ser ouvido, e não falamos só de idosos, é uma fundamental porque é desse modo que se constroem as relações humanas baseadas nas identidades múltiplas permeadas pelos afetos, aspectos constitutivos da nossa humanidade.

Lourdes, de 60 anos de idade, filha de mãe italiana e pai brasileiro em uma família de 6 irmãos, nasceu e vive em Santo Amaro. Seu pai era construtor e tomou parte na construção da ponte João Dias.

Morávamos na Av. João Dias numa casa com terreno enorme, como se fosse uma chácara. Todas as casa eram assim, muitas com pomar, horta, criações de porcos, galinhas e cavalos.

Nasci ainda na época em que o bairro era praticamente uma vila e pude acompanhar todo o seu desenvolvimento. Meus irmãos faziam parte do time de futebol do bairro, e quando tinha jogos, íamos todos torcer por eles. Cantávamos com muita euforia e alegria, éramos fanáticas ao ponto de, as vezes, brigarmos com a torcida adversária. Adorávamos este passeio! Quando tinha 17 anos fui miss Comércio. Foi uma época muito gostosa, vivíamos como se fosse uma cidade do interior de São Paulo, onde todos se conheciam e se divertiam muito.

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Sua memória traz pessoas, fatos diversos, intrigas, festas. Lembra dos colégios do bairro onde sempre estudou: Grupo Escolar Paulo Eiró, os colégios Jesus Maria José, Doze de Outubro e Alberto Conte das quermesses na rua Vigário Bittencourt, na igreja de Santo Antonio, onde fiz a primeira Comunhão do lago da Granja Julieta

Lembra também do boiadeiro Germano que, junto com outros, levava animais para o matadouro que tinha no bairro, eu adorava ver a boiada passar. Ficava no portão esperando e quando a avistava, corria e subia na árvore e ficava olhando até o último boi passar. Descíamos, eu e minhas amigas, e íamos atrás da boiada.

Esperando no portão de casa (na rua Américo Brasiliense)

Lembra da parteira Dita que ajudou muitos santamarenses nascerem a enfermeira Loló do senhor Onofre, que nas romarias desfilava montado num boi e no cassino Santa Sofia, os bailes de Carnaval no cine São Francisco e depois no Cinemar, os bailes, as procissões e as romarias, tudo representava festa e tradicionalismo.

Os domingos eram importantes na vida dos santamarenses.

Logo pela manhã as missas das crianças e jovens era marcada pela descontração. No jardim da Praça Floriano Peixoto, conhecida como rua Direita, fazíamos “footing”, os flertes eram naturais entre os jovens.

Recorda também que os domingos eram os dias de almoço farto e a reunião da família era uma alegria só.

Lembro muito bem de minha mãe preparando o almoço de domingo. A massa e o molho eram feitos em casa. Mamãe acordava bem cedo para acender o fogo de carvão, enquanto meu pai matava e limpava o frango no quintal. Papai o matava bem longe da cozinha, porque minha mãe tinha pena, pois era ela quem alimentava diariamente as galinhas. Nós tínhamos quase de tudo, no quintal, para o nosso consumo.

Lourdes finaliza dizendo:

Os mais idosos tem mais histórias e é muito bom ouvi-los contando o que passou, relembrando o que viveram. Os mais jovens também têm histórias para contar. É no cotidiano que brota a magia das lembranças do que passou. No encantamento dos momentos da vida seremos chamados a contar a nossa história. Contaremos para nossos filhos, netos e talvez bisnetos. E para quem estiver disposto a ouvir.

No momento em que ampliamos o círculo de leitores-ouvintes dessas narrativas estamos compartilhando essa esperança, de que muitas outras pessoas percebam a força do resgate e ressignificação da história vivida, e valorizem o registro único que cada um faz da vida na comunidade, a que pertenceu e pertence, e na sociedade ampliada.

Eu, Maria de Lourdes nasci em Santo Amaro em 1928. Morei no centro de Santo Amaro até 1976 e depois mudei para a Granja Julieta.

Filha de um brasileiro, santamarense, e de mãe portuguesa e uma dos quatro filhos do casal, ela nasceu e vive no bairro até hoje, assim, tem muitas lembranças de como ele era e de sua transformação. Vamos ouvi-la:

… A casa onde nasci era a Casa Arlindo, nome de meu pai, um armazém de secos e molhados que ficava na alameda Santo Amaro, (ela) era tranquila e passava o bonde que vinha da Praça da Sé e ia até o Largo do Socorro, o bonde era chamado de “Camarão”, por ser pintado de vermelho. A linha do bonde também serviu para transportar areia e tijolos para a construção da Catedral da Sé.

Casa Arlindo, na alameda Santo Amaro

No Largo da Matriz – atual Largo 13 de maio – está a igreja de Santo Amaro ,em janeiro comemorávamos a festa do padroeiro com romeiros, procissão e quermesse. Nossa! Como eram divertidas as barraquinhas de doces e as bandas de música!

Ainda no Largo da Matriz tínhamos a Padaria 15, ponto de encontro dos jovens, na rua Capitão Tiago Luz, nossa rua Direita, tinha a famosa farmácia do José Diniz, lojas de móveis, sapatos, sorveteria, leiteria, o cabeleireiro Mario Genari, que ficava em frente ao coreto, o cinema São Francisco e o Grupo Escolar Paulo Eiró.

Assim como Lourdes, ela também relembra os boiadeiros tocando a boiada em direção ao matadouro, onde hoje é a Escola Municipal Ranieri Manzini.

Às vezes os bois escapavam e invadiam as ruas. Uma vez um boi entrou numa feira livre e começou a dar chifradas na barracas, era só gente correndo.

Quando o grupo recordou as “comidas d’alma” Maria de Lourdes assim se expressou:

Como o sabor de um doce preferido, mexe com a gente! Certos sabores ficam guardados em um canto, em que a lembrança se mistura com emoção. Eu me lembro quando minha mãe fazia doces de frutas como pêssego em calda, figo, mamão, abobora… Uma delícia! os manjares de leite e coco, o arroz doce… Nem é bom lembrar de tão gostoso que era! Na época do Natal e Páscoa, bom-bocado, queijadinha, pão doce. Além dos doces, minha mãe era ótima cozinheira, fazia pratos deliciosos como tortas, frango assado, carne e batata no forno, e uma especialidade de frango com batatas e ervilhas.

É na lembrança de um doce típico que iniciamos a narrativa de Maria Gomes.

Todos os anos, no Natal, minha avó ia para a cozinha fazer os esperados “filhoses”, doce típico, feito com massa de pão com ovos, que depois de frito ela passava no açúcar com canela. Lembro-me, com muita alegria, que enquanto ela os fazia meu tio Antonio, através de uma pequena janela e somente quando ela estava de costas, pegava alguns que distribuía entre os sobrinhos. Minha avó se punha a resmungar, que o trabalho não estava rendendo, pois quanto mais fazia, no lugar de aumentar, diminuía a quantidade. Era pura diversão com muitas gargalhadas que no fundo minha avó deixava para a nossa alegria.

Esta lembrança traz, vivamente, sua comunidade de origem – Freguesia do Líria – Portugal, onde nasceu, em 1931, e viveu até os 8 anos.

Lá costumávamos correr pelos montes, brincar com carneirinhos e ouvir as histórias contadas pela avós.

Recorda os tempos de infância e a vinda para o Brasil:

Vim para o Brasil a bordo do navio Angola com minha mãe e meus três irmãos, reecontrar meu pai que já se encontrava aqui, trabalhando no Banco de Estado de São Paulo. Eram tempos difíceis, de guerra. Lembro-me que o navio foi abordado em alto mar e aguardamos por vinte e quatro horas, para que os alemães nos autorizassem, finalmente, a continuar a viagem. Horas em que a tripulação acalmava pacientemente os viajantes que, assustados, choravam e gritavam de medo.

Ao chegar ao Brasil em 1940, no dia de seu aniversário, Maria de Lourdes foi morar no bairro de Pinheiros enquanto a nossa casa ia sendo construída na rua Américo Brasiliense, região conhecida hoje como Chácara Santo Antonio, (a rua) não era calçada e me lembro das esculturas, feitas com barro que se formava nos dias de chuva precisávamos trocar os sapatos enlameados quando chegávamos na Av. Santo Amaro, antes de pegar o bonde na parada da Av. Vereador José Diniz. A construção demorou um ano, e nela resido há 66 anos. Quantas coisas já vivi e vi por aqui…

Lembro-me dos passeios aos domingos na chácara do Almeida, hoje Granja Julieta, onde eu e meu pai pegávamos cobras para levar ao Instituto Butantã. Tomávamos banho na praia do rio Pinheiros, com roupas comuns, mesmo tendo por perto o clube alemão de nudismo.

Lembra também um fato pitoresco, vivido ainda na infância, quando junto com o pai frequentava o Clube Banespa:

Lá pelos anos de 1942 acontecia um campeonato de arremesso de pesos e pedi a ele que me inscrevesse. Porém, houve uma grande resistência, por parte dos organizadores, pois eu seria a única mulher inscrita. Dada a minha grande insistência resolveram me incluir, mesmo que no grupo dos concorrentes masculinos. Feliz, dei tudo de mim e acostumada que era em lançar pedras para conduzir o rebanho de ovelhas, lá em Portugal para o espanto de todos, ganhei o primeiro lugar! O troféu, uma joia em forma de coração, por muito tempo usei, com orgulho, na gola da minha blusa.

Maria Gomes termina seu relato afirmando:

Quando vim para Santo Amaro, trouxe comigo um jeito de ser, sentir e amar português, de que muito me orgulho. Mas foi aqui onde cresci, que aprofundei minhas raízes, fui aceita e fiz uma família, com filhos brasileiros. Terra onde cultivei um sentimento, recíproco, de respeito essencial ao verdadeiro amor.

Nascida no bairro do Tatuapé, em 1934, Neuza reside há 40 anos na Chácara Santo Antonio, onde nasceram dois de seus quatro filhos que deram seus primeiros passos religiosos no bairro, na Igreja do Verbo Divino na época uma capela.

Apesar dos 40 anos que passaram, lembro bem das quermesses no mês de junho, e eram os paroquianos portugueses que organizavam nos terrenos ao redor da igreja, com sua barracas de prendas e comidas típicas com sardinha assada e vinho quente.

Neuza conclui dizendo:

O que nos permite voltar ao passado é uma foto antiga, a receita de um livro envelhecido pelo tempo. O sabor e o cheiro parece que conseguimos senti-los, dos pratos preparados por nossas mães e avós. A agitação dificulta as pessoas pararem para ouvir nossas histórias. Nem sempre conseguimos transmitir o que temos ao nosso alcance, de rico, para nossos descendentes.

Nossa viagem no tempo à Santo Amaro distante, tranquila e familiar chega ao fim. As palavras dos narradores trouxeram um retrato, vivo e colorido, deste bairro que é, hoje, um dos mais populosos de nossa cidade. Ao lado dos fatos e fotos, o grupo também nos trouxe um dado para nossa reflexão: como foi importante para eles resgatarem a história do bairro e serem ouvidos. Quantas experiências – saberes-fazeres – a serem incorporados ao conhecimento de todos sobre Santo Amaro, sobre a cidade de São Paulo e que, sobretudo, evidenciam a riqueza, presentificada pela memória, das histórias cotidianas como legado para o futuro.

Coordenação: Jussara da Silva – assistente social
Maricy C. G. L. de Vasconcelos – bibliotecária
Tânia S. P. O. Carvalho da Silva – supervisora

UBS – Chácara Santo Antonio
UBS – Santo Amaro
Secretaria Municipal da Cultura – Biblioteca Kennedy

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