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Saci-Pererê

Fui inspirada a escrever sobre o tema Saci-Pererê, em função da palestra realizada em 31 de outubro de 2012 ao grupo de aposentados do Santander/Banespa, com os quais trabalho, em comemoração ao dia deste personagem.

Maria Olívia Araujo *

 

Esta data tão veiculada pela mídia como dia das festividades de Halloween, mito de origem anglo-saxônica, comumente conhecida como dia das bruxas, faz parte das estratégias de dominação americana com intuito de se sobrepor nossa cultura. Para diminuir a influência norte-americana, em 2005 foi criado, nacionalmente, o dia do Saci Pererê como forma de resgatar e valorizar os mitos e lendas de nossa terra.

Desta forma, considerando que mito é uma história de caráter simbólico, narrativa fantasiosa relacionada a uma dada cultura, e que busca explicar os elementos sobrenaturais presente na tradição que se desenvolve em determinado ambiente cultural. Assim é a figura do Saci Pererê, parte das manifestações populares do povo brasileiro.

Esta alegoria foi criada pelos índios Guaranis, com o nome de saci pererê o mesmo de um passáro de cor escura e de topete vermelho. Sua “missão” era fazer travesssuras para alegrar o povo da aldeia. O menino fazia brincadeiras, como esconder o cachimbo do pajé e do cacique, traquinagens que divertiam os índios, além da incumbência de resgatar as pessoas perdidas na mata.

Posteriormente, com a chegada dos primeiros colonizadores vindos da Europa, os índios começaram a notar o desaparecimento da caça, pesca e tudo que era fruto de seu trabalho. Então o Saci passou a percorrer os arredores da aldeia e adentrar a mata com objetivo de protegê-los.

Estes conquistadores, despossuídos de cuidados com a natureza, começaram a usufruir da floresta de forma irresponsável, abatendo filhotes, animais prenhes, e as fêmeas que tivessem amamentando. Deste modo o saci pererê assume mais este encargo – de resguardar a floresta e tudo que contém dos novos habitantes, passando a ostentar o título de guardião da floresta espantando os intrusos.

Depois dos europeus, aportaram no Brasil escravos negros, vindos do continente africano e, mais uma vez, a missão do Saci é ampliada. Percorrendo novos espaços embrenhou-se por fazendas e senzalas sendo adotado pelas negras cozinheiras da casa grande.

Estas mulheres inspiradas pelas histórias do negrinho contavam casos sobre suas traquinagens. Para não sofrerem castigo quando queimavam, salgavam em demasia e trocavam açucar por sal na comida, colocavam a culpa no Saci dizendo que ele tinha passado por ali. Outro fato pitoresco: por ocasião de revoltas na senzala para se livrarem do açoite, os negros rebelados diziam que foi o menino de uma perna só que armou a confusão.

Portanto, o Saci que era índio passa a viver entre os negros, e se tornando negro como eles. Conta-se que certa vez o Negrinho teve uma das pernas acorrentada, ficando vários dias sem água e sem comida. Preferindo a liberdade decepou a perna, e o membro amputado desapareceu misteriosamente. Também foi acrescentado a sua imagem o gorrinho vermelho, acessório usado na Europa para identificar os libertos da prisão, reforçando seu espírito libertário.

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Num determinado momento da história, o menino negro passou a exercer grande fascínio sobre os habitantes dos pequenos vilarejos e os moradores de fazendas, que se reuniam à noite para contar histórias onde o protagonista era o curumim de origem índigena que se tornou negro. Por causa deste deslumbramento o saci passou a ser combatido pela Igreja Católica como figura ligada ao demônio.

Cabe esclarecer que existia certa confusão sobre o criador da figura do saci. Muitos achavam que surgira na obra de Monteiro Lobato, mas, na realidade, já fazia parte da cultura ancestral, com raízes mitológicas das tribos de índios Guaranis, habitantes da fronteira do Brasil com a Argentina.

Esta figura lendária despertou atenção de Lobato, que para conhecê-lo melhor desenvolveu uma pesquisa de nome: “Mitologia Brasílica: Inquerito sobre o Saci”. Solicitou aos seus leitores do jornal O Estado de São Paulo o envio de histórias a respeito deste mito. Ficou surpreso com a quantidade de contos que chegavam à redação. Daí sua ligação com o negrinho, sendo o primeiro escritor a se interessar pelo personagem. Registrou seus contos na literaura infantil brasileira, sendo sua primeira obra: “O Saci Pererê: Resultado de um Inquerito”. O negrinho se tornou conhecido nacionalmente através do Sítio do Picapau Amarelo, seriado criado em 1950 para a televisão brasileira a partir da obra deste autor, líder de audiência durante vários anos, ainda exibido nos dias de hoje.

Também teve reforçada a honraria de guardião da floresta em função do vasto conhecimento sobre as ervas medicinais. Mas, o saci não cumpria estas funções sozinho, ele tinha vários amigos: a mula sem cabeça; a cuca; o boto; o boitatá e a iara, entre outros. Muitos destes mitos complementares eram oriundos da Península Ibérica, trazidos pelos colonizadores, e que se “adaptaram”, muito bem, à nossa cultura.

É importante ressaltar, que as histórias dessas figuras da mitologia brasileira tem um diferencial – o cuidado com a natureza – incorporando um serviço em defesa do meio ambiente. Por isso em 31 de outubro se comemora o dia do Saci Pererê e de todos os seus amigos.

Para recuperação dos mitos brasileiros vários pesquisadores, instituições e agentes culturais criaram um movimento de resgate e valorização de nossa cultura. Vários municípios brasileiros já oficializaram esta data, como é o caso da cidade de São Luiz do Paraitinga, que anualmente a festeja com muita animação, não faltando à roda de contação de histórias – os contos do saci.

Dada à importância desta alegoria que sintetiza a formação do povo brasileiro: o índio, o africano e o europeu, e para que esta herança cultural não se perca, o movimento em favor do Saci Pererê luta para elevá-lo a categoria de patrimônio imaterial.

Como já citado no início do relato escolhi abordar a figura lendária do saci em virtude das informações recentes, e também fui surpreendida por fortes lembranças da infância da qual o mesmo faz parte.

Quando minha avó paterna recebia a visita dos netos que pernoitavam em sua casa, à noite, com a finalidade de conter a agitação, dominar as brincadeiras e a bagunça que fazíamos, contava histórias de assombração e de saci. Os ruidos característicos da noite, como o vento nas folhas das árvores, que provocava um peculiar gemido na bananeira; os barulhos do cachorro e das galinhas nos davam medo, parecia que os seres sobrenaturais chegavam para nos assobrar. Só assim meus primos e eu ficávamos quietos e adormecíamos.

Relembrar estes momentos e revivê-los com emoção é como viajar pela memória. Chego a ver as imagens da casa da avó, o quintal, os animais e o frescor das verduras na horta. Senti até um friozinho na barriga com as broncas que ela nos dava. Foi bom ter aberto esta gaveta de recordações, cheia de significado, que surge, muitas vezes, sem que a tenhamos chamado.

* Maria Olivia de Araujo – Assistente Social. Especialista em Gerontologia Social

Coordenadora do Programa Afubesp Qualidade de Vida. Pesquisadora do Grupo de Estudos da Memória – GEM / NEPE-PUCSP. E-mail: araujolivia@uol.com.br

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