Nasci em 1961 e Rose Marie Muraro sempre fez parte das minhas leituras e atenção, mas confesso que nunca sequer imaginei ver um apelo relacionado a essa mulher rara, determinada e guerreira como o veiculado num dos principais jornais do país, como a Folha de S.Paulo, na coluna de Mônica Bergamo: “O apelo dramático de Rose Marie Muraro”.
Luciana Helena Mussi
Para quem não sabe ou tem pouco conhecimento sobre a trajetória de Rose, esclarecemos: Rose Marie Muraro nasceu no Rio de Janeiro em 11 de novembro de 1930. Conhecida como uma importante intelectual e feminista brasileira, o destino lhe pregou muitas peças. A primeira e, talvez, a mais cruel é que Rose nasceu praticamente cega, fato que não a impediu de tornar-se uma mulher de personalidade singular, forte e determinada a ponto de ganhar o título de uma das mais brilhantes intelectuais de nosso tempo.
“Estudou Física, é escritora e editora. Publicou livros polêmicos, contestadores e inovadores dos valores sociais modernos. Nos anos 70, foi uma das pioneiras do movimento feminista no Brasil. Nos anos 80, quando a Igreja adotou uma postura mais conservadora, passou a ser perseguida pelos ideais. A atuação intensa no mercado editorial é fruto de uma mente libertária cuja visão atenta da sociedade pode ser comparada a de muito poucos intelectuais da atualidade” (Disponível Aqui ).
Tenho pensado muito nessa frase: só sabe da velhice quem entra e mergulha nela, não basta apenas passar levemente por ela, há que senti-la, em todas as suas dimensões, nas entranhas mais obscuras da alma. Vivemos os dias, fazendo nosso melhor (boa alimentação, exercícios, leitura e mais um montão de coisas “ditas saudáveis”), mas jamais saberemos como estaremos lá na frente.
Sobre isso e muito mais que isso, Rose, através de sofridas palavras, fala de sua condição: “Depois de mais de cinquenta anos de dedicação à sociedade brasileira, encontro-me hoje numa situação financeira muito delicada porque não tenho mais condições físicas para ler nem escrever, pois minha miopia aumentou enormemente (42º), e uma pneumonia dupla me levou a força das pernas. Não posso mais trabalhar nem viajar como antes. Continuo trabalhando em casa dando assessoria para um senador e transformando algumas de minhas obras em e-book.”
Ela conta à Folha de S.Paulo que suas despesas se multiplicaram nos últimos anos, mesmo com a ajuda dos filhos: “Entretanto, meus custos com remédios, acompanhantes e outras despesas excedem em muito a minha receita. Preciso de mais recursos para continuar trabalhando.”
Sim, Rose reclama o direito de poder trabalhar e resgata a dedicação de uma vida aos movimentos sociais: “Se você tem hoje a sua liberdade, é porque eu fiquei pobre”, disse ela à coluna.
Oriunda duma das mais ricas famílias do Brasil nos anos 1930/40, aos 15 anos, com a morte repentina do pai e consequentes lutas pela herança, rejeitou sua origem e dedicou o resto da vida à construção de um novo mundo: mais justo, mais livre. Nesse mesmo ano conheceu o então padre Helder Câmara e se tornou membro de sua equipe.
Os movimentos sociais criados por ele nos anos 40 tomaram o Brasil inteiro na década seguinte. Nos anos 60, o golpe militar teve como alvo não só os comunistas, mas também os cristãos de esquerda.
A Editora Vozes é um capítulo à parte na vida de Rose. Lá, trabalhou com Leonardo Boff durante 17 anos e das mãos de ambos nasceram os dois movimentos sociais mais importantes do Brasil, no século XX: o movimento de emancipação das mulheres e a teologia da libertação – até hoje, base da luta dos oprimidos.
Rose quer agora preservar o acervo do instituto que leva o nome dela, “para que os estudos de gênero continuem gratuitamente à disposição de toda a sociedade brasileira”.
Como relata a coluna de Bergamo, a entidade, explica Rose na carta, foi criada em 2009 também “para ser uma forma de contribuição nesta difícil etapa final de minha vida”. Ainda não obteve recursos públicos: “Mas continuamos trabalhando arduamente e participando dos editais acreditando que em breve seremos contemplados.” O instituto sobrevive com recursos próprios, ajuda de “poucos amigos” e o dinheiro arrecadado em sua cantina.
Rose, ainda ativa e com a mesma garra e luta característicos de sua personalidade, quer produzir documentários e e-books de diálogos com lideranças de movimentos sociais: “Pelo curto tempo que tenho”, escreve, “preciso com muita urgência de uma secretária que possa ler para mim e redigir meu trabalho semanalmente”.
Segue a carta: “É contando com vocês, amigas e amigos, e com meu coração esperançoso que lanço esta campanha de contribuição financeira como forma de reconhecimento pelos meus longos anos de trabalho em prol da mulher brasileira, que mudou o pensamento de uma geração inteira, abrindo caminho para a transformação das novas gerações. (…) Serei eternamente grata. Isto me permitirá continuar vivendo e produzindo com as forças que me restam.”
Muitos já se sensibilizaram com o apelo de Rose, como a ministra Eleonora Menicucci que disse “fazer de tudo para ajudá-la”. Além das cem pessoas que já depositaram algum dinheiro de forma anônima em sua conta, como registra a coluna do jornal.
“Eu não conheço ninguém e agradeço a todo mundo. Valeu a pena”, diz Rose.
Rose Marie Muraro foi, é e será sempre essa mulher firme, convicta de suas aspirações: “Mas escreve aí: não estou pedindo esmola. Estou pedindo uma contribuição. Mesmo que ninguém me desse nada, eu faria tudo na minha vida outra vez.”
Se for possível, espero chegar aos meus 80 e tantos anos tendo Rose como um exemplo de luta contínua.
E para ela e muitas outras mulheres guereiras, que fiquem as palavras de Charles Chaplin: “Lute com determinação, abrace a vida com paixão, perca com classe e vença com ousadia, porque o mundo pertence a quem se atreve e a vida é muito bela para ser insignificante.”
Referências
BERGAMO, M. (2013). O apelo dramático de Rose Marie Muraro. Disponível Aqui. Acesso em 26/08/2013.