Uma iniciativa mundial nascida de uma parceria internacional que reúne cientistas, indústria e representantes governamentais, pretende combater de forma mais eficaz as doenças negligenciadas — ou doenças dos pobres —, que, pelo seu foco, são pouco interessantes para as indústrias farmacêuticas, já que praticamente não dão lucro.
Assessoria de Comunicação do IFSC. Imagem: Marcos Santos / USP Imagens
O grupo denominado Molecules, Materials and Medicines for Neglected Diseases (M3MD) conta com o trabalho de 13 pesquisadores e de responsáveis laboratoriais oriundos de várias partes do mundo, como, Índia, África do Sul, Argentina, Irlanda, Estados Unidos, México, Canadá e Brasil. Os cientistas brasileiros paricipantes do M3MD são: Alejandro Ayala, da Universidade Federal do Ceará (UFC), Chung Man Chin da Universidade Estadual Paulista (UNESP), de Araraquara, e Javier Ellena, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP.
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- 16/01/2020
O objetivo do grupo M3MD é transformar os medicamentos destinados a doenças negligenciadas existentes no mercado e transformá-los em versões melhoradas, com propriedades farmacocinéticas reforçadas, tendo em vista o bem-estar dos pacientes e a resolução das situações. Este trabalho de engenharia de novas fórmulas sólidas de fármacos, embora complexo do ponto de vista laboratorial, consiste numa ideia simples. Para combater qualquer doença, o primeiro passo é “desenhar” um fármaco que mostre eficácia no combate a esse alvo. Outro passo importante é transformar esse “desenho” – que mais não é do que uma molécula —num fármaco que, principalmente no caso das doenças negligenciadas (Malária, Doença de Chagas, etc.), é majoritariamente apresentado na forma de um sólido farmacêutico ( um simples comprimido), até porque, se fosse injetável, teria questões relacionadas com armazenamento, aplicabilidade e segurança, etc.
Os trabalhos do M3MD começaram há cerca de um ano e meio. Por intermédio da química do estado sólido, o objetivo é desenvolver novas formulações orais e combinações que aumentem a eficácia de medicamentos orais já existentes e que combatem as doenças negligenciadas, com o intuito de anular seus efeitos colaterais, promovendo, principalmente, o aumento da solubilidade desses remédios.
Sem interação com o organismo
Um dos grandes problemas dos fármacos sólidos é que eles não se dissolverem no corpo dos pacientes. Não ocorre a interação do medicamento com o organismo. Ou seja, a doença não é debelada e nem curada. Um exemplo disso são os retrovirais utilizados para o controle da AIDS, como explica o professor Javier Ellena. De fato, esses pacientes tomam, durante muito tempo, um coquetel composto por vinte produtos e todos eles apresentam grandes problemas quanto à sua solubilidade: graças a isso, é o doente quem sofre. Ao interagirem entre si e o organismo, esses medicamentos apresentam uma eficácia reduzida, acrescida de inúmeros efeitos colaterais, que são terríveis. Por exemplo, com esse tipo de medicamento, um paciente com AIDS poderá estabilizar a doença, porém, também irá sofrer fortes efeitos colaterais, tais como problemas hepáticos, diarreia, vômitos, enfraquecimento do sistema imunológico, etc. ” O que estamos fazendo é trabalhar para minimizar ou anular as dificuldades de solubilidade desses medicamentos no organismo e neutralizar os efeitos colaterais nos pacientes. Estamos fazendo a aplicação da tecnologia do estado sólido às indústrias farmacêuticas”, descreve Ellena.
Assim, ao contrário do que se possa pensar, a ação do grupo de pesquisadores não é fazer um novo medicamento, até porque isso levaria mais de uma década até ficar concluído. O objetivo do grupo M3MD é pegar nos medicamentos que já existem no mercado, que são destinados a doenças negligenciadas, e transformá-los em versões melhoradas, com propriedades farmacocinéticas reforçadas, tendo em vista o bem-estar dos pacientes e a resolução das situações.
Patente em tramitação O desenvolvimento do trabalho do grupo M3MD tem sido rápido e eficaz. “Neste momento, temos um medicamento contra a AIDS, completamente desenvolvido por nós, cuja patente está sendo tramitada no Instituto Nacional de Patentes-INPA”, conta o docente. “É um medicamento que se apresenta cinco vezes mais eficaz do que aquele que está no mercado. Ou seja, é possível produzir o mesmo comprimido com cinco vezes menos matéria-prima e com uma eficácia largamente superior, com melhor absorção pelo organismo, neutralizando efeitos colaterais e fazendo com que o paciente ingira menos quantidades de químicos fármacos”, garante Ellena.
Outro exemplo é o Mebendazol, medicamento bastante utilizado para o controle de parasitas no organismo humano e que é consumido principalmente em zonas pobres, onde os índices de higiene e de salubridade pública são baixos. Nosso medicamento, que está esperando ser patenteado será vezes mais eficaz”, explica Javier Ellena.
O M3MD também atua no combate à Doença de Chagas. Uma das iniciativas do grupo é promover, ainda este ano, entre os meses de Novembro e Dezembro, um workshop com as indústrias farmacêuticas nacionais, explicando todo este trabalho e seus resultados, dando inclusive ênfase à questão de segurança nacional, já que as matérias-primas e a maioria dos medicamentos comercializados no Brasil vêm do exterior, com graves problemas na área do controle de qualidade.
O M3MD conta com os apoios do CNPq (Ciência sem Fronteiras), CAPES e FAPESP, bem como as colaborações do IFSC-USP, FUNCAP, Ministério da Saúde, USF – University of South Florida – USA, UFC – Universidade Federal do Ceará.
O time completo do M3MD tem conta com os representantes do Brasil, Javier Ellena (IFSC), Alejandro Ayala (UFC) e Chung Man Chin (Unesp); Gautam Desiraju (Indian Institute of Science – Índia); Gaurav Sahal (IPCA – Laboratories – Índia); Susan Bourne (University of Cape Town – África do Sul); Maria Eugenia Olivera (Universidad Nacional de Córdoba – Argentina); Jon O’Halloran (SSPC – University of Limerick – Irlanda); Michael Zawarotko, Dennis Kyle e Roman Manetsch (University of South Florida – Estados Unidos da América); Orn Almaersson (Alkermes – Estados Unidos da América); Drazen Ostovic (KO Pharm R&D – Estados Unidos da América); Hugo Morales-Rojas – UAEM – Universidad Autónoma del Estado de México – México) e Marcelo Sarkis (Heenan Blaikie – LLP – Canadá).
Fonte: Agência USP de Notícias. Disponível Aqui