Como proteger juridicamente o patrimônio de pessoas com mais de 60 anos e que assumem relacionamentos amorosos, sem causar prejuízos financeiros para si e para seus herdeiros?
São cada vez mais comuns relacionamentos amorosos havidos entre idosos ou relacionamentos nos quais ao menos uma das partes seja maior de 60 (sessenta) anos; idade caracterizadora da velhice, segundo o Estatuto do Idoso.
Em decorrência destas relações surge então uma preocupação que é também bastante comum: como proteger juridicamente o patrimônio daquele que possui 60 anos ou mais, que assume, após trabalhar uma vida inteira, relacionamento amoroso, sem que este relacionamento cause prejuízos financeiros, para si e para seus herdeiros, diante de todo um patrimônio já adquirido e seja apenas o amor o sentimento verdadeiro que une as partes afins?
Para responder a esta pergunta, algumas reflexões devem ser feitas, lembrando-se sempre que o direito não é uma ciência exata, que tudo que se alega deve ser provado com base em todas as provas admitidas no ordenamento vigente e que cada situação é única e deve ser considerada individualmente, pois assim são as decisões judiciais nesta ordem.
Inicialmente esclarecemos que a capacidade e a autonomia do idoso, independentemente da idade que tenha, devem ser sempre respeitadas, em todas as relações, de todas as ordens por ele assumidas.
Não é porque a lei considera uma pessoa de 60 (sessenta) anos como idosa que sua vontade não deve prevalecer, já que pré julgar uma pessoa nesta idade como confuso mentalmente tem caráter absolutamente preconceituoso, sendo necessária a prova do comprometimento da vontade daquele que escolhe, como nos casos em que está interditado, na medida de sua interdição (para este assunto leia as matérias abordadas neste Blog sobre a interdição do idoso, a título de sugestão).
A vontade do idoso de se relacionar amorosamente não deve ser ponderada ou medida pela idade que ele tem, entretanto, necessário se faz considerar esta idade e a proteção jurídica que o ordenamento jurídico vigente a direciona como equalização da proteção desta pessoa, na tentativa de se evitar a violação de seus direitos e de direitos de seus herdeiros.
São várias as nomenclaturas advindas de relações amorosas: casamento, união estável, namoro, entre outras popularmente e regionalmente reconhecidas, cada uma com suas peculiaridades e especificidades a serem analisadas concretamente em cada situação.
Independentemente da nomenclatura dada a cada relação, é importante refletir sobre o que entende o ordenamento jurídico no tocante às formas de proteção do patrimônio daquele que tem idade mais elevada.
Em síntese é importante aclarar que o ordenamento jurídico brasileiro considera idoso aquele com 60 (sessenta) anos ou mais, entretanto, o ordenamento jurídico de uma forma geral objetiva proteger o patrimônio daqueles que têm 70 (setenta) anos ou mais.
A legislação determina que, tendo a pessoa 70 (setenta) anos ou mais, caso haja por parte dela interesse em casar-se, o regime de casamento a ser adotado será obrigatoriamente o da separação total de bens, ou seja, os bens que já pertenciam à parte maior de setenta anos quando se casou, com ou após esta idade, bem como aqueles que esta parte adquiriu durante o casamento realizado com ou após os setenta anos pertencem a ela e fazem parte de sua herança.
Entretanto, é comum que o idoso nesta situação, preocupe-se com aquele com quem se casou, pensando no futuro desta pessoa se um dia ele, o idoso obrigado a casar-se no regime da separação total de bens, falecer.
Configurada esta situação e havendo herdeiros chamados pela lei de necessários, como filhos deste idoso que se casou com 70 (setenta) anos ou mais, o idoso que se mostrar preocupado com seu cônjuge pela possibilidade de um dia vir a faltar, poderá deixar registrado em testamento uma parte de seus bens a seu cônjuge, desde que respeitada parte da herança de cada filho, denominada como legítima, correspondente a 50% (cinquenta por cento) de seu patrimônio.
Alguns idosos passaram anos de suas vidas junto a outras pessoas em um relacionamento amoroso e, chegando a uma idade mais elevada, buscam oficializar esta união, casando-se.
No decorrer desta união, foram, ambos, em comum esforço, adquirindo patrimônio de forma conjunta, mas o casamento efetivamente só vem a ocorrer quando um ou ambos já tem setenta anos ou mais.
Nestas situações a justiça brasileira já entendeu que o regime de separação total de bens está dispensado, “sob pena de estimular a permanência na relação informal e penalizar aqueles que buscarem maior reconhecimento e proteção por parte do Estado, impossibilitando a oficialização do matrimônio” (STJ).
É importante esclarecer, ainda que de forma simplista, que para a configuração de uma união estável não há a necessidade de um tempo mínimo, bastando que as pessoas envolvidas na relação tenham uma convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir família, o que pode ser provado por todos os meios de prova em direito admitidos, para que o juiz que eventualmente julgue uma causa neste sentido pondere a estabilidade da relação que lhe é apresentada na apreciação das consequências que dela poderão advir.
Numa união estável a regra geral é a de que os bens que forem onerosamente adquiridos durante a sua vigência sejam partilhados na medida em que se comprove a contribuição onerosa daquele que pleiteia sua parte no patrimônio, como reflexo do regime da comunhão parcial de bens que à elas se aplica, salvo contratos escritos entre as partes, a depender da situação.
Todavia, caso uma união estável seja vivida por uma pessoa com 70 anos ou mais e busque-se, judicialmente, a partilha dos bens advindos desta relação em caso de rompimento da relação, a justiça brasileira entendeu que será aplicada a regra equivalente ao casamento, ou seja, o regime a ser adotado será o da separação total de bens, já que o objetivo é “proteger o patrimônio anterior, não abrangendo, portanto, aquele obtido a partir da união” (STJ – REsp 736.627).
Também é importante mencionar a respeito da possibilidade de firmar-se um contrato de namoro, ou seja, um documento, público ou particular, a ser celebrado por partes capazes, com observância da autonomia das vontades e no qual se estabelecem formalmente os limites e os objetivos de uma relação afetiva, dispondo, até que se prove ou delibere em sentido contrário, sobre o propósito do casal, preservando-se, com isso, aspectos patrimoniais, reciprocamente, afastando-se os efeitos da configuração de uma união estável.
O namoro é comumente conhecido como aquela fase do relacionamento na qual as partes buscam se conhecer para saber se há a possibilidade de um dia virem a dar o passo maior do casamento.
Entretanto é muito comum nos namoros ditos modernos que as partes morem na mesma casa, configurando o que é socialmente visto como uma união estável ou até mesmo um casamento.
Por esta razão, ainda que seja uma forma válida de preservação, o contrato de namoro ainda que firmado dentro do que o assegura o ordenamento vigente, terá sua validade auferida e afastada, a depender da forma como essa relação amorosa se deu enquanto vivenciada, sempre observadas todas as provas jurídicas cabíveis, em direito admitidas e aplicadas em cada situação.
Assim, necessário se faz que se entenda e se busque informações concretas, junto a profissionais especializados sobre o fato da população que envelhece ter relações amorosas e de suas escolhas neste sentido serem sempre respeitadas, a fim de que se entendam os direitos e os deveres advindos de cada uma destas relações, buscando-se sempre salvaguardar com igualdade o amor e a justiça.