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Reforma da Previdência: alguns temas que estão fora do debate

Como nós como sociedade iremos cuidar das camadas menos favorecidas da população quando perderem a capacidade de gerar seu próprio sustento? Esta pergunta, lançada no artigo, convoca outros profissionais de diferentes áreas de conhecimento a darem sua contribuição à temática da previdência.

Marianne Nassuno *

 

Todo respeito aos economistas, mas – embora eu não seja especialista sobre o tema – acredito que a questão previdenciária no Brasil precisa ser discutida com a contribuição de outras ciências sociais. O tema do financiamento – enfatizado sob a perspectiva econômica – é importante e existem regalias a serem enfrentadas. Mas, o principal debate deveria ser: ‘como nós como sociedade iremos cuidar das camadas menos favorecidas da população quando perderem a capacidade de gerar seu próprio sustento?’

A comparação da situação previdenciária brasileira com a de países como a Alemanha pode não ser adequada, dada a diferença no nível e distribuição de renda entre os dois países. Considerando o contingente consideravelmente maior de pessoas nos grupos de renda baixa, não é de se estranhar que os dispêndios previdenciários estatais no Brasil sejam relativamente maiores, pois cumprem o papel de compensar a poupança que não pôde ser feita por essas pessoas ao longo de sua vida, para garantir seu sustento na velhice. Na Alemanha, o gasto estatal com a previdência é menor porque o nível de renda mais elevado permite que as pessoas consigam prover por si mesmas, parte significativa dos recursos para quando envelhecem.

Cabe lembrar, ainda, a análise de Rosanvallon (1) – que abordei em texto publicado na Revista de Economia Política (2) – que conceitualmente, diferentes sistemas de financiamento da previdência pública pressupõem níveis diferentes de solidariedade entre os membros de determinada sociedade.

No regime de capitalização, que tem como característica principal o pré-financiamento do benefício, ou seja, o próprio trabalhador, durante a sua fase laborativa, produzirá um montante de recursos necessários para sustentar o seu benefício previdenciário, vale a regra do ‘cada um por si’. O grau de solidariedade entre os indivíduos é mínimo, podendo o sistema ser muito regressivo.

O sistema de repartição, como o adotado no Brasil, pressupõe uma solidariedade intergeracional, na medida em que os mais jovens financiam os mais velhos. Com o envelhecimento da população e redução das taxas de natalidade, este sistema tende a crescentes défices.

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Finalmente, um sistema financiado por impostos sobre a renda ou patrimônio tem como pressuposto uma solidariedade entre ricos e pobres.

Outra questão, ainda, diz respeito ao grau de regressividade ou progressividade do sistema (3), que depende das regras específicas de funcionamento de cada sistema, o que envolve itens como o valor do teto para contribuição e do benefício, a idade mínima para aposentadoria, a expectativa da vida da população, entre outros.

Essas questões também devem ser apresentadas para debate com a sociedade, porque afetam a coesão social. A mera repetição de dados financeiros já publicados como verdades absolutas, pode revelar desatenção com o nosso viver em conjunto.

Notas

(1) Pierre Rosanvallon: historiador francês, titular da cátedra de História Moderna e Contemporânea do Político do Collège de France, desde 2001

(2) “Reforma da Previdência e Graus de Solidariedade”, Revista de Economia Política v. 23, n. 2(90), abril-junho 2003

(3) Um sistema previdenciário é considerado regressivo quando a participação das contribuições sobre a renda e a riqueza dos indivíduos aumenta na relação inversa destas, isto é dizer, paga mais contribuição (em termos relativos) quem ganha menos. Um sistema previdenciário é dito progressivo, quando esta participação aumenta na mesma proporção da renda e da riqueza, ou seja, paga mais quem ganha mais.

(*)Marianne Nassuno – Doutora em sociologia, funcionária pública do Governo Federal. As opiniões aqui expressas são de inteira responsabilidade da autora.

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