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Quando chega a hora de cuidar dos pais

Jacyra Simões Gonçalves, hoje uma senhora de 86 anos, era uma garotinha quando aconteceu a revolução de 1932, mas ainda se lembra da época em que acompanhava a movimentação dos pracinhas da Força Aérea Brasileira de perto. Já na terceira idade, cursou pedagogia. Também é amante da literatura, e vez ou outra solta expressões em francês. Mesmo sendo ativa, Jacyra cada vez mais se afasta do mundo, conforme perde a memória. Acha que já limpou a casa, esquece de tomar banho e não lembra onde guardou o dinheiro da aposentadoria.

Verônica Mambrini

 

Quando as filhas perceberam que a rotina estava desandando, tiveram de intervir. Aos 58 anos, Ivany Gonçalves Colombo, secretária aposentada, se viu como mãe da própria mãe, por conta do Alzheimer, doença degenerativa que, entre outros sintomas, afeta a memória. “Organizamos as contas, cuidamos da limpeza, deixamos comida pronta”, diz Ivany, que tem a ajuda da irmã Cecy, de 63 anos. “Cuidamos dela há 3 anos, e ainda é uma afronta para ela.” Com paciência e jeitinho, as irmãs se revezam com Eloá, a filha que ainda mora com Jacyra.

Essa troca de papéis será cada vez mais frequente nas famílias brasileiras. Com o aumento da expectativa de vida divulgada pelo IBGE no fim de 2007, que passou de 71,9 anos, em 2005, para 72,3 anos, nossos pais estão vivendo mais que nossos avós. Hoje, há 21 milhões de pessoas com mais de 60 anos no país. Segundo o IBGE, em 20 anos, serão entre 32 a 35 milhões de idosos. Para a mulher, isso significa mais responsabilidade, porque a tarefa de cuidar dos mais velhos geralmente recai sobre ela. “De cada 10 cuidadores, 9 são mulheres, seja a esposa, filha, neta, irmã ou até as noras”, diz o gerontólogo Marcio Borges. “Mais da metade das mulheres que cuidam tem mais de 50 anos e pelo menos 30% delas tem mais de 65 anos”, afirma. O processo muitas vezes vem acompanhado de luto. “É difícil perceber que nosso herói começa a perder esse lugar”, afirma a colunista do iG e mestre em Gerontologia Dorli Kamkhagi.

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Outra questão que pode causar estresse é a relação com os netos, sobretudo quando os avós passam a morar na mesma casa: até onde eles podem interferir na educação? Estabelecer regras claras é fundamental para evitar atritos. Foi o que fez Leonor Macedo, de 27 anos, que mora com os pais e o filho, Lucas, de 8 anos. Há muito tempo, ela se responsabilizou pelas contas da casa, passeios com os pais e idas ao médico. “Eles cuidam do meu filho, o que permite que eu trabalhe, e eu cuido deles”, diz. “Lucas sabe diferenciar bem o que é mãe e o que é avó. Quando estou em casa, coloco limites. Quando não estou, são eles.”

Leonor segue outra recomendação de especialistas: ter seu próprio tempo, como recomenda Marleth Silva, autora de “Quem vai cuidar dos nossos pais” (editora Record). “É preciso recarregar as baterias”, afirma. “Quanto mais tempo você dá para uma pessoa, mais ela quer”, diz Leonor. Ao lado das risadas e bagunça da convivência em família, há o momento de ficar sozinha com o filho ou sair com o namorado.

Ajuda de fora

Diante de doenças degenerativas, como o Alzheimer e o Parkinson, ou de problemas de saúde mais graves, que afetem a cognição e a mobilidade, pode ser necessário auxílio externo. “Se o idoso precisa de ajuda para se alimentar e vestir-se, é recomendável a contratação de um cuidador profissional”, diz Marleth. Quando mais de três cuidadores são necessários, a melhor opção pode ser uma casa de repouso. “Para muitas famílias, é a única solução”, afirma a gerontóloga Dorli Kamkhagi. É comum o idoso se sentir rejeitado com a ajuda externa, mas os filhos devem ser firmes e demonstrar que o objetivo é melhorar a qualidade de vida e que isso não significa que ele está sendo menos amado.

Dignidade e respeito

Entender as vontades e desejos do idoso é fundamental também. Envelhecer com qualidade de vida significa ter suas escolhas respeitadas, seja a hora em que prefere fazer a refeição ou a concretização de um novo relacionamento amoroso. “É uma fase de muitas perdas e, perder a autonomia talvez seja a mais humilhante delas”, diz Marleth Silva. “Em muitas famílias, os filhos agem como se os pais não tivessem mais opinião. Não deixam namorar, querem cuidar dos bens, da aposentadoria”, afirma Dorli Kamkhagi. Os filhos devem avaliar se não estão impondo sua vontade por conta da fragilidade de seus pais, sem que seja realmente necessário. “Mesmo pacientes comprometidos querem ser vistos como alguém que ainda tem seu lugar na sociedade.” E aproveitar a experiência e a sabedoria que o idoso acumulou na vida pode trazer mais bem estar e felicidade do que qualquer transtorno na rotina que o idoso demande.

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