O projeto “Museu e Você” promove o aprendizado sobre a obra da artista enquanto trabalha reflexões do viver e do envelhecer. Aulas teóricas e práticas em atelier de artes e que terá seu auge no próprio MASP através de uma visita mediada à exposição Tarsila Popular.
Faz alguns dias que busco inspiração para um texto quando o cheiro que veio da cozinha, além de aguçar meu paladar, começa a desencadear lembranças de um tempo onde eu brincava de imaginar da maneira mais inocente possível.
Seu Eugênio era o caseiro da chácara que ficava na cidade que meu avô tinha nascido. Lá, eu cresci vivendo as mais deliciosas memórias dentre as quais, a lembrança do bolo formigueiro feito com chocolate granulado que eu jurava que eram formigas. Nada estranho para uma criança, como eu, que adorava comer a formiga Iça frita. Sim! Eu comia formigas e achava uma delícia, portanto o bolo formigueiro não me parecia estranho.
Hoje, ao comer o bolo saído do forno, comecei a pensar na minha infância e em todas as fantasias que faziam parte daquela época.
Seu Ôgenio, como eu o chamava, era baixinho e já bastante velho. Adorava nos contar histórias do homem que vivia na rua debaixo e que ele jurava ser o lobisomem.
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Lembro que eu e meus primos ouvíamos tudo com muita atenção e meu irmão, o mais velho da turma, sempre nos acalmava com seu olhar racional que nos assegurava que tudo aquilo não passava de folclore. Não sabia muito bem o que era folclore, mas a palavra soava como algo feliz.
As histórias do Seu Eugênio eram aterrorizantes, e eu sofria ao imaginar a tal bruxa segurando sua perna durante a noite e as peripécias do Saci Pererê que ele nos contava de maneira convincente. Curiosamente, não me recordo de levar o pavor que sentia para a cama, afinal eu confiava no meu irmão e ele dizia que eu não precisava me preocupar. Obedecia e não me preocupava.
Até hoje, tenho o costume de dar muita importância à tudo que meu irmão fala, mesmo sabendo que ele faz uso do poder do meu amor por ele, para me amolar. Aliás, a grande alegria dele é encher alguém, seja quem for e se este alguém puder ser a irmã, voilà, maravilha!
Enquanto tomava meu café acompanhado da fatia de bolo, pensava na obra de Tarsila do Amaral (Capivari, SP, 1886-São Paulo, 1973) pintora que mais representa a brasilidade na Arte. Tarsila também ouvia histórias das negras da fazenda e uma delas teve, em sua vida, o mesmo papel que Seu Ôgenio teve na minha.
Figura central do modernismo, Tarsila é uma das mais importantes artistas brasileiras do século XX.
De família abastada, de fazendeiros do interior de São Paulo, ela cresceu em meio às fazendas onde foi cultivando um mundo fértil de imaginação e fantasia. Será que ela comia formigas?
Estudou em São Paulo no colégio Sion e completou seus estudos em Barcelona, na Espanha, onde pintou seu primeiro quadro, “Sagrado Coração de Jesus”, aos 16 anos.
Em Paris, estudou Arte com grandes mestres e desenvolveu seu talento artístico levando para sua obra os temas e as cores de seu país.
Tarsila do Amaral era elegante e muito bonita. Beleza que facilmente podemos identificar nos diversos autoretratos que ela fez ao longo da carreira, dentre eles, o autoretrato com o Manteau Rouge de 1923. Viveu amores marcantes como o amor por Oswald de Andrade, escritor modernista com quem foi casada e para quem ela pinta Abaporu, para presenteá-lo no aniversário.
Tarsilinha do Amaral, sobrinha neta da artista que trabalha incansavelmente para preservar e divulgar a genialidade da tia-avó, no livro “Abaporu: uma obra de amor”, apresenta uma nova teoria sobre a mais importante obra do período antropofágico do movimento modernista no Brasil. Vale a leitura e o aprendizado ao vivo através da visita à exposição TARSILA POPULAR no Museu de Artes de São Paulo, MASP até 28/07. São mais de 120 trabalhos desde o início da carreira da pintora que soube, mais do que ninguém, levar a vida que a constituiu para suas obras.
Deixo aqui meu convite para refletirmos o viver de cada um através da obra da Tarsila.
Projeto Museu e Você
O projeto “Museu e Você” tem a intenção de promover o aprendizado sobre a obra desta importante artista enquanto trabalha reflexões do viver e do envelhecer. São aulas teóricas e práticas em atelier de artes sobre Tarsila do Amaral que acontecerão no Espaço Longeviver. Aprendizado que terá seu ápice no próprio MASP através de uma visita, especialmente mediada por mim, pela exposição Tarsila Popular.
Reserve sua vaga. Tarsila do Amaral será tema de reflexão e conhecimento, afinal não existe no mundo alguém que tenha se constituído velho sem importantes lembranças. Quais são as suas? Bolo quente? Irresistível! Com formigas imaginárias? Muito mais divertido. Vida sem Arte? Deus me livre e guarde, como dizia Seu Ôgenio. Abaporu como obra de amor? Faz todo sentido.
Longas conversas nos esperam. A obra da Tarsila é infinita e a vida é longeva. Aceitam um bolo?
Espero vocês!