A manhã de sexta-feira do dia 2 de Dezembro de 2011 prometia. Todos os presentes estavam muito ansiosos pela expectativa de finalmente conhecerem a pessoa com a qual trocaram correspondências (cartas).
Divina de Fátima dos Santos *
“Hoje minha cabeça está ‘fervendo’, mas preciso me acalmar para escrever para a minha ‘netinha’. Preciso da sua ajuda”. Estas foram as palavras de uma idosa do CREMI, momento antes de sentar-se e responder a carta da sua interlocutora.
“Eu to adorando receber a carta deste menino, acho que ele já é um homenzinho, ele me dá dicas [descreve] de como ele é, então, acho que deve ser um garoto bem forte” Palavras de outro idoso ao ler uma das cartas recebidas por ele ao longo do ano.
“Você sabe quem é o vovô que me escreveu neste ano?”, perguntou curioso um garotinho assim que desceu do ônibus na chegada ao local de encontro.
As cadeiras do salão foram organizadas de modo que, os presentes pudessem se olhar e tentar se descobrir a partir de algumas comandas dadas pela coordenadora do projeto que sugeriam coisas que pudessem estar escritas nas cartas. Assim, todos foram convidados a se olhar e procurar pelo correspondente. Então lançaram-se frases como: “Quem nasceu na cidade de Caraguatatuba?”, “Quem é de outro estado?”, “Quem correspondeu-se com um menino?”, “Quem correspondeu-se com uma menina?”, “Quem está no projeto pelo segundo ano?”, etc.
Assim criou-se um clima de detetive e de atenção, pois foi necessário pensar nas informações reveladas nas cartas de seus interlocutores e deter-se em alguns detalhes. Na troca de olhares alguns se descobriram e emocionaram-se. Na medida em que a manhã foi passando e os correspondentes revelados, notou-se forte emoção de parte a parte.
Uma das participantes disse: “Eu queria tanto falar um montão de coisas a minha menina, mas na hora só consegui abraçá-la. Eu fiquei muda e meu corpo tremia tanto! Não sei o que me aconteceu. Assim que a vi [a menina] tinha certeza de que era ela a minha correspondente.”
Outro idoso afirmou: “Eu sabia que era ele! Desde que ele chegou aqui!”
Também tivemos um momento de descontração proporcionado pelo Sr. Luiz, de 92 anos, que também participa do projeto desde 2010 e que com sua gaita alegrou a garotada com diferentes músicas, enquanto as crianças esperavam a vez de entrar no ônibus para voltar para a escola ou até, aproveitavam para dançar ao som da gaita. Ele foi muito aplaudido, ao mesmo tempo em que teve de responder sobre curiosidades quanto ao instrumento, desconhecido pela maioria.
Este é um trabalho de grande impacto social, que a cada dia conquista novas pessoas interessadas em abraçar a ideia, ao constatar mudanças de comportamento dos envolvidos em relação ao convívio social, familiar e escolar, por propiciar maior flexibilidade, tolerância e respeito entre pessoas de idades e classes sociais distintas.
A principal tarefa deste trabalho é estimular o convívio respeitoso de parte a parte, afinal vivemos num mundo em que as relações estão ficando cada vez mais comprometidas devido ao grande volume de tarefas assumidas por pessoas de diferentes idades. Assim o ato de escrever exige pensar, refletir, imaginar, concentrar e esperar, atitudes estas necessárias na formação de todo ser humano, independentemente da idade.
Este trabalho só aconteceu porque existiram várias parcerias, envolvendo muitas pessoas e exigindo muita organização e logística. Assim é fundamental citar alguns nomes que acreditaram na proposta desde o início: Marta Borges, Coordenadora do CREMI, e toda sua equipe de profissionais de diferentes setores; as professoras que trabalharam diretamente com as crianças na elaboração das cartas, Eliana Aparecida Oliveira, Tânia C. Espírito Santo e Katia Aparecida Viana, assim como a coordenadora pedagógica Renata das Neves Silva e a gestora escolar Silvia C. S. Eimert, além de inúmeras outras pessoas que direta ou indiretamente participaram em diferentes momentos do processo no momento da elaboração das respostas e do envio das cartas aos correspondentes.
No dia seguinte ao do encontro entre os idosos e as crianças, a coordenadora deste projeto, Divina, recebeu o Prêmio Madre Cristina do CRP – Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, durante a II Mostra Estadual de Práticas Inovadoras em Psicologia, em evento que ocorreu no Hotel Maksoud Plaza na cidade de São Paulo e que contou com a apresentação de 90 trabalhos. Confira no link: Disponível Aqui
* Divina de Fátima dos Santos é mestre em Gerontologia e doutoranda em Psicologia Clínica PUC-SP. E-mail: divinafs@ig.com.br