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Precisamos falar de aspectos geracionais, não de embates

Devemos, sim, falar em aspectos geracionais, mas, por outro lado, evitar ao máximo os “embates” e a hierarquização entre gerações.

Patricia Novais Calmon (*)


Nos últimos dias, a abordagem a respeito de um suposto embate entre a geração Y (millennials), de pessoas nascidas entre os anos de 1980 a 1995 (atualmente com 25 a 40 anos), e a geração Z, dos nascidos entre 1995 e 2010 (hoje em dia com 10 a 25 anos), tem causado certo movimento das redes sociais. Isso porque houve a catalogação de uma série de gostos e atitudes dos millennials que são fortemente criticadas por aqueles inseridos na geração Y. Para se ter uma ideia, gostar de produtos da Disney, usar calça do modelo “skinny”, usar sapatilhas arredondas, utilizar “emojis” em suas comunicações virtuais e, pasmem, até mesmo amar café, acabou sendo descrito como “cringe”, expressão que representaria o “pagar mico” de algum tempo atrás ou, na tradução do inglês, significa algo como embaraçoso, ou vergonhoso.

Nesse cenário, acabaram surgindo testes online para catalogar a pessoa como inserida na geração Y ou Z. Muitos daqueles nascidos na geração Y (millennials), movidos pela necessidade de se pautar em padrões mais jovens, acabam se podando e se reestruturando para se enquadrar no que constitui não vergonhoso socialmente para a geração Z.

Ocorre que por mais que se tente e, eventualmente, até se consiga obter êxito em sentido subjetivo, não é possível alterar o seu padrão geracional em caráter objetivo, já que estudos ao redor de todo o mundo utilizam apenas o critério de data de nascimento em determinados períodos temporais para a referida catalogação em uma geração ou outra.

E, sem dúvidas, a tentativa de enquadramento em padrões geracionais mais jovens não é algo novo. Na verdade, ao se analisar alguns dados estatísticos, denota-se que os indivíduos possuem um certo temor em sofrer os impactos e efeitos do envelhecimento, embora, em um caráter bastante dúbio, também queiram envelhecer, já que a outra saída é uma morte precoce. Em suma: as pessoas não querem sofrer os efeitos do processo natural de envelhecimento, mas, paradoxalmente, querem envelhecer.

E, nesse contexto, dois grandes medos andam de mãos dadas: envelhecer e morrer.

A sociedade ainda está pautada na ideia de que uma pessoa, ao envelhecer, estará, realmente, próxima do fim. Na verdade, tal lógica não mais deve ser vista como uma verdade inconteste, principalmente em uma sociedade extremamente longeva como a que estamos caminhando e que teremos de forma ainda mais incisiva nos anos vindouros, cenário que altera drasticamente a forma pela qual as pessoas vivem cada fase da vida.

Se, por um lado, as pessoas viverão no máximo 18 anos sendo criança/adolescente e, ainda, 42 anos na primeira fase da vida adulta (dos 18 aos 60 anos de idade), com o avanço da medicina e aumento da expectativa de vida, é possível que elas vivam mais anos já sendo catalogadas como pessoa idosa do que em qualquer das outras fases da vida.

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Tal lógica demanda uma reinterpretação dos estereótipos do que é envelhecer, afinal, toda geração levará consigo, nesse natural processo de envelhecimento, todos os valores, símbolos e interesses que estão correlacionados com o seu desenvolvimento como ser humano. Logo, o idoso do futuro em nada se assemelhará com o idoso do presente, da mesma forma que parcela dos idosos do presente (da geração dos baby boomers) pouco se aproximam dos denominados “superidosos”, já com mais de 80 anos de idade (integrantes da geração silenciosa – silent generation).

Como consequência, é preciso falar de aspectos geracionais e os impactos que deles derivam, inclusive para o futuro, visando adequar leis, políticas públicas (inclusive de conscientização), e, ainda, reestruturar a própria mentalidade social de que envelhecer não é um problema, e, em um cenário extremamente longevo, pode estar bastante dissociado da ideia da morte e de todos as perversas características corriqueiramente associadas ao envelhecimento (como a ideia de que idosos são improdutivos, assexuados, analógicos e dependentes). Por outro lado, falar na existência de um “embate geracional” apenas perpetua tais estereótipos, bem como o pânico (desajustado com a nova realidade social) em envelhecer.

Nesse toar, devemos, sim, falar em aspectos geracionais, mas, por outro lado, evitar ao máximo os “embates” e a hierarquização entre gerações, com definições de que, sempre e em qualquer hipótese, os comandos conferidos pelas gerações mais jovens são aqueles que devem ser aceitos de maneira indiscriminada pelas demais gerações, que devem os seguir no instintivo (e muitas vezes inconsciente) afã de fugir do natural processo de envelhecimento que nos acomete desde o momento que nascemos.

Por isso, precisamos falar em aspectos geracionais, mas não em embates.

Notas
(1) Sob o pretexto de envelhecer bem, acabamos agindo pautados pela ilusão da juventude, gastando mais dinheiro com produtos de beleza do que com alimentação (Informação disponível na internet: https://panoramafarmaceutico.com.br/2018/09/14/ibge-aponta-que-brasileiro-gasta-mais-com-beleza-do-que-com-comida. Acesso em 08 nov. 2019), e com educação (Informação disponível na internet: https://veja.abril.com.br/economia/pesquisa-mostra-que-brasileiro-gasta-mais-com-beleza-do-que-com-educacao/. Acesso em 08 nov. 2019). Ao mesmo tempo em que queremos viver mais e com mais qualidade, deixamos de nos preparar financeira e emocionalmente para a aposentadoria, já que dados recentes indicam que seis entre cada dez cidadãos brasileiros não celebram nenhum plano de previdência social (Informação disponível na internet: https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2017/07/ 23/internas_economia,885939/brasileiros-nao-se-preparam-para-velhice.shtml. Acesso em 08 nov. 2019).

(*) Patricia Novais Calmon – Advogada. Mestranda em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Presidente da Comissão da Adoção e do Idoso do IBDFAM-ES. E-mail: patricia.novais@gmail.com

Foto destaque de Robert Stokoe/Pexels


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