Paulo Saldiva, patologista, apresenta novas hipóteses sobre os efeitos da poluição urbana e defende melhorias na qualidade do ar. Saldiva defende mudanças nas formas de mobilidade urbana: as pessoas devem andar mais, usar transporte público com maior frequência ou, como ele, ir para o trabalho de bicicleta, hábito que vem do tempo em que era estudante de medicina.
Carlos Fioravanti *
Desde o ano passado, por meio de um novo e poderoso aparelho de ressonância magnética usado para exames de cadáveres (ver Pesquisa FAPESP nº 229), ele tem enriquecido a antiga linha de trabalho, ao ver que a poluição do ar deve acelerar o envelhecimento de tecidos e órgãos. Também adotou práticas, como a de autópsia minimamente invasiva, que permitem a confirmação do diagnóstico, a checagem do tratamento médico e a formação de um banco de amostras que pode ser útil para médicos, pesquisadores e estudantes. Casado, com dois filhos, Saldiva gosta de tocar gaita e fotografar a cidade à noite, da sacada de seu apartamento no 13º andar de um prédio no bairro da Bela Vista.
Quais suas batalhas atuais?
Minha maior luta no momento é fazer o Brasil adotar um padrão de qualidade do ar compatível com o conhecimento científico atual. Ainda estamos defasados. A Organização Mundial da Saúde, a OMS, definiu parâmetros muito restritivos, mas colocou níveis intermediários como metas como instrumento de gestão. São Paulo e a maior parte das cidades brasileiras são menos poluídas do que os municípios chineses e indianos, mas as autoridades do governo brasileiro não definiram ainda o que é preciso fazer para atingir os níveis mais baixos de poluição, que é o padrão ideal.
Os coordenadores das agências ambientais como o Conselho Nacional do Meio Ambiente, o Conama, argumentam que não podemos seguir o padrão internacional de qualidade do ar porque não temos tecnologia para resolver o problema do controle da poluição, quando na verdade devemos pensar de modo inverso: no momento em que se mostra a desconformidade entre as metas e a realidade, cria-se o movimento para mudança. Os pesquisadores, médicos e outros profissionais da saúde têm de participar da busca de soluções para esses problemas.
Participei de dois pontos centrais da legislação sobre esse assunto. O primeiro foi o estabelecimento dos novos padrões de qualidade do ar da OMS em 2005, quando ajudei a escrever o capítulo sobre ozônio. O segundo foi em 2014. Participei do painel da International Agency for Research in Cancer, Iarc, que determinou a prevalência dos casos de câncer atribuídos à poluição do ar. Nos dois casos, chegamos à conclusão de que havia evidências muito sólidas da redução da expectativa de vida por doenças respiratórias e cardiovasculares induzidas pela poluição do ar e também que a exposição à poluição urbana é uma causa do câncer de pulmão, em níveis muito mais baixos do que se pensava.
Ou seja, é um risco pequeno, em comparação com o cigarro. O que se tem de levar em conta é que apenas 20% da população de São Paulo fuma, mas todos os moradores da cidade estão sujeitos à poluição. Então o risco atribuível à poluição passa a ser significativo. Nem os efeitos da poluição nem os da mobilidade urbana entraram ainda com a devida importância na pauta de debates de novas políticas de saúde pública. Existe também uma relação com a capacidade de um jovem se desenvolver intelectualmente, porque as quatro ou cinco horas que teria para descansar e estudar são perdidas no deslocamento entre a casa e o trabalho.
Vários estudos mostraram que os problemas de mobilidade urbana prejudicam o desenvolvimento do indivíduo como cidadão e sua ascensão social e econômica. Portanto, temos de ter um padrão de mobilidade mais ativo. Apenas a tecnologia não vai resolver esses problemas, mas essa não é uma questão consensual. Não há consenso quando se discute o uso do solo, definindo se o espaço público vai ser ocupado por carro, ônibus, transporte sobre trilhos ou bicicleta, ou que tipo de matriz energética devemos usar, se biodiesel, etanol, eletricidade ou petróleo. Aparecem interesses legítimos, porém conflitantes. É preciso gestão, que é o que falta na área ambiental.
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* Carlos Fioravanti escreve para a Revista Fapesp. Artigo publicado na edição 241 – março 2016.