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Para além das perdas do envelhecer

A consciência da possibilidade de envelhecimento saudável e o conhecimento de como consegui-lo são ainda desconhecidos, mesmo por idosos de classes sociais mais favorecidas. O que esperar, então, de idosos residentes em regiões expostas ao risco de vulnerabilidade social? Quando fez o mestrado em gerontologia, a pedagoga Wanda Pereira Patrocinio inteirou-se dessa realidade ao pesquisar as representações sociais das pessoas com mais de 50 anos que, fora do mercado de trabalho, buscavam alternativas para sobreviver em cooperativas populares de Campinas.

Carmo Gallo Netto

 

Trabalhou com cooperativas da periferia que se dedicavam à costura, à alimentação, à reciclagem de resíduos sólidos e à seleção de entulhos, realizando um perfil desses cooperados. A pedagoga focou, primordialmente, pela diversidade de atividades, as áreas de costura e entulhos. Estudou a visão que essas pessoas tinham sobre a velhice e o envelhecimento e como socialmente se viam e se sentiam vistas em relação às pessoas do seu entorno. Nessa oportunidade, pesquisou como esses idosos consideravam o envelhecimento em relação ao tratamento que recebiam do outro e os tipos de relações que mantinham com ele.

Na ocasião, Wanda se deu conta de que existiam várias representações. Era a velhice associada à doença, à decrepitude, sendo vista como a última etapa do ciclo vital, a fase da vida em que se espera a morte. Poucos dos idosos distinguiam-lhe aspectos positivos e a viam como um processo natural da vida.

Ela percebeu então que, apesar da significativa produção acadêmica que desmistifica a velhice associando-a à doença, aponta a possibilidade de se envelhecer de forma saudável e atribui sua qualidade às condições de vida, essas informações não chegavam ao idoso pobre, àquele que mais precisa delas. Essa barreira não fora ainda rompida. “Foi aí que me perguntei: o que adiantam as conclusões dos estudiosos para a vida prática dos idosos se elas não chegam a quem mais precisa? Essa foi a motivação da minha pesquisa no doutorado. Como pedagoga, acredito que a educação pode fazer alguma coisa para minimizar esse problema”, afirma.

Propôs-se então a realizar uma ação prática, com embasamento teórico-científico, que possibilitasse a essas pessoas mudarem de atitudes e comportamentos de forma a encarar melhor e mais positivamente o envelhecimento. Por não acreditar que apenas palestras sejam suficientes para mudar atitudes e comportamentos, Wanda queria desenvolver uma forma de ajudar esses idosos a mudarem o seu dia a dia vivenciando problemas concretos. Esta convicção a levou à implementação e análise de um programa de educação popular em saúde para um envelhecimento saudável que não utiliza apenas palestras, mas também práticas. O trabalho deu origem à elaboração de tese de doutorado “Descrição e análise dos efeitos de um programa de educação popular em saúde para o envelhecimento saudável de idosos comunitários”, orientada pela professora Anita Liberalesso Neri da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp.

A pesquisadora desenvolveu o programa em duas comunidades centradas nos bairros Orosimbo Maia e Parque da Figueira, da região Sul de Campinas. Ambas apresentam alta incidência de idosos e possuem centros de saúde. Desta forma, além de contar com a colaboração dos centros de saúde na aglutinação dos idosos, conseguia atingir os bairros próximos. Nesses locais utilizou dependências cedidas por entidades religiosas que constituíam referência para as comunidades.

No Orosimbo Maia, as atividades foram desenvolvidas no salão social já utilizado para palestras e atividades de ginástica desenvolvidas pelo Centro de Saúde. No Parque da Figueira, utilizou uma sala de aula destinada à educação de jovens e adultos. Nesses locais, as atividades foram conduzidas por ela com apoio de uma auxiliar de pesquisa, durante cerca de duas horas e meia, uma vez por semana, durante cinco meses, para dois grupos com idades entre 60 a 75 anos e média de 66 anos, constituídos em sua maioria por aposentados ou pensionistas viúvas.

Engajamento

O programa implantado baseou-se na perspectiva de Paulo Freire e na política de envelhecimento ativo proposta pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Wanda explica que “a educação popular na perspectiva de Paulo Freire visa a desenvolver o reconhecimento de si mesmo como sujeito, a visão crítica sobre as estruturas sociais e o engajamento ativo”. Para tanto, a prática educativa deve basear-se em relações de confiança entre os participantes, no diálogo e na utilização de conteúdos de interesse dos educandos. Ao implantar em 2005 uma política de envelhecimento ativo, a OMS considera que para consegui-lo as pessoas precisam ter participação social, saúde, segurança e receber educação contínua.

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Constituiu escopo do estudo verificar a influência da prática sobre a mudança de atitudes dos idosos em relação à velhice, à saúde, à participação social e a aspectos psicossociais. Para tanto foram aplicados questionários e utilizadas escalas sobre variáveis sociodemográficas, psicossociais, de participação social, de saúde e sobre atitudes em relação à velhice. Esses dados foram colhidos em três momentos distintos: por ocasião da formação do grupo e antes do início das atividades propriamente ditas; decorridos os cinco meses de atividades programadas com base em temas escolhidos pelos idosos; e seis meses depois de sua conclusão.

A pedagoga lembra que a educação popular parte sempre do que o educando sabe. Por isso, foram selecionados para cada um dos grupos os temas sugeridos pelos seus componentes durante a aplicação do primeiro questionário. Embora se verificassem diferenças na composição dos conteúdos temáticos desses grupos, constaram das atividades práticas e das abordagens teóricas temas como envelhecimento saudável; alimentação saudável; atividade física; memória; saúde bucal; uso de medicamentos; problemas de saúde e doenças mais comuns na velhice; violência e maus-tratos; sono e envelhecimento; imagem positiva da velhice; emoções e sentimentos; e histórias de vida. Entre as atividades terapêuticas, também desenvolvidas no programa, realizaram-se sessões de alongamento, automassagem, lian gong, ritos tibetanos, tai chi chuan, argila medicinal e yoga, que tiveram como objetivo o enfrentamento de problemas musculares, articulares e posturais causadores da dor. Alem de participarem da discussão dos temas por eles escolhidos ou sugeridos, os idosos fizeram exercícios e atividades práticas.

Para verificar o que tinha sido incorporado pelos grupos em decorrência das experiências vividas, ela comparou, utilizando análise estatística, os resultados obtidos por meio do mesmo questionário aplicado no pré-teste, na conclusão do programa e seis meses depois. As análises estatísticas e de conteúdo mostraram que em relação ao pré-teste houve mudanças principalmente em relação às atitudes. Anteriormente os idosos, considerando o predomínio das limitações, entendiam que a velhice levava a mais perdas que ganhos. No pós-teste o resultado se inverteu, com a grande maioria julgando que a velhice comporta ganhos e vantagens. Seis meses depois, eles constatavam que a velhice traz tanto perdas quanto ganhos.

Segundo Wanda, o programa conseguiu eliminar a visão negativa da velhice, porque, mesmo percebendo a ocorrência de perdas físicas, os idosos passaram a valorizar a maturidade, o conhecimento, a capacidade de enxergar a vida e de melhor compreensão do outro que a velhice proporciona. Os resultados mostraram-se igualmente positivos em relação ao aumento do tempo dedicado à atividade física, porque durante o programa os idosos foram orientados a melhorar o que já efetivamente faziam. Na alimentação verificou-se estatisticamente um aumento significativo no consumo de legumes e verduras, que ela atribui à confecção da cartilha realizada em conjunto durante o programa. A melhora das condições de saúde também foi avaliada de forma positiva.

Entretanto, a recorrência aos sintomas depressivos se mostrou maior seis meses depois, para um dos grupos pesquisados. Ela acredita que durante a participação no programa os participantes se aproximaram e houve trocas, principalmente entre as viúvas, que antes do programa se sentiam mais solitárias. A participação social aumentou o ânimo, a disposição e a alegria. Embora com resultados não satisfatórios neste particular, a pesquisadora considera o resultado indicativo da importância da participação contínua em atividades desse tipo.

Conclusões

Face ao trabalho desenvolvido a pedagoga se permite algumas conclusões. Em relação aos idosos estudados, entende que as análises estatísticas e de conteúdo mostraram mudanças nas atitudes em relação à velhice, com diminuição de posturas negativas e aumento das positivas; percepção de que a velhice comporta tanto ganhos como perdas; melhora no tempo diário da prática da atividade física; melhora no consumo diário de verduras e legumes; melhora em relação à satisfação com a vida e em relação à saúde.

Acredita que o desenvolvimento de um programa educacional baseado no modelo de Paulo Freira e realizado de forma multidisciplinar, com conteúdos adequados e de interesse dos idosos, mostrou a importância da prática do conceito de educação em saúde, que visa a mudança de comportamentos individuais e que intervenções desse tipo podem favorecer a saúde física e mental dos idosos.

Considera também que o modelo de programa desenvolvido pode contribuir para outros programas educacionais, principalmente em relação à metodologia de ensino e à forma de desenvolvimento dos conteúdos temáticos, descritos no trabalho de modo a possibilitar o aproveitamento por educadores.

Ela defende ainda a utilização da metodologia nos programas de educação de adultos, em salas em que exista predominância de idosos, cada vez mais presentes – em que os conteúdos temáticos podem ser utilizados como temas geradores –, e na área de educação em saúde, em que pode contribuir para os serviços oferecidos pelos centros de saúde.

Para Wanda, infelizmente, em muitos programas envolvendo qualidade de vida ainda prevalecem palestras informativas: “A metodologia que desenvolvemos utilizando a educação popular, e que descrevemos detalhadamente, pode tornar esses programas muito mais efetivos para a mudança de atitude. Trata-se do primeiro passo para a mudança de comportamento”, conclui.

Fonte: Jornal da Unicamp, 30 de maio a 5 de junho de 2011 – ANO XXV – Nº 496. Disponível Aqui

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