No mesmo dia em que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou a resolução da celebração do casamento civil entre as pessoas do mesmo sexo, o encontro foi propício para refletir sobre a homossexualidade na velhice. Com a resolução do CNJ, o Brasil tornou-se o 3° país da América do Sul e o 15° do mundo a permitir o “casamento igualitário”, possibilitados à luz dos princípios da democracia no país e, sobretudo, do respeito aos princípios da dignidade humana.
Joelma Higa. Texto e Fotos(*)
“Estamos vivendo a história”, foi assim que Patrícia Gorisch, pesquisadora em direitos humanos LGBT (Lésbicas, Gay, Bissexuais, Travestis e Transexuais), advogada e militante pelos direitos homoafetivos, expressou toda a sua alegria em vivenciar mais este marco de conquistas de direitos iguais aos da maioria, com o casamento e a formação de família homoafetiva. Apesar da euforia, a convidada explanou que ainda há muita invisibilidade, discriminação e grande violência homofóbica. Externou, com isso, toda a sua preocupação sobre esse assunto, que acaba repercutindo na saúde dessas pessoas.
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A convidada começou o bate-papo explicando que a homossexualidade não é uma opção sexual. “Não se acorda de manhã e se faz a opção em ser hetero, homo, bi ou trans. Simplesmente a gente acorda e se descobre apaixonada por alguém do mesmo sexo ou do sexo oposto, por isso que se diz orientação sexual, para onde vou orientar o meu desejo, o meu amor, mas não por opção. Se fosse por isso, as pessoas não escolheriam ser homossexual pela discriminação e pelo preconceito sofrido na sociedade”.
Sobre a questão do envelhecimento e da homossexualidade, ela discorreu que no Brasil existem poucos estudos e pouca atenção sobre esses dois temas conjugados. Nesse sentindo, ela coloca que, na atualidade, é necessário refletir sobre o idoso e sobre o idoso gay. Quem são os idosos e quem são os idosos gays e como eles vivem? E o idoso gay e pobre; o idoso gay, pobre e afrodescendente; o idoso gay, pobre, afrodescendente e nordestino, à margem da sociedade, solitário, abandonado? Quem acolhe, atende e protege? Quem irá cuidar deles hoje, já que a maioria não tem filhos? Os “asilos” estão preparados para receber esta minoria diferenciada? É preciso parar para pensar sobre estas questões, continua.
Os 30 anos de lutas LGBT ressaltam a necessidade de as pessoas continuarem o debate sobre a dignidade e a condição humana dos grupos minoritários; é preciso haver mais oportunidades de visibilidade desses temas, nos espaços sociais, como a que ocorreu no Sesc.
Patrícia, ainda adverte que os serviços disponibilizados, como os de saúde, não estão preparados para atender os grupos minoritários que têm necessidades específicas e diferenciadas no atendimento. “As políticas públicas são quase inexistentes, apesar de São Paulo contar com um programa para a diversidade sexual”. Para ela, um dos impedimentos para o avanço da conquista de direitos é a religião, que faz muitos políticos ignorarem que o Estado é laico.
Concordando com as palavras de Patrícia, João Nery, o primeiro transexual masculino a ser operado no Brasil, discorreu amplamente sobre os aspectos da sexualidade humana e sobre a sua identidade de gênero. Ele desnaturaliza o tema da homossexualidade e da velhice e as coloca também como construções socioculturais.
De maneira geral, a sexualidade humana é formada pelo sexo, pela orientação sexual e pelo gênero. O sexo é o aspecto biológico da identidade sexual determinado pelas características físicas que diferenciam homens e mulheres, como os órgãos reprodutores e as características físicas, como barba e seios. A orientação sexual é a atração afetivo-sexual que direciona a sua preferência. O gênero é a construção social que determina os valores e os hábitos de acordo com sexo biológico das pessoas. A forma como as pessoas se percebem no gênero masculino ou feminino é a identidade de gênero, independentemente do corpo biológico masculino ou feminino que habitam.
João Nery, autor de dois livros autobiográficos, “Erros de Pessoa – Joana ou João” e “Viagem solitária – Memórias de um Transexual 30 anos depois”, sensibilizou o público.
Do menino tratado como menina, da infância triste e confusa, da “monstruação” que veio e com ele o crescimento dos seios, das cicatrizes deixadas pela experiência pioneira da cirurgia de “transformação”, do prazer do desejo sexual experimentado de outras maneiras, da frustração do documento de identidade social que de nada lhe serviu, do diploma cassado da psicóloga Joana, do subemprego, da superação ao assumir a paternidade e da constante reinvenção da vida para obter um lugar no mundo.
Hoje, João Nery, aos 63 anos de idade, tem uma esposa, um filho e uma vida que mostra sua capacidade de superação. Ele é palestrante e ativista pelos direitos humanos, sobretudo dos grupos minoritários.
(*)Joelma Higa, formada em Serviço Social e mestranda em Gerontologia pela PUC-SP. E-mail: johigasp@gmail.com