Compartilho um pouco da minha experiência e rotina como Assistente Social em um hospital de campanha com tratamentos para Covid-19 com muitos adultos e idosos. É muito importante o profissional conhecer os riscos, o que é a doença, formas de transmissão, complicações e agravamentos, com isso ele poderá decidir se está preparado para o trabalho.
Tatiana Maria Menezes (*)
A última pandemia que enfrentamos foi a gripe espanhola em 1918, causando milhares de óbitos no mundo todo, no Brasil foi cerca de 35 mil mortes nesse período. Hoje estamos vivendo uma nova pandemia, a da Covid-19, causada pelo novo coronavírus com surgimento em Wuhan na China no ano de 2019. Em virtude do alto índice de casos, a necessidade de montagens e aberturas de hospitais de campanhas está sendo inevitável, especialmente onde a rede de hospitais e estabelecimentos regulares de saúde não estão suportando o tamanho da demanda de atendimentos aos doentes acometidos pela Covid-19.
E com isso a contratação de profissionais de saúde de todas as áreas, entre eles, o profissional assistente social, com formação superior graduado em Serviço Social e com registro profissional ativo e regular que trabalha para garantir os direitos dos usuários. O trabalho desse profissional é de grande relevância e indispensável na área da saúde e em se tratando de pandemia e hospitais de campanha não é diferente, pelo contrário, as demandas são as rotinas dos hospitais convencionais acrescidas por novas situações da doença Covid-19.
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Geralmente os hospitais de campanhas recebem na maioria pacientes adultos e idosos, pois são os mais afetados pela doença e em especial os pacientes mais velhos requerem mais cuidados e atenção de toda equipe devido às comorbidades, fatores psicológicos e, claro, a idade; pois os idosos compõem um dos grupos que corre maior risco e que necessitam de muitos recursos.
Assim, venho compartilhar um pouco da minha experiência e rotina como Assistente Social em um hospital de campanha com tratamentos para Covid-19.
É muito importante o profissional conhecer os riscos, o que é a doença, formas de transmissão, complicações e agravamentos, com isso ele poderá decidir se está preparado para o trabalho. Conhecendo sobre a doença e já decidido trabalhar no contexto da pandemia é hora de iniciar.
O primeiro a ser feito é a paramentação, usar os EPIs (equipamentos de proteção individual), que são: roupa privativa do hospital, capote, touca, pro pé, óculos ou escudo facial, luvas e máscara, esses são indispensáveis para entrar em um hospital Covid e ter contato com pacientes de forma segura. Vale lembrar que não pode ser usado nem um tipo de adornos, ou seja, brincos, anéis, alianças, colares, relógios ou algo do tipo, para quem tem cabelos cumpridos deve estar sempre preso e usando o coque. Usar um calçado confortável, pois o assistente social vai andar muito nas dependências do hospital, desde enfermarias e UTIs até mesmo no necrotério.
Iniciado o trabalho, a organização é tudo.
1) Conheça a região onde está localizado o hospital. Mapeie a rede de atendimento como: UBS (unidade básica de saúde) CRAS (Centro de Referência e Assistência Social), CREAS, Fórum, delegacias, cartórios, conselhos de idosos e tutelares, farmácias de alto custo, instituições de longa permanência, enfim, tudo que possa precisar para garantir os direitos dos pacientes/usuários.
2) Acolhimento aos pacientes e familiares, é o recebimento, contato, o elo, conversa entre as partes para coletar informações. O acolhimento é importantíssimo, pois é através dele que o vínculo será estabelecido e estratégias para os atendimentos no serviço social serão desenvolvidas.
3) Elabore as fichas e formulários para atendimento. Todo assistente social trabalha com esses instrumentais, pois são através deles que iniciamos e finalizamos os atendimentos.
- Formulário de visita beira leito, que deve conter nome completo do paciente, leito, endereço residencial, número de telefone de contato para urgências e emergências e para receber o boletim médico diariamente. É importante verificar se o paciente está com pertences pessoais como: celular, carregador, roupas, bolsas etc, se estiver colocar essa informação na ficha. Em alguns hospitais é o serviço social que recolhe esses pertences, protocola e entrega para o familiar, pois devido ao perigo de contaminação não é recomendado ficar no hospital. Pergunte ao paciente se ele tem alguma doença pré existente, muitas vezes essa informação já consta no prontuário, mas caso não a tenha é bom verificar e informar ao médico, pergunte se faz uso de algum medicamento de uso contínuo e se tem prescrição, se tiver peça para o familiar trazer e entregue a alguém da equipe: o médico ou enfermeiros.
- Diário de atendimentos, geralmente é uma ficha com data, nome do paciente e telefone da pessoa de referência. Essa ficha deve ser de fácil acesso para consulta imediata se precisar, assim outros profissionais poderão verificar se naquela data específica o paciente foi atendido pelo serviço social.
- Termo de autorização para visita. A visita é um direito garantido, porém em tempos de pandemia e em se tratando de hospitais de campanha esse direito é assegurado mediante as tecnologias, ou seja, através de vídeos chamadas por celulares ou tablets, mas se em algum caso especifico o paciente tiver que receber uma visita presencial, seja de um familiar, líder religioso, médicos ou outros, um termo de esclarecimento sobre os riscos ao adentrar no hospital deverá ser preenchido e assinado pela pessoa que irá entrar no hospital para realizar a visita, nesse documento deve conter uma breve descrição sobre os motivos da visita e por quem foi solicitado, autorizado.
- Encaminhamentos. É comum o uso de encaminhamentos, pois facilitam o trabalho e a comunicação entre a rede de atendimento. Os encaminhamentos são usados de acordo com a demanda e necessidade do usuário. Por exemplo, se durante a entrevista social o paciente informar que não possui o documento de identidade (RG), deve se fazer um encaminhamento para o local, geralmente delegacias, onde será emitido um documento RG ou outros documentos, se a família estiver em situação de vulnerabilidade social e necessitar de cestas de alimentos deve se encaminhar ao CRAS da região onde o paciente mora e assim por diante.
- Termo de alta à revelia. Esse é termo que o paciente lúcido e orientado, não deseja mais dar continuidade ao tratamento e pede a saída/alta do hospital, então preencherá o termo afirmando que está ciente dos riscos e se responsabilizando pelo ato. É importante a equipe orientar o paciente sobre o seu estado de saúde, esclarecendo as dúvidas e assim ele seguirá com a decisão. Esse termo deve conter data e horário da saída e ficar em poder do hospital.
Outros documentos poderão ser elaborados, vai depender da rotina e demanda do trabalho.
- Agenda e atualizações dos contatos e leitos dos pacientes, manter os contatos de referências sempre atualizados é primordial em um hospital de campanha e geralmente nesse caso são os assistentes sociais que os fazem, pois são eles que têm o vínculo direto com os familiares.
- Altas, nos hospitais de campanha as altas passam pelo serviço social, onde um membro da equipe informa quais pacientes receberão alta no dia. O assistente social entra em contato com o familiar avisando e passando as orientações sobre a alta. Providencia o certificado e entrega ao paciente.
- Óbitos, é inevitável não pontuar os óbitos. Mortes vão acontecer e cabe à equipe do psicossocial telefonar para o familiar de referência solicitando o comparecimento ao hospital. Os óbitos não poderão ser informados por telefone, apenas em casos muito específicos poderão fazê-los e é sempre o médico que informará aos familiares.
- Ao telefonar para o parente solicitando a ida ao hospital o profissional deve ter cuidado com o tom de voz, deve permanecer tranquilo por mais que seja um momento ruim e deverá solicitar documento de identidade e comprovante de residência do paciente, também documento de identidade do familiar.
- O médico preencherá a declaração de óbito, irá até a sala do serviço social e informará o óbito aos familiares.
- Auxílio funeral, é um direito garantido pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) em benefícios eventuais. O familiar que não tiver condições financeiras de arcar com as despesas do funeral pode solicitá-lo. O assistente social deve informar esse direito aos familiares e prestar todas as orientações, os familiares decidirão a respeito, se caso decidirem em solicitar o auxílio, deverá ser encaminhado ao CRAS da região para que possa ser garantido o direito. Lembrando que nenhum hospital pode indicar nenhum serviço funerário, é a família que deve providenciar esse serviço por mais difícil que seja o momento.
Para finalizar, entende-se que é perfeitamente compreensivo que cada hospital tenha demandas diferentes e cabe à equipe desenvolver a melhor estratégia de atendimento já que o momento requer atenção específica para a pandemia Covid-19.
(*) Tatiana Maria V. de Menezes, serviço social, caçula de três, cuidadora principal. E-mail: tatamvmenezes@yahoo.com.br.
Foto destaque: Divulgação/Hospital de Campanha