Essas são as palavras iniciais de Noemi Jaffe, doutora em literatura brasileira pela USP, em sua crítica para o jornal Folha de S.Paulo sobre o livro recém-lançado pela editora Rocco O sentido de um fim: “Qual é o sentido da história e qual é o seu fim? Ela é progressiva e linear, regressiva e torta ou múltipla e circular? A história de uma pessoa termina quando ela morre ou permanece perturbando quem sobrevive?”.
Jaffe continua: “E ainda mais: em que medida cada um conhece e sustenta a própria história? Essas e outras questões vibram continuamente ao longo do romance O Sentido de Um Fim, de Julian Barnes. O livro ganhou o Booker Prize, principal premiação literária em língua inglesa, em 2011”.
Mas as histórias que criamos se alternam e se modificam no curso da vida. São extremos de muitas linhas que não se encontram no infinito, linhas que descansam nas nossas mãos, algumas vezes resignadas, outras inquietas e avassaladoras. E como é difícil compreender essa linguagem impressa em nosso corpo! É, não se conhece e sustenta a própria história, apenas a inventada ou criada por nós, indivíduos que tentam e se esforçam na elaboração, processamento e conclusão da própria existência.
O Sentido de Um Fim tenta abordar a sensação de instabilidade cronológica numa elaborada reflexão sobre o envelhecimento, a memória e o remorso. O livro acompanha, numa primeira fase, passagens da juventude e da trajetória de Tony Webster, para mostrar como, 40 anos mais tarde, um simples episódio pode despertar conflitos e sentimentos contraditórios, transfigurando de modo irreversível a perspectiva do passado.
Já, um colega de Tony, Adrian, afirma: “a história é aquela certeza fabricada no instante em que as imperfeições da memória se encontram com as falhas da documentação”.
“Essa resposta permanece ressoando durante toda a narrativa, depois de um incidente trágico com o próprio Adrian e principalmente na segunda parte do romance, quando Tony já está no presente, aposentado, divorciado e avô”.
As histórias são feitas desse material: um misto de falhas, incorreções, imperfeições somadas à registros duvidosos, mas todos criados e recriados na linha do tempo, em instantes (que se entendem breves), momentos (talvez um pouco mais longos) e fases (longas, quase eternizadas).
Pelo olhar de Jaffe: “É nessa fase da vida que ele [Tony] é obrigado, por circunstância inesperada, a se confrontar novamente com os acontecimentos da juventude. É quando ele percebe que tinha esquecido muito mais do que imaginava e que sua memória guardou só aquilo que era mais conveniente”.
Claro, como registrar as agruras da vida? Talvez seja nesse processo seletivo comandado pela memória que o “conveniente” se apresente muito mais seguro, apropriado e certo para aqueles pequenos instantes que acabam resultando na complexa existência.
Nesse clima de constante tensão, “o narrador em primeira pessoa questiona o sentido e a finalidade de sua vida, em que as memórias funcionam mais como anteparo do que como combustível para o presente”.
Anteparo? Sim, memórias que protegem, poupam do pior, da dura constatação. Do contrário, esse incompreensível “combustível para o presente”, se tornaria a matéria-prima para o trabalho de descoberta de quem, verdadeiramente, somos. Mas…e se não gostarmos da(s) resposta(s)?
Nas palavras finais de Jaffe: “Que o leitor não espere grandes revelações no final. Elas existem, mas estão subentendidas nas curvas da história, exatamente como fazem as lembranças pelos descaminhos da memória. Esse é um romance para ser relido, assim como, para reencontrar o sentido da própria história, é preciso remexer o passado”.
Se é que a história tem algum sentido ou deva, necessariamente tê-lo. Apenas, cuidado e coragem neste vasculhar de porões e escombros do passado.
De qualquer maneira, um livro que merece atenção, principalmente para aqueles que padecem da incompreensão de, simplesmente, existir.
Referências
JAFFE, N. (2012). Barnes lança olhar sombrio sobre os desvãos da memória em livro premiado. Disponível Aqui. Acesso em 23/06/2012.