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O psicólogo centenário

Enquanto Jerome S. Bruner, considerado pai da psicologia cognitiva, se aproxima de seu 100º aniversário, ele reflete sobre o passado, presente e futuro da psicologia. Através de pesquisa e observação, Bruner entendeu que o comportamento humano é sempre influenciado pelo mundo e cultura em que vivemos.

Kirsten Weir *

Seu trabalho ajudou a mover o campo da psicologia para longe do behaviorismo rigoroso e contribuiu para o surgimento da psicologia cognitiva.

Em primeiro de outubro de 1915, um bebê de imigrantes poloneses nasceu cego em Nova York. A cirurgia de catarata quando ele tinha 3 anos restaurou sua visão. Quando Jerome Seymour Bruner tinha 12 anos, seu pai morreu, mas ele foi capaz de deixar para seu filho uma herança de uma empresa bem sucedida de produção de relógios. Isso permitiu que ele completasse seu ensino superior – e Bruner aproveitou ao máximo esses presentes. Ele estudou na Universidade de Duke em 1937 e fez PhD em psicologia pela Universidade de Harvard em 1941. Nos anos que se seguiram, ele fez grandes contribuições para a psicologia cognitiva e educacional.

Logo no início, Bruner explorou as maneiras que a experiência afeta a percepção. Seu trabalho “Valor e Necessidade como Fatores da Percepção” (Jornal do Anormal e Psicologia e Social, 1947) relatou a descoberta de que as crianças estavam mais propensas a superestimar o tamanho de moedas do que de discos de papelão – e quanto maior o valor da moeda, era mais provável que as crianças superestimassem seu diâmetro. Além do mais, as crianças pobres eram significativamente mais propensas do que as crianças ricas a superestimar o tamanho de moedas. Em outras palavras, valor e necessidade influenciou a forma como as crianças perceberam o mundo ao seu redor.

Através de pesquisa e observação, Bruner entendeu que o comportamento humano é sempre influenciado pelo mundo e cultura em que vivemos. Seu trabalho ajudou a mover o campo da psicologia para longe do behaviorismo restrito e contribuiu para o surgimento da psicologia cognitiva.

Bruner, eventualmente, voltou sua atenção para a psicologia do desenvolvimento e educacional, com um interesse em como as crianças aprendem. Ele argumentou que o objetivo de ensinar não é transmitir conhecimento, mas ensinar os alunos a pensarem e resolverem problemas por si mesmos. Ele promoveu o chamado “currículo em espiral”, em que os alunos aprendem conceitos básicos e, em seguida, circulam de volta para revisitá-los novamente e novamente enquanto conceitos mais complexos são adicionados ao longo do tempo. Ele é creditado com a cunhagem do termo “andaime”(“scaffolding”) para descrever a instrução estruturada entre a criança e o professor que permite aos alunos desenvolverem progressivamente maiores habilidades e conhecimentos.

Bruner realizou cargos de docente na Universidade de Harvard, onde dirigiu o Centro de Estudos Cognitivos, e na Universidade de Oxford. Em 1965, ele atuou como presidente da APA. Em 1991, ele entrou para a faculdade de direito na Universidade de Nova York para explorar como a lei define o comportamento “adequado”.

Aproximando-se de seu 100º aniversário, Bruner deu entrevista de sua casa em Nova York refletindo sobre sua carreira e o curso de psicologia.

Como você começou na psicologia?

Quando criança, eu sempre me interessava pelo que as pessoas faziam para chegar às suas conclusões. Mas eu achei muito mais interesse em romances de leitura. Em algum lugar ao longo do caminho eu comecei a pensar sobre o que estava realmente acontecendo dentro da cabeça das pessoas. Meus amigos literários, escritores e romancistas, tiveram tanta influência em mim quanto os psicólogos.

Meu pai me deixou uma quantia de dinheiro para cuidar da minha educação, até aonde eu queria chegar. Após a morte de meu pai, minha mãe investiu em algumas ações bastante arriscadas. Quando a crise veio em 1929, ela não perdeu tudo, mas ela não tinha nada extra. Felizmente o meu pai tinha deixado meu próprio legado em seu testamento para cobrir a minha educação.

Quando eu era estudante de graduação, eu sempre senti que tinha que encobrir o fato de que, para a minha idade, eu era um garoto muito rico. Era vergonhoso. Tendo sido sortudo dessa forma, eu senti que eu tinha algumas responsabilidades para com a sociedade em que vivia – que eu deveria estar pagando de volta.

Eu fui para a Universidade de Duke como uma forma de mostrar a minha independência. Duke naquele momento tinha acabado de ganhar muito dinheiro e tinha um corpo docente muito reconhecido. Um dos meus professores foi o grande William McDougall. Eu tive a grande sorte de reconhecer desde o início que o grupo de jovens psicólogos de lá eram o melhor que você poderia encontrar em qualquer lugar.

Como você se interessou em percepção?

Ter nascido cego, e não recebendo minha vista até que eu fui operado aos 3 anos, deu-me a sensação de que a primeira impressão vem através de seus sentidos, mas enquanto você cresce você aprende de alguma forma a estar preparado para determinados tipos de situações. Então, os seus sentidos não estão apenas preocupados com o novo, mas também preocupados com a confirmação do que você esperava.

Em Harvard, comecei a descobrir que havia técnicas maravilhosas que você pode usar para estudar a percepção. Uma delas, por exemplo, foi o taquistoscópio, um aparelho que apresenta indicadores visuais para uma pessoa a um centésimo de segundo. Eu tive a sorte de ter alguns bons amigos no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, e eles construíram para mim um dos primeiros taquistoscópios. Poderíamos mostrar fotos de pessoas na velocidade de reconhecimento. Descobrimos [que a capacidade das pessoas de reconhecer os objetos nas fotografias] dependia não só da natureza da absorção, mas também na natureza dos valores que o objeto representava.

Você foi um dos pioneiros da psicologia cognitiva. Por que você foi levado a ir nessa direção?

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Eu sempre fui um construtivista. Nada do que está lá fora, no mundo, existe por si só. Você está sempre construindo-o, e algumas das regras de construção têm a ver com se conformar com aqueles com quem você tem que viver. Não importa o que fazemos, estamos expressando as regras da cultura em que vivemos.

Eu queria ter uma psicologia que de alguma forma não era apenas sobre o que veio através dos sentidos, aqui e agora. Por outro lado, eu sabia que aqueles eram os componentes de um comportamento mais complicado. E eu me virei na direção de querer saber sobre a nossa capacidade de registrar o mundo. O mundo estava lá e nós trouxemos nossa impressão e o processamento dessa impressão. Eu tinha a sensação que esta era uma das fontes da liberdade [da humanidade], e do por que a literatura era tão importante, não só esteticamente, mas também politicamente. É a capacidade de sonhar sobre um leque de possibilidades.

Como a psicologia mudou ao longo de sua carreira?

[Quando eu comecei] ela estava passando por um behaviorismo estrito, tipo sensório-motor. Mas então ela começou a se mover na direção de como a experiência está relacionada com o mundo em que vivemos. Por um lado, temos propriedades inatas como seres humanos, e percebemos as coisas de certas maneiras, mas também estamos extremamente suscetíveis a normas culturais. Nós estamos em conflito, e às vezes tão neuroticamente. Eu acho que a psicologia agora passou por sua revolução cultural.

Como você descreveria o estado atual da psicologia?

Psicologia hoje é como um campo de separação. Há uma divisão entre aqueles que pensam que o objetivo é provar o quão objetiva e rigorosa a psicologia pode ser, o que significa cortar qualquer coisa que soa muito animada, muito mental. E, por outro lado, temos aqueles que querem tomar a parte da mente e torná-la poderosa, elegante e de alguma forma orientada para a descoberta.

A tarefa da Psicologia hoje é misturar os fatos de que somos culturais, e ao mesmo tempo, somos seres humanos. Estamos aprendendo a colocar estes dados juntos em um sentido geral, mas um monte de psicólogos evita fazer isso. É uma das razões pelas quais os psicólogos tendem a ser tão isolados em seus campos.

Você vai fazer 100 anos este ano …

Sim! Isso não é bacana?

Por que você viveu por tanto tempo?

Eu não sei. Eu sempre tive um lado atlético. Sou um jogador extremamente bom em squash, e na faculdade eu era quarter-miler. Eu sempre fui muito esportista.

Que outros interesses inspiraram você, fora da psicologia?

Eu sou um marinheiro muito hábil. Eu sou o primeiro professor de Oxford na história que navegou um veleiro pelo Atlântico para assumir esse posto. O mar me fascina. Tem me fascinado desde que eu era criança. Eu me lembro do cara que correu o estaleiro na cidade que eu cresci em Long Island, na beira de Nova York. Frank me ensinou todos os tipos de coisas. Um barco é uma forma de desafio.

Qual é o segredo do seu sucesso?

Ele pode vir do fato de que houve uma abertura dos meus olhos, e eu quero dizer isso no sentido literal. Ter nascido cego, ter a minha visão restaurada, fez-me sensível para o novo. Lembro-me de uma garota que me disse uma vez, “Jerry, você é um curioso desgraçado”. Bem, eu sou tudo menos um desgraçado – mas talvez há algo nisso. O segredo das pessoas continua a me fascinar.

Nota da Redação

Na década de 60, o psicólogo Jerome Seymour Bruner liderou o que veio a ser conhecido como Revolução Cognitiva, que introduziu novas perspectivas no estudo da mente, superando os postulados colocados até aquela época pelo behaviorismo, que focava apenas nos fenômenos observáveis. Sua importância foi reconhecida ao ser indicado para coordenar o Comitê de Ciências (Science and Advisory Committee) durante o governo dos presidentes Kennedy e Johnson. Atualmente é professor na New York University. Suas publicações mais importantes são Sobre o Conhecimento: Ensaios da mão esquerda (1960) O Processo da Educação (1961), Actos de Significação (1990), A Cultura da Educação (1996).

* Kirsten Weir escreveu para Vol 46, No. 5, page 48. American Psychological Association (APA), Maio de 2015. Tradução livre de Sofia Lucena. Entrevista Disponível Aqui 

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