As práticas de Mindfulness promovem a saúde mental e emocional no envelhecimento, considerando que o estilo de vida é um fator relacionado à reserva cognitiva e também de proteção.
Marcia Paviani (*)
Mindfulness, traduzido como atenção plena e de acordo com Kabat-Zinn, caracteriza um estado mental de atenção proposital no momento presente, sem julgamento ao desdobramento da experiência, momento a momento. As práticas de Mindfulness acrescentam uma perspectiva importante em relação ao envelhecimento saudável. Os modelos psicológicos contemporâneos segundo Malinowski se caracterizam nos seguintes componentes: 1) Fatores motivacionais, incluindo a intenção, 2) treinamento mental, 3) processos mentais fundamentais, 4) a posição mental atitudinal e 5) os resultados em termos físico e bem-estar mental e mudanças comportamentais.
O que acontece quando se pratica mindfulness que pode acrescentar uma perspectiva importante em relação ao envelhecimento cognitivo saudável?
Uma prática de mindfulness consiste em prestarmos atenção de maneira intencional em um foco objetivo, por exemplo a respiração, todas as vezes que o praticante notar que se distraiu e não está mais prestando atenção naquele foco de maneira gentil ele retorna a se focar, o que aqui no exemplo seria a respiração.
O fato é que durante as práticas de mindfulness, em que são usadas o que chamamos de âncora atencional (no caso do exemplo a respiração), uma rede de alerta se estabelece para sustentar o estado de atenção, e as redes de controle executivo que monitoram e controlam os nossos estados mentais são ativadas para reconhecer a distração mental. Em seguida, uma outra rede chamada orientadora nota a distração e redireciona o foco de atenção para o objeto da meditação, novamente no exemplo, o foco na respiração.
É sabido que essas funções atencionais (rede de alerta, redes de controle executivo e rede orientadora) estão ligadas ao declínio cognitivo relacionado à idade. Nesse sentido, observa-se um crescente interesse pela questão de saber se as práticas de Mindfulness, já que se utilizam dessas mesmas funções, podem então, diminuir a velocidade ou mesmo impedir esse declínio cognitivo.
Para o entendimento dessa possível contribuição é preciso também entender o conceito de reserva cognitiva. A hipótese da reserva cognitiva refere-se à capacidade do cérebro de armazenar por períodos prolongados as habilidades que foram adquiridas ao longo da vida e de resistir aos prejuízos de um quadro demencial, evitando o surgimento de sintomas clínicos significativos no início das doenças neurodegenerativas. Sabe-se que as doenças neurodegenerativas são progressivas, no entanto, a reserva cognitiva permite que o progresso da doença seja bem mais lento do que o habitual.
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Diversas variáveis ligadas ao estilo de vida podem levar a um melhor desempenho cognitivo em idade avançada mesmo na presença de patologia cerebral neurodegenerativa. Somado a isso, a ativação repetida dessas redes durante a prática de mindfulness pode fortalecer seu funcionamento e, consequentemente, melhorar as habilidades de atenção. Essas funções atencionais estão, além disso, interligadas com a memória de trabalho, a capacidade de reter e manipular informações relevantes para o objetivo sem distração (Jha; Mrazek).
Essas melhorias no desempenho cognitivo parecem bastante notáveis quando comparadas aos efeitos típicos do treinamento cognitivo. Segundo Malinowski), quando uma pessoa começa a se envolver no treinamento de Mindfulness e estabelecer e manter o foco da atenção, exigirá esforço e envolverá as diferentes redes de atenção. Vários estudos, entre eles o de Cahn, indicam que com as práticas ocorre o aumento da clareza da percepção e diminuição da reatividade automatizada. Pesquisas mais extensas, como de Chiesa, mostram que o envolvimento nas práticas de Mindfulness resultam em um melhor desempenho cognitivo e está associado a mudanças nas atividades cerebrais.
Envelhecimento, estilo de vida e reserva cognitiva
Estudos sobre os efeitos de vários programas de treinamento cognitivo ou estimulação cognitiva que foram desenvolvidos para idosos saudáveis e com Comprometimento Cognitivo Leve (CCL), apresentam uma melhora do funcionamento cognitivo e no desempenho das atividades da vida diária, conforme relata Reijnders em 2013. Já os estudos com as práticas de Mindfulness demonstraram que este produz em adultos mais velhos uma série de efeitos positivos, inclusive no desempenho cognitivo, um melhor estado atencional que consequentemente envolve a uma melhor memória, além de fazer com que o indivíduo esteja mais ciente de seus pensamentos, sentimentos e sensações físicas havendo essa flexibilidade metacognitiva.
Há evidências que as funções cognitivas são preservadas devido a dois processos diferentes, de acordo com Steffnener e Stern: Reserva Neural e Compensação Neural. A Reserva Neural é o processo de sustentar o desempenho cognitivo devido a maior eficiência, capacidade, ou flexibilidade da rede. A compensação neural refere-se ao processo de recrutamento de redes e estruturas alternativas do cérebro que normalmente não estão envolvidas em determinada função. Ou seja, existe um processo compensatório que pode ser ativado quando as redes neurais primárias não são mais capazes de desempenhar adequadamente o desempenho bem sucedido das tarefas, segundo Reuters-Lorenz.
As evidências também apontam que os fatores de estilo de vida podem contribuir para a reserva cognitiva. Isso sugere que as práticas de mindfulness podem realmente contribuir para aumentar a capacidade da reserva cognitiva, mesmo em indivíduos mais velhos e que tenham Comprometimento Cognitivo Leve, como assinala Larouche e colaboradores. Larouche e colaboradores acrescentam também os efeitos de equilíbrio emocional e redução do estresse que são um dos benefícios das práticas de mindfulness, que podem influenciar positivamente, melhorando o funcionamento do sistema nervoso, das funções imunológicas, e de forma indireta aumentar a proteção neural.
Lazar e outros pesquisadores, em um estudo após intervenção de um programa de 8 semanas (MBSR), identificou que as mudanças na estrutura do cérebro podem estar por trás desses benefícios comprovados, e que as pessoas não se sentiam melhor só porque alcançavam o relaxamento. Através de ressonância magnética da estrutura cerebral realizada duas semanas antes do programa e após as oito semanas, os autores descobriram que foi encontrado um aumento de densidades da matéria cinzenta do hipocampo, uma região importante para a aprendizagem e a memória. Além de serem estruturas associadas com a autoconsciência e compaixão.
Esses estudos transversais fornecem uma indicação de que as práticas de mindfulness podem proteger contra o declínio cognitivo. E o desempenho cognitivo preservado e a estrutura neural preservada podem ser um indicador de reserva neural. Embora existam poucas pesquisas que relacionem reserva cognitiva e as práticas de Mindfulness, os estudos já realizados mostram resultados promissores que incentivam a continuidade da investigação.
Uma ajuda extra para os cuidadores
Um estudo sobre Mindfulness para cuidadores mostrou que receber o treinamento de mindfulness foi útil tanto para os cuidadores quanto para as pessoas em fase precoce das doenças demenciais. No estudo, o desenvolvimento da atenção plena ajudou a evitar a depressão, melhorou o sono e melhorou a qualidade de vida.
De acordo com os pesquisadores, doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer, são difíceis sobretudo para familiares próximos que são prestadores de cuidados. Quando cuidador e paciente passaram por uma intervenção de mindfulness juntos, o estudo demonstrou que ambos desenvolviam novas formas de se comunicar entre si.
Como esses pacientes apresentam perda de memória e mudança comportamental, normalmente cuidadores têm dificuldade para se comunicar de forma plena e centrada nos aspectos reais e não projetados de sua relação com o doente. O estudo demonstrou ainda que com o aumento da compaixão dos cuidadores os mesmos foram mais capazes de se comunicar, reconhecendo suas emoções e os gatilhos que levavam a reações não desejadas com seus entes queridos.
Impactos positivos do estudo sobre o Mindfulness X Cuidadores
- Diminuição do nível de estresse, do hormônio cortisol e da pressão arterial
- Melhora do sono
- Redução da dor crônica e irritações gastrointestinais.
- Ajudou a gerenciar a depressão, ansiedade, dependência e quaisquer outras condições mentais prévias dos participantes
As práticas de Mindfulness seriam então, uma importante escolha na promoção da saúde mental e emocional no envelhecimento, considerando que o estilo de vida é um fator relacionado à reserva cognitiva e também um fator de proteção.
(*) Marcia Paviani – Psicóloga Clínica. Especialista em Terapia Cognitivo Comportamental – HCFMUSP. Instrutora de Mindfulness – UNIFESP. E-mail: [email protected]
Referências
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