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O envelhecer no olhar de uma neta

Duas histórias completamente diferentes: duas mulheres que sempre buscaram a afirmação de sua singularidade. “A minha avó materna viajou várias vezes, seja sozinha ou com meu avô. Já, a minha avó paterna foi viajar pela primeira vez este ano”. Não foi possível prever como cada uma de minhas avós desenvolveria o seu próprio processo de envelhecimento.

Tainá Lacroix Rosenkjar dos Santos e Ruth Gelehrter da Costa Lopes *

Este texto trata de temas relacionados à velhice, colocando-os como algo subjetivo para, dessa forma, desconstruir a ideia de ser possível generalizar uma fase da vida, como já é colocado em diversas leituras científicas. Esquecemos que em todas as etapas da vida nos colocamos como seres singulares, afirmando nossa particularidade para o mundo, porém parece que quando tratamos do envelhecer, perdemos um pouco o tato e acabamos deixando de lado a individualidade do sujeito, para tratar homogeneamente essa população.

Para analisar essas questões, trago uma experiência particular: a convivência com as minhas avós em que, cada uma, em sua vivência, escolhe envelhecer como assim quiser. Dialogo buscando fundamentar a minha visão de que não necessariamente podemos prever como será o próprio envelhecer, levando em consideração apenas a história de vida do indivíduo, pois essa etapa da vida se torna mais delicada dependendo da aceitação da pessoa.

Ferrigno (2006) fundamenta, em um dos seus artigos, a busca da identidade pessoal, porém ele coloca em discussão como essa identidade é pautada pelo meio social, profissional, acadêmico e etc. Isso nos faz pensar em uma amplitude desse termo “identidade pessoal” para “identidade psicossocial” que engloba o social e o pessoal.

Parece não existir uma cisão dessas identidades nos dias de hoje, devido à globalização que vivemos. Levanto um questionamento da qualidade do envelhecer que proporcionamos aos idosos da nossa sociedade, pois claramente eles não se enquadram no meio globalizado dos dias atuais, devido a diversas restrições que incapacitam essa imersão, desde a dificuldade na busca de trabalho até a complexidade no uso dos aparatos tecnológicos.

Isso ocasiona um distanciamento das gerações. Ferrigno (2006), ressalta que quando envelhecemos, perdemos os contatos sociais, seja por morte ou por afastamento. Isso aumenta o isolamento, o que leva ao recolhimento reservado ao espaço doméstico e a perda da “identidade psicossocial”.

As avós…

Minhas duas avós pertencem a mundos distintos, onde uma vive sozinha em seus admiráveis 93 anos e, a outra, vive com o marido, rodeada de netos e filhos, em seus notáveis 76 anos.

Minha avó paterna trabalhou fora a vida toda, vivendo para sustentar a família, pois meu avô se aposentou muito cedo. Já a mais velha, a avó materna, se casou com 35 anos – um casamento tardio para a época. Trabalhou fora a revelia do pai, não se casou na igreja e, para chocar ainda mais a sociedade da época, casou-se com um vestido curto, além de ter sido pioneira em tratamentos para engravidar.

Histórias completamente diferentes, de mulheres que sempre buscaram a afirmação de sua singularidade. A minha avó materna viajou várias vezes, seja sozinha ou com meu avô. Já, a minha avó paterna foi viajar pela primeira vez este ano.
Essas informações são importantes para que o leitor entenda o envelhecer de cada uma. Minha avó materna vive sozinha em um bairro de São Paulo – não mantém vínculo social – ela permanece presa em seu apartamento, mesmo com boa saúde. Ela costuma dizer: “isso é coisa de velho, eu não sou velha”. Em contrapartida, quando buscamos atividades que tragam um pouco mais de movimento para seu dia, ela rebate com a desculpa de que “é velha demais para isso”. Ela se entregou ao papel de uma idosa presa ao lar, solitária.

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A minha avó paterna, depois que recebeu um laudo de demência, decidiu mudar a própria vida. Antes ela vivia para cuidar da casa, dos netos e dos filhos. Agora ela simplesmente diz que não fará mais isso, “quer tomar sol”. Ela se permitiu viver para cuidar um pouco mais dela, viajar e conviver um pouco mais com as irmãs que ainda são vivas.

Com base nos estudos sobre as velhices e o envelhecimento, vejo que minha avó materna não aceita o envelhecimento; ela acredita que isso a torna incapaz, que limita a sua existência. Esse medo possui um fundamento, pois a nossa cultura não aceita as limitações biológicas dos idosos, forçando-os a tarefas pré-definidas.

Minayo diz que esse é um dos grandes mitos, pois não necessariamente existe uma delimitação das tarefas que os idosos possam realizar, devido à deterioração do corpo. Óbvio que existem limitações físicas devido à idade, mas não podemos enquadrar todos no mesmo perfil, pois isso acaba excluindo a singularidade de cada um. Não sabemos como cada indivíduo lidará com o envelhecer, pois existem idosos que gostam de atividades físicas e as praticam diariamente. Outros, como é o caso da minha avó, que se prendem a um padrão imposto pela sociedade de que todos os velhos devem agir de uma tal maneira.

A autora levanta que esse imaginário negativo do velho, que não produz renda para sua família, que vive de uma pequena aposentadoria, que não é mais útil à sociedade, é reforçado pela população adulta.

Outro mito trazido por Minayo é o da velhice como um problema devido a conflitos intergeracionais. Ela usa essa terminologia para definir uma situação onde existe um ambiente doméstico com pessoas de diversas idades e, devido às distâncias e diferenças de gerações, acabam desenvolvendo situações conflituosas.

Quero trazer esse questionamento voltando um pouco à história da minha avó paterna, onde ela passou a não só olhar mais para os problemas familiares, mas buscou uma forma de viver por ela. Quando ela assume um papel que não era o conhecido pelos familiares, eles a julgam como louca – algo que faz parte da doença – e acabam cobrando o comportamento anterior, pois lhes favorecia. Isso é um grave problema: colocar um idoso nessa situação é problemático, pois voltamos ao fato de que o idoso só é útil para a sociedade quando está produzindo.

Conclusão…

Não foi possível prever como cada uma de minhas avós desenvolveria o seu próprio processo de envelhecimento. Precisamos descontruir os conceitos e olhar com mais atenção e cuidado para esse processo, pois lidamos com seres complexos e, não podemos esquecer, que existem singularidades implicadas nessa trama que é o envelhecimento.

* Tainá Lacroix Rosenkjar dos Santos – Aluna do curso de graduação de Psicologia, da Pontifícia Universidade Católica – PUCSP, 5º semestre. Ruth Gelehrter da Costa Lopes – Supervisora Atendimento Psicoterapêutico à Terceira Fase da Vida. Profa. Dra. do Programa de Estudos Pós Graduados em Gerontologia e do Curso de Psicologia, FACHS. E-mail: ruthgclopes@pucsp.br

Referências

FERRIGNO, J.C. Velhices Reflexões Contemporâneas. São Paulo: SESCSP/PUC-SP, 2006.

MINAYO, M.C. Velhices Reflexões Contemporâneas. São Paulo: SESCSP/PUC/SP, 2006.

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