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O enterro sustentável

A Terra seria um lugar muito melhor para se viver se, ao invés de demandar recursos da natureza para os funerais ao estilo atual da “cidade dos mortos”, todos adotassem um enterro sustentável, utilizando a Capsula Mundi. Cada pessoa morta poderia virar uma planta e fazer parte de uma imensa floresta de bilhões de árvores que poderiam, além de abrigar a biodiversidade e recuperar as nascentes e veios d’água, retirar gás carbônico da atmosfera e lançar oxigênio no ar. Sem dúvida, nesta nova perspectiva, o mundo poderia reduzir o aquecimento global, sendo, ao mesmo tempo, mais verde, menos funesto e mais vivo.

José Eustáquio Diniz Alves *

 

Na luta pela vida e pela sobrevivência, a humanidade já provocou grandes alterações nos ecossistemas do Planeta. Desmatou florestas para explorar as madeiras de lei, fazer carvão e ampliar as atividades da agricultura e da pecuária. Represou rios, drenou pântanos, alterou a paisagem natural. Revolveu a terra para extrair minérios, foi buscar petróleo no fundo do subsolo e emitiu gases de efeito estufa que alteram a química da atmosfera, provocando o aquecimento global e a acidificação dos solos e das águas. Mais da metade da população mundial vive em áreas urbanas e aumenta agressivamente o número de megalópoles com mais de 10 milhões de habitantes.

Em decorrência de tudo isto, há um reconhecimento de que não dá mais para continuar neste ritmo insustentável. É preciso buscar todas as alternativas para evitar a crise ambiental que ameaça o bem-estar de todos os seres vivos do campo e da cidade. Sem dúvida, a humanidade precisa mudar o estilo de vida. Mas não é suficiente. Há também propostas para se mudar o estilo de morte, reconfigurando os enterros e os cemitérios, para um desenho mais amigável ao meio ambiente.

A antropologia histórica diz: “a cidade dos mortos antecede a cidade dos vivos”. Ou seja, mesmo antes do surgimento do Homo Sapiens, há 200 mil anos, o gênero Homo já cultuava o espírito e a memória dos antepassados. Na Era Paleolítica, os mortos foram os primeiros a ter uma morada permanente, quer seja em uma caverna, uma cova assinalada por um monte de pedras ou um túmulo coletivo. A “cidade dos mortos” já estava presente, mesmo quando a humanidade era nômade.

As pirâmides do Egito – uma das sete maravilhas do mundo antigo – eram templos construídos para os mortos. Envolveram o trabalho de dezenas de milhares de trabalhadores e escravos, empobreceram a economia e custaram a vida de muitos. Sarcófagos luxuosos foram edificados para eternizar as desigualdades sociais. Monumentos funerários foram construídos para satisfazer as aspirações religiosas da transfiguração da hierarquia da sociedade.

Dizem que “O túmulo é o limite das vaidades e pretensões humanas”. Mas muitos túmulos se tornam monumentos à arrogância, à concorrência, à exibição e à presunção das famílias. Diversos cemitérios se tornam atração turística por serem “museus a céu aberto”, onde estão expostas, nos túmulos, obras caras de famosos e variados escultores. Existem cemitérios dos ricos e dos pobres e, mesmo de forma desigual, ambos têm impacto ambiental.

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Os cemitérios ocupam cada vez mais espaços e muito material, como aço, madeira e cimento, que são usados para enterrar um corpo e expandir os túmulos. O fluído de embalsamar e cuidar dos corpos (formaldeído) é tóxico. Mesmo o processo de cremação tem impactos, como a quantidade de energia necessária para transformar um corpo em cinzas. Feitas em madeira de lei, as urnas funerárias utilizadas atualmente provocam desmatamento e são um desperdício de recursos naturais em um recipiente a ser consumido embaixo da terra ou no fogo crematório.

Contudo, para a sociedade sobreviver no terceiro milênio, de maneira biocêntrica, precisará alterar este ambiente fúnebre e ecologicamente incorreto. Assim como a humanidade superou a idade das cavernas, vai precisar superar a época dos caixões e das impactantes “cidades dos mortos”. Felizmente, já há uma opção mais ambientalmente responsável e que pode dar continuidade ao “ciclo da vida” na Terra.

A ideia inovadora está na proposta de Capsula Mundi, projetada pelos designers italianos Anna Citelli e Raoul Bretzel. Eles desenharam uma cápsula orgânica e biodegradável capaz de transformar os restos mortais em nutrientes para uma árvore. Sem utilizar madeira ou cimento, o corpo é colocado numa cápsula e enterrado. Depois, uma árvore ou semente é plantada acima da urna biodegradável para aproveitar a matéria orgânica gerada pela decomposição do organismo.

O tipo de árvore pode ser escolhido pela pessoa ainda em vida. A comunidade, os familiares ou amigos podem assumir a responsabilidade de cuidar da planta depois da partida da pessoa. Segundo os criadores, a ideia é transformar os atuais cemitérios – especialmente os mais tristes e pouco frequentados – em florestas que podem captar o carbono e reverter a Pegada Ecológica que a pessoa deixou em vida. As árvores contribuiriam para a recuperação ecológica e seriam uma maneira de manter a memória dos indivíduos que passaram para uma outra existência. Uma memória viva, segundo Anna Citelli e Raoul Bretzel.

A Capsula Mundi já é uma alternativa de enterro sustentável para os cidadãos. Mas seria uma grande alternativa ecológica para o mundo se fosse universalizada nestes tempos de crise ambiental. Segundo a Divisão de População da ONU, morrem, anualmente, cerca de 60 milhões de pessoas no mundo. Entre 2095 e 2100 devem morrer cerca de 120 milhões de pessoas por ano. No século XXI são estimados 8,8 bilhões de mortes humanas no Planeta.

A Terra seria um lugar muito melhor para se viver se, ao invés de demandar recursos da natureza para os funerais ao estilo atual da “cidade dos mortos”, todos adotassem um enterro sustentável, utilizando a Capsula Mundi. Cada pessoa morta poderia virar uma planta e fazer parte de uma imensa floresta de bilhões de árvores que poderiam, além de abrigar a biodiversidade e recuperar as nascentes e veios d’água, retirar gás carbônico da atmosfera e lançar oxigênio no ar. Sem dúvida, nesta nova perspectiva, o mundo poderia reduzir o aquecimento global, sendo, ao mesmo tempo, mais verde, menos funesto e mais vivo.

Referências

Derek Markham. Capsula Mundi aims to help you turn into a tree after you die, Tree Hugger, 27/05/2016 Acesse Aqui

* José Eustáquio Diniz Alves – Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. Membro da rede de colaboradores do Portal do Envelhecimento. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

José Eustáquio Diniz Alves

Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE/IBGE. Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br. Link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

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