O direito a ser idoso(a) - Portal do Envelhecimento e Longeviver
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O direito a ser idoso(a)

O direito a ser idoso(a), sem ressalvas e sem complicadores, é inegavelmente uma garantia a todo(a) aquele(a) que vive e que, porque vive, envelhece.


Parece bastante óbvio que ser idoso(a) seja um direito, haja vista que o ordenamento jurídico traz uma quantidade bastante significativa de garantias legais à parcela da população que no Brasil possui 60 anos ou mais, como as que estão dispostas na Política Nacional do Idoso (Lei Federal n.º 8.842, de 04 de janeiro de 1994) ou no Estatuto do Idoso (Lei Federal n.º 10.741, de 01 de outubro de 2003), dentre outros. Todavia, quando nos deparamos com algumas situações fáticas, concluímos que a realidade aos que possuem 60 anos ou mais leva a caminhos muito distantes da suposta obviedade a poderem ser quem são, em acatamento às garantias legais vigentes, em especial quando considerados alguns complicadores ao exercício deste direito.

Um destes complicadores se deve ao fato de que a passagem dos anos traz, em incontáveis contextos, rotulações genéricas (e muitas vezes grosseiras, para se dizer o mínimo) às pessoas mais longevas.

Muitas pessoas com idade avançada passam a ser vistas/ chamadas/ consideradas, por exemplo, como o(a) velho(a), o(a) idoso(a), o(a)senhor(a), o senhorzinho/a senhorinha, o(a) vô(ó), aquele(a) ali, aquele(a) gagá lá, aquele(a) que não ouve/não enxerga mais, aquele(a) que só dá trabalho, aquele(a) que não tem mais o que escolher, aquele(a) que não precisa dizer nada porque não precisa, aquele(a)  que só faz atrapalhar/que só tumultua/que só atrasa, dentre tantas outras.

Não é incomum, portanto, que pessoas mais longevas percam, muitas vezes, uma infinidade de direitos exatamente porque são idosas, como, por exemplo e dentro das rotulações citadas, o direito a terem sua individualidade considerada e preservada, o direito a serem chamadas pelo próprio nome, o direito a não desejarem receber pronomes de tratamentos como os mencionados e o direito a terem sua autonomia e sua dignidade respeitados, independentemente da idade que tenham.

Ter o direito a ser idoso(a) encontra ainda muitos outros obstáculos ao seu exercício, haja vista que aos olhos de muitos, a idade elevada é um fator automático e indiscutivelmente atrelado à problemas, das mais variadas ordens.

Pessoas longevas são vistas e consideradas como inúmeros problemas, por exemplo, por parte de quem não lhes oferecem e/ou possibilitam o exercício de profissões em condições dignas e/ou de igualdade aos demais, mais jovens, aos que lhes vetam a possibilidade de compartilhar seus ensinamentos e as suas experiências, aos que lhes inviabilizam a satisfação de muitas de suas necessidades em decorrência da imposição de exigências que não são facilmente compreensíveis e/ou executáveis nem mesmo pelos mesmos longevos, dentre tantos outros casos.

Fato é que, independentemente da situação, ser idoso(a) é um direito que encontra incontáveis obstáculos para que seja plenamente satisfeito, nos evidenciando uma realidade que precisa ser repensada, revista e reformulada, uma vez compreendida e conhecida a causa de todos eles.

Os obstáculos ao direito de ser idoso(a), somados ou individualizados, nos levam a um único nome que pode muito bem resumi-los: o etarismo.

Também chamado de idadismo ou ainda de preconceito contra a idade, o etarismo é um grande complicador ao exercício de direitos por parte da população longeva, já que, de pronto, como expusemos, impede aos titulares de muitas garantias legais o simples direito a serem quem são: idosos(as).

As causas dos complicadores que levam ao etarismo estão relacionadas a práticas que ainda estão muito enraizadas na sociedade brasileira, mesmo que se saiba que o Brasil é um país que inquestionavelmente envelhece, haja vista que, segundo pesquisas, a partir de 2031, haverá no território nacional mais idosos do que crianças e/ou adolescentes.

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É corriqueiro o hábito de se atrelar a idade elevada à complicadores que, ao senso comum e generalizado, valem e incidem para todos, única e exclusivamente por conta da passagem dos anos, como problemas de saúde, de capacidade, de empenho, de fragilidades, dentre tantos outros.

Esta atitude leva ainda à construção de muitas outras proposições tão erradas quanto, como, por exemplo, às afirmativas de que idosos não podem trabalhar, de que todos os idosos são doentes (ou de que, se não são, em breve serão), de que não sabem resolver nada sozinhos, de que já deram suas contribuições sociais e de que hoje são apenas um peso econômico-social, dentre outras.

A menos que se faleça em um tempo cronológico não tão extenso de existência, qualquer ser humano que nasceu com vida um dia será idoso(a) e, esta falta de consciência ou de autopercepção, acaba levando muitas pessoas a práticas absolutamente questionáveis, que impactam de maneira massacrante no direito a ser idoso(a), àquele(a)(s) que já pode(m) dele usufruir.

Assim, é necessária e urgente a adoção de práticas de conscientização e de divulgação de informações a respeito do etarismo/do idadismo/do preconceito contra a idade, seja de maneira individual, seja de maneira coletiva.

Mudanças de posturas, de pensamentos, de atitudes e, num patamar inegavelmente tão necessário quanto, de políticas públicas, são medidas que precisam ser adotadas e perseguidas, na mesma escala de crescimento que a população vítima de preconceitos, das mais variadas ordens, por conta da idade que tem.

É urgente a necessidade de revisão e de uma aplicabilidade mais eficiente de normativos sociais e de legislações, que precisam se valer da força coercitiva que têm para, eventualmente, por exemplo, passarem a criminalizar de maneira mais rigorosa a prática de determinados atos e ainda valerem, de fato, a todos os que deles necessitam.

Que possamos buscar pela disseminação de maiores conhecimentos sobre a velhice e sobre o envelhecimento e, por consequência, sobre práticas de combate ao etarismo, em uma escala que se apresente crescente, na mesma proporção de crescimento da população que desta prática é tão vítima, já que o direito a ser idoso(a), sem ressalvas e sem complicadores, é inegavelmente uma garantia a todo(a) aquele(a) que vive e que, porque vive, envelhece.

Foto destaque de Chevanon Photography/Pexels


Natalia Carolina Verdi

Advogada, Mestre em Gerontologia Social pela PUC-SP, Especialista em Direito Médico, Odontológico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito, Especialista em Direito da Medicina pelo Centro de Direito Biomédico da Universidade de Coimbra, Professora, Palestrante, Autora, Presidente da Comissão de Direito do Idoso para o ano de 2022, junto à OAB/SP – Subseção Penha de França. Instagram: @nataliaverdi.advogada www.nataliaverdiadvogada.com.br E-mail: nvadvogada@gmail.com

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