Aposentadoria, empréstimos, violação do direito, família e instituições financeiras são temas que fazem parte do contexto de violência cometida contra a pessoa idosa, de norte a sul do país. Falta uma política de conscientização junto à sociedade, para que o respeito, o cuidado e o cumprimento da lei sejam trabalhados e executados pelas pessoas.
O Conselho Municipal do Idoso em Boa Vista, Roraima, recebe dezenas de denúncias de violência doméstica, que são encaminhadas ao Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e à Delegacia Especializada do Idoso, órgãos competentes para a realização dos procedimentos cabíveis.
Em declarações à mídia nacional, a presidente do Conselho, Graça Sousa, declarou que a maioria das denúncias é referente à violação dos direitos econômicos da pessoa idosa. Elas são feitas normalmente por vizinhos e familiares, de forma anônima.
Segundo ela, a violação dos direitos econômicos ocorrem quando uma terceira pessoa, normalmente membros da própria família, pega o cartão da aposentadoria e do benefício do idoso e não repassa o dinheiro ao usuário. “Eles tomam o cartão da aposentadoria, usam o dinheiro e o idoso fica passando necessidade”, disse Graça Sousa.
Em Roraima, além da violência financeira, ocorre com muita frequência a violência física, mas as pessoas idosas escondem os maus-tratos com medo de ficar sem os cuidados do agressor que, segundo a presidente do Conselho, são os próprios cuidadores ou familiares. Falta uma política de conscientização junto à sociedade, para que o respeito, o cuidado e o cumprimento da lei sejam trabalhados e executados pelas pessoas, disse a presidente do Conselho.
A notícia “Forçar empréstimo a cliente idosa, surda e analfabeta gera dever de indenizar”, assinala que bancos que se aproveitam da ignorância de pessoas que tiverem idade avançada para conseguir vender empréstimo consignado violam, além do Código de Defesa do Consumidor, as normas do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003).
Foi o que aconteceu com uma senhora acima de 80 anos, analfabeta e surda, no sul do país, que contratou três empréstimos consignados (com desconto diretamente na folha de pagamento), sendo que um deles era assinado por sua sobrinha, sem nenhuma procuração.
A senhora procurou a Justiça, afirmando que o banco não adotou na contratação as formalidades necessárias, gerando vício na manifestação de vontade e, assim, a nulidade de todo o ato jurídico. Como resultado, a 23ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul condenou uma instituição financeira a pagar indenização de R$ 7,2 mil, por “abuso de hipervulnerabilidade”, uma vez que ela violou o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso.
A idosa teve o pedido negado na primeira instância, mas a relatora do recurso, desembargadora Ana Paula Dalbosco, avaliou que havia irregularidades na forma de concessão do crédito, justificando que as facilidades em obter esse tipo de empréstimo “redundam em verdadeiras armadilhas”, e idosos têm dificuldade de enfrentar as “agressivas e sofisticadas técnicas de cooptação de clientela”.
Apesar de reconhecer a possibilidade de que uma pessoa analfabeta faça negócios, a relatora disse que a cliente “por ciência própria não teria como tomar conhecimento das cláusulas contratuais”. “E, da surdez, decorre a certeza de que sequer poderia o banco recorrido validamente argumentar que alguém teria lido para ela o que no contrato constava, pois o que fosse lido não seria ouvido”, escreveu.
A desembargadora escreveu ainda que a idosa não tem nenhuma obrigação de pagar o valor uma vez que quem assinou um dos contratos foi a sobrinha da autora sem ter poder para isso.
O banco tem que devolver todas as parcelas descontadas no contracheque da aposentada, devidamente corrigidas.
Idosos com nome sujo
Embora nenhuma das notícias mencione a causa, uma das hipóteses de muitos idosos estarem com nome sujo na praça seja justamente por causa dos empréstimos consignados. Pesquisa realizada pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e o portal de educação financeira Meu Bolso Feliz aponta que três em cada dez idosos (32%) já tiveram o nome sujo no Brasil no último ano.
Segundo a notícia “3 em cada 10 idosos estavam com o nome sujo no último ano”, a preocupação com os familiares é um dos principais motivos para os consumidores com mais de 60 anos não conseguirem fazer um pé de meia: quase a metade dos entrevistados (47%) diz que pensa no futuro da família e deixa de economizar dinheiro. A maioria (57%) dos idosos não possui qualquer tipo de reserva financeira ou investimentos.
A pesquisa entrevistou pessoalmente 632 homens e mulheres com mais de 60 anos pertencentes a todas as classes sociais nas 27 capitais brasileiras.
Dois em cada dez idosos (21%) que tiveram o nome sujo não conseguiram pagar as contas porque emprestaram o nome para financiar compras e tomaram empréstimos para amigos e parentes. Já 19% apontam o mau planejamento financeiro como motivo das dívidas, que é seguido por problemas de saúde (11%), descontrole dos gastos (8%) e cobranças indevidas (6%).
Seis em cada dez entrevistados com mais de 60 anos (60%) não sabem saber calcular os juros de empréstimos. Segundo estimativas do SPC Brasil, o número de idosos inadimplentes atinge 4 milhões, cerca de 25% da população acima de 65 anos.
A média de crescimento de inadimplentes na base de dados do SPC Brasil é de 3,8%, enquanto entre a população de 64 a 94 anos este número sobe para 7,5%.
O Benefício de Prestação Continuada (BPC) foi outro tema presente na mídia. Trata-se de um direito garantido pela Constituição Federal de 1988 também é amparado na Lei Federal 10.741, de 1º de outubro de 2003, que institui o Estatuto do Idoso. No artigo a que fazemos referência (ver abaixo) não há relação com a violência contra o idoso, mas em outros momentos chegamos a publicar denúncias sobre familiares que maltratavam os idosos para ficarem com esse benefício.
O BPC consiste no pagamento de 01 (um) salário mínimo mensal à pessoas com 65 anos ou mais de idade e à pessoas com deficiência incapacitante para a vida independente e para o trabalho, onde em ambos os casos a renda mensal bruta familiar per capita seja inferior a um quarto do salário mínimo vigente.
Que órgãos está envolvidos? Os recursos para custeio do BPC provem do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS). Ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) compete a sua gestão, acompanhamento e avaliação, e sua operacionalização, compete ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
O BCP e a pessoa com deficiência
A Lei do Benefício de Prestação Continuada teve algumas de suas regras alteradas (Lei 12.470, de 31.08.2011 e Decreto 7.617, de 17.11.2011) com o objetivo de estimular a qualificação profissional da pessoa com deficiência que recebe o BPC, favorecendo o seu ingresso no mercado de trabalho formal.
Antes, a pessoa com deficiência que recebesse o BPC e começasse a trabalhar tinha seu benefício cancelado. Com a alteração, o BPC é apenas suspenso, não mais cancelado. Assim, caso perca o trabalho, a pessoa volta a receber o BCP, requerendo apenas junto ao INSS a retomada do pagamento do Benefício.
Outra alteração é que agora a pessoa com deficiência que recebe o Benefício pode fazer um curso de aprendizagem profissional ganhando em torno de meio salário mínimo por mês e continuar recebendo o valor do BPC (1 salário mínimo) por um período de no máximo 2 anos.
Referências
CONJUR – Forçar empréstimo a cliente idosa, surda e analfabeta gera dever de indenizar. Disponível Aqui. Acesso em 01/02/2015.
G1 – Em RR, Conselho diz que principal violência contra idosos é a financeira. Disponível Aqui. Acesso em 03/02/2015.
INCLUSIVE – Sobre o Benefício de Prestação Continuada. Disponível Aqui. Acesso em 03/02/2015.
OAB Prev.Santa Catarina – 3 em cada 10 idosos estavam com o nome sujo no último ano. Disponível Aqui. Acesso em 04/02/2015.