Cristiane Pomeranz *
Estupendo! Ouro Preto é, sem dúvida, uma exclamação e esta é a que, talvez, mais se aproxime daquilo que esta cidade transmite aos seus visitantes.
No início do século XVIII até o final do século seguinte, o estilo Barroco desenvolveu-se em Minas Gerais e seu centro de desenvolvimento foi em Vila Rica, hoje, cidade de Ouro Preto.
Localizada a 95km da capital Belo Horizonte, Ouro Preto foi fundada em 1711 e tombada como Patrimônio Histórico da Humanidade em 1980.
Caminhar por suas ladeiras é encontrar em cada esquina, a história, a arte e a fé.
Palco de expedições que exploravam o ouro, a região, em 1823, recebeu o título de Imperial Cidade de Ouro Preto, conferido por Dom Pedro I, tornando-se a capital de Minas Gerias. Os exploradores que buscavam viver da extração deste ouro escuro, recoberto com uma camada de óxido de ferro, não paravam de chegar, carregando com eles nas suas bagagens, seus pertences, seus costumes e suas crenças.
Em meio a fé, santos e imagens religiosas eram trazidas de Portugal e de outras partes do Brasil para proteger os bravos exploradores, livrando-os assim de todo mal.
E a fé também era portátil, trazida e levada pelos viajantes como companheira em oratórios que acolhiam imagens sacras protegidas por pequenas portas que, quando abertas, espalhavam confiança e força para os corações destemidos e necessitados dos homens que almejavam conquistas e a riqueza do minério.
Decorados com pinturas barrocas e em formatos e tamanhos diversos, alguns oratórios eram pequenos o suficiente para serem carregados no bolso do viajante garantindo, através da aproximação física, a certeza da força da fé sentida.
E a ganância pelo ouro foi marcante nesse período que transformou Minas Gerias em palco do desenvolvimento econômico, cultural e artístico de uma época.
Suas igrejas douradas e ricamente entalhadas mostram a valorização do trabalho artístico desta fase que teve Aleijadinho como principal artista.
Filho de pai também talentoso e de mãe escrava, Aleijadinho nos emociona, até os dias de hoje, com suas obras e com seu talento. Ao olhar a escultura de Jesus Flagelado, no Museu da Inconfidência, é possível perceber a dor e o sofrimento entalhados com maestria na madeira. Impossível não se comover.
Escultores, entalhadores, pintores, artistas que revestiam a arte com folhas de ouro, músicos que compunham músicas sacras, todos tinham uma importância fundamental para este brilhar dourado de uma época artisticamente rica e bela. O Artista era valorizado e era a arte que dava sentido à vida.
O Ouro fazia a cidade crescer e com este crescimento a necessidade de tornar a fé, razão de ostentação de uma riqueza escavada, explorada e conquistada através do trabalho escravo.
Igrejas ricamente construídas em uma simetria fidedigna, expõe em sua arquitetura aquilo que não podia ser respeitado na vida daquela época: A Igualdade.
Se passarmos uma linha imaginária ao meio de uma igreja barroca de Ouro Preto, podemos verificar que tudo o que foi feito de um lado também foi feito no outro. A vida precisava ser organizada e o barroco mascarava a desorganização que havia entre os homens com sua riqueza de detalhes cobertas por folhas de ouro.
Tudo era simétrico e harmônico e bem diferente das relações sociais da época onde senhores eram donos de escravos que construíam verdadeiros templos sagrados para, mais tarde, serem proibidos de frequentá-los.
A fé dos brancos não podia se misturar com a fé dos negros.
Como solução, escravos construíram suas igrejas, que por sua história e por sua singela beleza, emocionam os visitantes que até hoje, ao entrar, quase que sentem o visível no poder da fé ali depositada.
Consideradas como o “esvaziamento do Barroco” as igrejas dos negros eram douradas, mas nem tanto. A riqueza não pertencia aos negros, mas a força de existir em meio a tanta injustiça, sim.
Hoje, aos 105 anos ele passeia com seu neto, já grisalho, nas proximidades da sua casa.
Orgulha-se em contar que foi comerciante por 90 anos e que continua fazendo contas de cabeça. Em um momento histórico voltado para a extradição do ouro e das pedras preciosas, Seu José percebeu a importância de abrir um comércio para vender alimentos aos exploradores. O ouro alimentava os egos, mas não matava a fome. Foi desta maneira que José se fez como sujeito.
Com passos pequenos e de braços dados, avô e neto buscam nestes passeios a oportunidade de receber o incentivo necessário que a mente de Seu José precisa: O estímulo da própria vida.
A Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos é seu passeio favorito. Igreja construída pelos escravos para os negros.
Devagarinho ele anda por todo corredor até chegar próximo ao altar.
Sentado no primeiro banco da igreja o homem de 105 anos reza.
E mesmo em silêncio, reza forte e reza alto.
Com o olhar em Nossa Senhora, a cena emociona a todos nós que ainda temos tanto a pedir e que mal lembramos de agradecer.
Qual o seu segredo?
Pergunta que faço ao perceber que a prece tinha sido encerrada.
De prontidão e com um sorriso aberto, sob o olhar do neto, ele me responde: Fé
Entendo e compreendo. Viver exige fé. Fé na vida. Fé no caminho a seguir. Fé no humano que nos insiste em amedrontar toda e qualquer crença. Fé na ciência que busca soluções através do conhecimento.
É preciso ter fé. Seu José me disse.
Não basta tratar o corpo físico se o corpo espiritual não for tratado, disse ele.
Cuidar de si só é possível, em sua integridade, se cuidarmos de manter a fé.
Uma tristeza aqui, superada por uma alegria ali.
A enfermidade que acomete o sorrir com a saúde que traz a energia para prosseguir, mesmo que em passos pequenos, como os do Seu José de 105 anos.
A vida segue. Sempre. Com a nossa fé em oratórios dourados, que quando fechados escondem o impulso que nos move a favor da vida.
É preciso abrir nossos oratórios para fazer uso da nossa fé desde já. Não há mais tempo a perder. Viver é rápido! É preciso! E necessário.
Amanhã seremos velhos, com rugas e passos mais lentos.
Se dermos sorte teremos um neto para passear carinhosamente de mãos dadas. Se os ventos estiverem ao nosso favor a vida será capaz de nos estimular o pensamento.
Vivamos a velhice! E que seja como um passeio pelas ladeiras de Ouro Preto onde é possível, em cada esquina exclamar: Estupendo!
Viver valeu à pena!
Que assim seja! Para os negros e para os brancos. Para Seu José, para mim e para você.
Para agora e para todo o sempre.
Amém!
* Cristiane T. Pomeranz é arteterapeuta, entusiasta da vida e da arte e mestranda em Gerontologia Social PUC-SP. Email: crispomeranz@gmail.com