Ícone do site Portal do Envelhecimento e Longeviver

“Nós não nos conhecemos, nós nos descobrimos”

Frase do célebre psicólogo James Hillman dá título à reflexão sobre o quanto para Judi Dench, atriz, a dificuldade ou impossibilidade de ler roteiros seja impactante. Não quero negar os processos degenerativos ou influências genéticas que provocam limitações muitas vezes significativas durante o envelhecimento; contudo, gostaria de ir além nesta reflexão já que o pensar sobre nós mesmos não pode ser reduzido ao pensar sobre o nosso corpo.

Isabella Quadros *

Domingo, dia de jornal recheado e me deparo com uma entrevista da atriz britânica a quem admiro muito pelo talento, Judi Dench (Revista Serafina, 29/03/15, Folha de S.Paulo). Um trecho do texto aparece em destaque despertando a minha atenção: “Não há nada de bom em envelhecer. Só o direito de se comportar mal”. Leio um pouco mais e fico sabendo que a atriz sofre de degeneração macular – “uma condição médica que resulta em perda de visão no centro do campo visual – e precisa que alguém leia os seus roteiros”.

Imagino o quanto para uma atriz a dificuldade ou impossibilidade de ler roteiros seja impactante. Não quero negar os processos degenerativos ou influências genéticas que provocam limitações muitas vezes significativas durante o envelhecimento; contudo, gostaria de ir além nesta reflexão já que o pensar sobre nós mesmos não pode ser reduzido ao pensar sobre o nosso corpo.

A segunda frase do trecho me intrigou: “Não há nada de bom em envelhecer. Só o direito de se comportar mal”. Afinal, o que significa se comportar mal? Será que ser mais autêntica nas suas ações e pensamentos? Ou preocupar-se menos com as opiniões alheias? Não seria a velhice uma fase onde, desobrigados de grande maioria das tarefas que assumimos ao longo da vida, pudéssemos seguir a nossa curiosidade e finalmente prestar atenção para a significativa parcela de vida não vivida que deixamos em suspenso por falta de tempo ou oportunidade?

Através da homogeneização do conceito de velhice, tão relacionado ao biológico e suas limitações, esquecemos que a capacidade de ter ideias e sentir prazer com isso é uma possibilidade real e muito relevante. Talvez o se comportar mal mencionado por Judy Dench possa também significar o se experimentar de outras formas, inéditas e não permitir que a vida na sua potência, seja substituída por rotinas despersonalizantes e repletas de horários regrados, tabelas ou injeções.

Recebe as últimas notícias!

Não perca nenhuma notícia, receba cada matéria diretamente no seu e-mail!

E por falar nisso, vale lembrar também o que sempre nos foi inadequado e que insistimos em manter na nossa bagagem ainda tão pesada. Será que não dá para reformular esse conteúdo? Jogar fora o que não nos serve mais ou nunca serviu?

Na meia idade uma verdade incide com força em nossas vidas: A consciência do que realizamos e nos tornamos até o momento e a certeza do que não nos tornaremos independentemente dos anseios e desejos. Sim, é um momento doloroso, de desilusões. Ao longo da vida experimentamos sucessivas máscaras e seguimos nesta tarefa que é a autodescoberta e o autodesenvolvimento. Mas eis que, na velhice, temos uma grande possibilidade de dispor delas com mais facilidade entrando em contato com quem realmente somos e para além do estado da beleza e da utilidade capitalistas. Que tal o ser mais importante que o ter? E proponho desde já uma troca: Encarar os fenômenos da velhice não como indicação de morte, de falta de horizonte, mas como uma iniciação para outros modos de vida!

Judy Dench resume tudo isso maravilhosamente no último parágrafo do texto: “Gosto de filmar com amigos porque posso ser boba na frente de quem me conhece muito bem, e isso é maravilhoso”. Poder a cada dia ser mais e mais quem somos é mesmo maravilhoso e isso, definitivamente é o oposto de comportar-se mal…

Leia mais

PRADO, Maeli. Aos 80, Judi Dench, a ‘M’ de 007, bola pegadinhas com a amiga Maggie Smith. Disponível Aqui . Revista Serafina, 29/03/15, Folha de S.Paulo

* Isabella Quadros é psicóloga e mestre em Gerontologia pela PUC-SP. É sócia da Anagatu IDH em Programas de Pós Carreira e colaboradora do Portal do Envelhecimento. Email: isabellaquadros@hotmail.com

Portal do Envelhecimento

Sair da versão mobile