O convívio entre netos e avós e até entre bisnetos e bisavós, vem se tornando mais frequente. Todavia, uma maior aproximação física decorrente da coabitação não, necessariamente, garante uma boa qualidade afetiva de tais relações. Percebemos, tanto na família, quanto na sociedade em geral, um incômodo distanciamento entre as gerações.
O aumento da longevidade; o maior tempo de permanência dos jovens na casa dos pais por falta de autonomia financeira; e o crescente aumento de separações conjugais, em decorrência do notório esmaecimento dos vínculos afetivos que temos presenciado, tem trazido de volta à sociedade brasileira a família tipo “ninho cheio”. Com isso, o convívio entre netos e avós e até entre bisnetos e bisavós, vem se tornando mais frequente. Todavia, uma maior aproximação física decorrente da coabitação não, necessariamente, garante uma boa qualidade afetiva de tais relações. Percebemos, tanto na família, quanto na sociedade em geral, um incômodo distanciamento entre as gerações.
A maioria que cuida de seus velhos é composta por mulheres. Na pesquisa de Yuaso (2007), do total de cuidadores, 84% são mulheres, destas 38% filhas, 34% esposas, 07% noras e 5% netas. A maioria tinha idade entre 50 e 79 anos. Pimenta et al. (2009) constatou que o perfil dos cuidadores portugueses é composto por mulheres de 55 anos em média que, além do idoso, tem sob seus cuidados outros membros da família. As solteiras são fortes “candidatas” a cuidadoras.
Se o modo de vida da sociedade atual já distancia as gerações na família e em outros espaços sociais, é possível presumir que a relação de crianças e adolescentes com idosos fragilizados possa ser ainda maior. Apontei em outro trabalho mais extenso (FERRIGNO, 2015) uma outra possibilidade de encontro entre jovens e idosos fragilizados por meio do trabalho voluntário tanto em domicílios quanto em instituições de longa permanência. Mas, na família, se, como vimos, apenas 5% das 84% das mulheres cuidadoras é formada por netas, a porcentagem de netos cuidadores do total dos 14% de homens cuidadores deve ser ínfima.
O que mais importa é a qualidade dessa relação, de modo que seja benéfica a todos os envolvidos. Todavia, em determinadas circunstâncias a falta de preparação e de cuidados éticos para esse encontro podem causar sobrecarga, constrangimento e até opressão sobre o jovem cuidador e sobre o idoso que é objeto de seus cuidados. Por isso, crianças envolvidas em cuidados de familiares podem ser acometidas por altos níveis de estresse. Crianças e adolescentes são incumbidos de cuidar de irmãos, de pais com algum grau de dependência e até mesmo de avós portadores de demências, devido aos altos custos de internação e de profissionais especializados.
Segundo a Associação Americana de Psicologia 1,4 milhão de crianças dos EUA, entre 8 e 18 anos, são responsáveis pelos cuidados de um dos pais, avós ou irmãos com algum transtorno. Como consequência do estresse pela sobrecarga de tarefas, esses meninos e meninas apresentam, entre outros problemas, prejuízos no desempenho escolar.
Aqui um rápido contraponto: percebemos que em muitas famílias as crianças são excessivamente poupadas de algumas obrigações. O exagero de mimos e privilégios pode prejudicá-las em seu desenvolvimento moral e emocional. Portanto, pequenos serviços prestados por crianças a seus familiares podem ser positivos para despertar nelas o valor da solidariedade. Desde que, como já dissemos, a atribuição de excessivas responsabilidades sejam evitadas de modo a não acarretar a elas sérios danos psicológicos.
O processo que leva um avô ou uma avó à demência desperta intensas emoções e reflexões nos netos que tem a oportunidade de acompanhá-lo. A transfiguração física e mental desse idoso impacta profundamente as crianças e os adolescentes da família. É o que nos mostra o documentário “What’s Happening to Grandpa?” (“O que está acontecendo com o vovô?”), produzido pela HBO e pelo National Institute on Ageing (HBO, 2018). Este filme, postado e legendado no YouTube, apresenta comoventes depoimentos de crianças e adolescentes com idades entre 6 e 15 anos, que lidam com avôs e avós que sofrem da Doença de Alzheimer.
O contato com a doença e com a morte física ou psíquica, no caso da demência, de um ente querido, pode se constituir em uma oportunidade para que jovens possam refletir mais profundamente sobre a finitude humana e, por consequência, dignificar cada momento da efêmera existência humana. A fragilidade e a dependência do ser humano podem vir a despertar sentimentos positivos nas pessoas do entorno, como o desejo de ajudar e a vontade de cuidar, que superam a sensação de obrigação.
Os benefícios físicos e emocionais para os idosos são óbvios. Creio que todos nós quando estamos fragilizados física e emocionalmente, sentimos um grande alívio por contarmos com o carinho e os cuidados de nossos familiares e amigos.
Este breve texto é um resumo de um artigo de minha autoria a ser publicado na Revista Portal de Divulgação no próximo mês de julho.
Referências
CAMPEDELLI, Maria Coeli et al. Grupo de cuidadores de idosos: uma experiência multiprofissional. Revista Âmbito Hospitalar, 1993; 46:46.
FERRIGNO, José Carlos. A relação entre o jovem e o idoso fragilizado: um raro e sugestivo encontro de gerações. In: PAPALÉO NETTO, M.; KITADAI, F.T. A quarta idade: o desafio da longevidade. São Paulo, Ed. Atheneu, 2015, p.187-195.
HBO. Documentário Alzheimer’s Project_Granpa do You Know Who I Am https://www.youtube.com/watch?v=M6uOXdWrWYM&t=126s acesso em 18/04/2018.
PIMENTA, Graça et al. Perfil do familiar cuidador de idoso fragilizado em convívio doméstico da grande Região do Porto, Portugal. Revista da Escola de Enfermagem da USP. Vol. 43, n. 3. São Paulo, set/2009.
YUASO, Denise Rodrigues. Cuidadores de idosos dependentes no contexto domiciliário. In: PAPALÉO NETO, Matheus. Tratado de Gerontologia, 2ª edição. São Paulo: Editora Atheneu, 2007, pp. 711-717.