Fui conferir a Sessão Averrões que acontece sempre na última segunda-feira de cada mês na Cinemateca de São Paulo. Uma sessão gratuita, proveniente da parceria entre Cinemateca, Hospital Premier/Grupo Mais e Oboré, cujo objetivo é a reflexão e ampliação das percepções sobre vida e morte.
Isabella Quadros Alvim *
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O tema da noite era “Música em hospitais e instituições para idosos”, um documentário de Luis Fernando Santoro sobre o trabalho coordenado por Victor Flusser em diversos países da Europa.
Durante a projeção, a música deixava explícita sua relevância: uma potência desencadeadora de emoções, sentimentos e sensações variadas. À medida em que os músicos entravam cuidadosamente em cada recinto do hospital ou instituição, algo quase instantâneo acontecia: um movimento de dedos, um sorriso, um choro emocionado, uma voz que surgia do fundo para acompanhar a melodia que preenchia o ambiente, “contaminando” a todos: pacientes, familiares e funcionários de recordações, histórias e de uma energia criativa, surpreendente, não esperada naquele contexto de confinamento e sofrimento, que tanto estigmatizam lugares assim.
À medida em que as imagens iam se sucedendo, nós, plateia, sentíamo-nos como se estivéssemos participando pessoalmente daqueles momentos. A música ultrapassando os limites da tela e envolvendo a todos: Ritmos acompanhados com os pés, sorrisos, aplausos diante de algumas cenas eram escutados com freqüência; estávamos unidos numa mesma energia, “contaminados” também.
Culturas e idiomas tão diversos e, ao mesmo tempo, uma mesma emoção, universal. O surgimento de uma nova possibilidade de diálogo, acessado pelos instrumentos, melodias e vozes e trazendo à tona habilidades, capacidades, desejos, tanto de cada um e que há pouco estava latente, esquecido.
Os músicos passam por um ano de treinamento, por acompanhamento psicológico e são orientados para se comunicarem exclusivamente através da música já que acreditam que a palavra pode facilmente interromper o fluxo das emoções. Os diversos profissionais envolvidos nestas instituições (geriatras, psicólogos, músicos, enfermeiros, pacientes) depõem a favor do poder transformador da música e do consequente impacto no ambiente e nas reações das pessoas presentes, sejam eles funcionários, familiares e, especialmente, pacientes o que pudemos constatar facilmente nas cenas exibidas.
Uma hora depois, ao final da exibição, um depoimento inesperado de um expectador que havia visitado uma das instituições na França: Francisco, médico do Hospital das Clínicas, relatou que ao entrar com os músicos num dos quartos, vislumbrou uma senhora com fisionomia de poucos amigos, sozinha no quarto. Quando os músicos entraram, contou que ela não esboçou nenhuma reação e ele até achou que ali não seria possível qualquer sensibilização. Era um quarto frio, sem vida e pôde perceber várias plantas que morriam em vasos de terra seca. Então, os músicos se entreolharam e começaram a cantar e tocar uma música antiga, provavelmente da época da juventude daquela senhora. Momentos depois, a senhora olhou para os lados como se estivesse despertando, levantou-se, pegou um copo de água e começou a regar as plantas. Um relato impressionante mas esperado para todos que tinham acabado de assistir tantas outras cenas emocionantes.
Saí literalmente tocada e encantada com a habilidade daqueles músicos para, através da música, acessar a música interna de tantas pessoas. O melhor da estória é que o objetivo desta mostra é divulgar o projeto e formar parcerias que viabilizem o início desta prática nas instituições e hospitais brasileiros. E a primeira semente foi plantada por aqui…
(*) Psicóloga e mestranda em Gerontologia pela PUC-SP. E-mail: ialvim@hotmail.com