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Morte intencional de idosos e a responsabilidade civil do médico

Médico é suspeito de matar pacientes com Covid-19 para liberar leitos de internação em um hospital italiano.

Moyses Simão Sznifer (*)


Em meio à pandemia do Covid-19, enfermeiros do hospital de Montichiari, na província italiana de Bréscia, notaram que o médico responsável pelo pronto-socorro adotava uma prática totalmente fora dos protocolos, qual seja, a aplicação de doses mortais de remédios inapropriados em pacientes internados com sintomas graves da Covid-19.

Conforme veiculado pelo portal www1.folha.uol.com.br: O caso se tornou público depois que Carlo Angelo Mosca, 47, recebeu ordem de prisão preventiva domiciliar, suspeito de ter matado intencionalmente pacientes com o anestésico propofol e succinilcolina, um bloqueador neuromuscular. Essas substâncias potentes são indicadas para situações de intubação pela traqueia, procedimento a que as vítimas não foram submetidas.

No dia 29 de janeiro, Mosca foi interrogado por duas horas e meia no Tribunal de Bréscia. Ele negou as acusações e, segundo seus advogados, deu esclarecimentos. Pouco antes das 10h, o médico chegou andando sozinho e foi cercado por jornalistas e câmeras, a quem se limitou a dizer, em voz baixa: “Sou inocente”.

No entanto, a juíza Angela Corvi, que aceitou o pedido do Ministério Público para a prisão domiciliar, justificou sua decisão dizendo reconhecer “graves indícios” de que Mosca cometeu homicídio doloso qualificado em ao menos dois pacientes.

Carlo Mosca é suspeito de matar pacientes com Covid-19 para liberar leitos de internação. A investigação, que começou em maio, levantou evidências de que as mortes de Natale Bassi, 61 anos, e Angelo Paletti, 79, foram causadas pelas doses fatais aplicadas pelo médico entre 20 e 22 de março.”

Além de sua condenação no aspecto criminal, o médico também deverá ser compelido a reparar os danos morais e materiais causados a todos os familiares desses pacientes idosos, em decorrência das mortes que deliberadamente provocou.

No âmbito da responsabilidade civil, a infidelidade do profissional ao prescrever e aplicar dolosamente tratamento diverso do necessário para a cura de enfermidade, com o escopo de ocasionar a morte de seu paciente, se constitui em evidente violação às obrigações e aos deveres assumidos perante a pessoa enferma e configura verdadeira inexecução do contrato de prestação de serviços médicos, sujeitando-o, portanto, a responder pelos danos daí advindos.

No Brasil esses atos dolosos também configuram evidentes violações às normas de defesa e proteção ao consumidor estipuladas pelo Código de Defesa do Consumidor. O médico para os fins do aludido Código deve ser considerado fornecedor de serviços (art. 3º., caput e § 2º., do Código) e o paciente consumidor. O contrato de assistência médica caracteriza uma relação jurídica de consumo.

A incidência das disposições constantes do Código de Defesa do Consumidor à prestação de serviços médicos afigura-se inquestionável, uma vez que se trata de um microssistema, de caráter público e social, devendo ser aplicado a todas as relações de consumo, sem qualquer exceção, incluindo-se obviamente as decorrentes do fornecimento dessa espécie de serviços.

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A aplicação das normas e princípios constantes do referido Código a toda e qualquer relação de consumo está respaldada na própria Constituição Federal, a qual inseriu a proteção ao consumidor como direito fundamental (art. 5º, inciso XXXII) e como princípio da ordem econômica (art. 170, inciso V). Dessa forma, a proteção que a própria Lei Maior conferiu ao consumidor deixa patente que o Código de Defesa do Consumidor deverá prevalecer mesmo em confronto com outros diplomas legais.

Ao tratar da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, o art. 14 do aludido Código prevê que o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços. Somente poderia não ser responsabilizado nas hipóteses de inexistência de defeito no serviço prestado, ou havendo culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Em relação aos profissionais liberais, o Código abriu uma exceção no tocante à responsabilidade objetiva, levando-a para o plano de apuração de culpa (responsabilidade subjetiva). Cabe, no entanto, salientar que ela só é admitida quando a prestação de serviços for obrigação de meio e não de resultado.

Com efeito, dispõe o parágrafo 4º do artigo 14º do Código que:

“§ 4º – A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.”

Destarte, nos contratos de meio (mais comuns nos dos médicos e dentistas) a vítima do dano ou seu eventual familiar deverá em juízo provar a ocorrência de: dolo, negligência, imprudência ou imperícia do profissional, para legitimar a pretensão de ressarcimento dos danos materiais e morais ocasionados.

(*) Moyses Simão Sznifer –  Advogado &  Consultor Legal, Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP-Especialista em  Obrigações e Contratos pela ESA/SP. Ex Membro do Ministério Público da União; Professor Universitário. E-mail: moyses 18@uol.com.br




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