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Morte adentro Médicos revelam que eutanásia é prática habitual em UTIs do país

Apesar de ilegal, a eutanásia -apressar, sem dor ou sofrimento, a morte de um doente incurável- é ato freqüente e, muitas vezes, pouco discutido nas UTIs de hospitais brasileiros. Dezesseis médicos ouvidos pela Folha confirmam que hoje o procedimento é comum e vêem a eutanásia como abreviação do sofrimento do doente e da sua família.

Cláudia Collucci, Fabiane Leite / da Reportagem Local Antônio Góis – da Sucursal do Rio

 

Entre eles, há quem admita razões mais práticas, como a necessidade de vaga na UTI para alguém com chances de sobrevivência, ou a pressão, na medicina privada, para diminuir custos.
Há nove anos, quando a “boa morte” foi proposta por meio de projeto de lei no Senado, houve debate, e médicos relataram com destaque o dia em que aliviaram o sofrimento de pacientes.
A proposta caducou, mas ainda discute-se o assunto por meio do projeto de reforma de Código Penal, que se arrasta na Câmara.

Nos conselhos regionais de medicina, a tendência é de aceitação da eutanásia, exceto em casos esparsos de desentendimentos entre familiares sobre a hora de cessar os tratamentos.
“Vamos deixá-lo descansar”. É assim que o médico avisa a família e dá início ao fim do sofrimento, diz o infectologista Caio Rosenthal, um dos conhecidos defensores da eutanásia quando não há mais recursos de tratamento.

Médicos e especialistas em bioética defendem, na verdade, um tipo específico de eutanásia, a ortotanásia, que seria o ato de retirar equipamentos ou medicações que servem para prolongar a vida de um doente terminal. Ao retirar esses suportes de vida, mantendo apenas a analgesia e tranqüilizantes, espera-se que a natureza se encarregue da morte.

Difere, portanto, da chamada eutanásia ativa, em que há ação direcionada para matar, como a administração de um veneno, como em “”Mar Adentro”, do espanhol Alejandro Amenábar, concorrente ao Oscar de filme estrangeiro e que estreou neste fim de semana em São Paulo.
Para o patologista Marcos de Almeida, é hipocrisia negar que a eutanásia seja praticada em UTIs brasileiras, onde é freqüentemente utilizado um coquetel de sedativos batizado de M1. “É feito de monte. O doente está em fase terminal, não se beneficia mais com a analgesia, o médico vai e aumenta a dose de sedação. Isso tem um efeito tóxico e vai levar o paciente à morte.”

Ainda segundo Almeida, professor de bioética da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a palavra eutanásia ficou estigmatizada, e as pessoas têm medo de usá-la. Ele acha necessário que uma legislação estabeleça critérios e condutas éticas para uma morte sem sofrimento. “A morte é um preço que merece ser pago para o alívio da dor”, afirma.

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Sem dúvida

Um médico intensivista de São Paulo que não quis se identificar relata que teve de tomar a decisão sobre a eutanásia durante um plantão, sozinho.

“Tínhamos um jovem de 18 anos baleado que precisava de terapia intensiva. A UTI estava lotada e havia um doente terminal mantido vivo graças a suporte tecnológico. Não tive dúvida.” Ele diminuiu o nível do aparelho que fazia o paciente respirar de forma artificial. A pessoa morreu algumas horas depois.

O médico intensivista José Maria Orlando, presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, porém, nega que a eutanásia seja freqüente nas UTIs.
De acordo com Orlando, hoje, com a tecnologia dos aparelhos de suporte de vida, como o respirador artificial, fica praticamente indefinido o tempo pelo qual é possível manter tecnicamente vivo um doente em estado terminal.

Em razão da eutanásia ser considerada crime, ele diz que os médicos ficam reticentes entre deixar que pacientes sobrevivam nessa condição ou retirá-los dela para que morram brevemente. “O médico se vê sob a espada da Justiça.”

No Estado de São Paulo, uma lei sancionada pelo então governador Mário Covas estabelece o direito de um doente terminal recusar o prolongamento de sua agonia e optar pelo local da morte. Covas, que morreu com câncer na bexiga, beneficiou-se dessa lei.

Segundo Marco Segre, professor de ética da Faculdade de Medicina da USP, a tendência é de aceitação da eutanásia em situações de doenças incuráveis. “A tendência é de não manter a vida a todo custo. Mas não podemos ir contra a lei”, afirma Segre.

Na opinião do padre Leo Pessini, especialista em bioética, a tecnologia existente nas UTIs transforma os pacientes terminais em “cadáveres vivos”. Pessini foi durante 12 anos capelão do HC de São Paulo. Atendeu a centenas de pacientes terminais que diziam preferir uma morte digna.
Prolongar artificialmente a vida também tem um custo alto para o sistema público, carente de vagas na UTI. Orlando diz que há pelo menos um paciente terminal em cada uma das 1.440 UTIs do país.

Fonte: Acesse Aqui, disponível em 20/02/2005.

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