Mobilidade a pé acolhe a longevidade - Portal do Envelhecimento e Longeviver
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Mobilidade a pé acolhe a longevidade

Quanto espaço é consumido em cada tipo de mobilidade? Os grandes centros urbanos realizam esta divisão de forma adequada? Os pedestres e ciclistas, modalidades baratas de locomoção disputam em igualdade o espaço urbano?

Ana Michela Lista Merchan (*)

 

As pessoas moram cada vez mais em cidades. Na América Latina é fato: as pessoas vivem em áreas urbanas. A vida se tornou urbana. O mundo é urbano. O envelhecimento, como consequência, também é urbano. E o que isso significa?

Como relatamos no artigo As cidades não estão preparadas para os que envelhecem, falta muito para que estas sejam lugares que acolham as pessoas idosas. A mobilidade é uma forma de acolher. E esse foi o tema tratado por Meli Malatesta, formada em engenharia de tráfego e que atuou por 35 anos na CET e atualmente é consultora e professora em políticas públicas, planejamento e projeto para Mobilidade Urbana Ativa durante o evento Diálogos intitulado “Cidade para Longeviver”, promovido pela PUC-SP e Banco Itaú, na cidade de São Paulo.

Meli Malatesta inicia sua fala perguntando ao público presente: quanto espaço é consumido em cada tipo de mobilidade? Os grandes centros urbanos realizam esta divisão de forma adequada? Os pedestres e ciclistas, modalidades baratas de locomoção disputam em igualdade o espaço urbano?

Questões que levaram a plateia a refletir, especialmente após Malatesta perguntar sobre qual é nossa responsabilidade quanto à necessidade de usar de forma racional o espaço da cidade. Segundo ela, “temos que usar com responsabilidade os recursos do planeta, e os espaços urbanos são um deles!”.

Ela mesma responde: “Você não está em um congestionamento, você é um congestionamento!”, apresentando pesquisa publicada no Estadão, em junho de 2016, em que demonstra o custo mensal por modalidade de transporte. Segundo ela, o sistema de informação da mobilidade urbana apontou que 41% na mobilidade mais utilizada pelas pessoas é a mobilidade a pé, seguida de 28% de transporte coletivo, o que implica, então, preparar as cidades, a fim delas estarem mais adequadas e preparadas para manter e ampliar este público.

Outros dados que a especialista em mobilidade a pé passou durante o evento foram os relacionados a custos. Por bicicleta gira em torno de R$40,95, enquanto de carro em torno de R$855,54. Segundo ela, esses dados dão subsídios para a discussão dos espaços nas cidades para os tipos variados de transporte. E mais uma vez pergunta: a concorrência é justa?

É bom andar a pé?

Meli Malatesta assinala que numa sociedade consumista o indivíduo que não possui um automóvel e opta pelo transporte coletivo, bicicleta ou mesmo a mobilidade a pé, é tido como fracassado. E pergunta, essa imagem ainda é uma realidade? Ela mesmo responde dizendo que talvez não, pois acredita que já entramos num movimento de conscientização que derruba essa ideia.

De acordo com Malatesta, além de outras questões já validadas como a contribuição para a saúde das pessoas, já se reconhece a importância de conhecer o entorno e se relacionar com a comunidade, assim como se sabe que quanto mais transeuntes mais segurança há nas ruas (vigilância informal).

No entanto, a especialista em mobilidade a pé lembra que para que os indivíduos sejam estimulados a cada vez mais andarem a pé, temos que ter uma cidade que receba de forma adequada este público, com calçadas largas, arborizadas, com bancos, pavimentação adequada… Atitudes que cabem ao poder público, sim; mas não só a ele, a cada um de nós também, diz Malatesta.

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Como é a caminhada do idoso na cidade?

Mais uma vez a própria especialista responde à sua pergunta: “Acredito que sabemos esta resposta, se a cidade não está preparada e adaptada para os cidadãos adultos, com certeza não atende aos mais velhos. Pois a cidade que se propõe a ser amigável para as pessoas é a cidade amiga do idoso.” E comenta que com pavimentação adequada, rampas de acesso, tempo adequado para travessia de ruas e avenidas, transporte público com entrada adaptada às pessoas com deficiência, corrimão em escadas. Para isso é necessário também educação para a cidadania, pois a reflexão do que “é bom para mim, minha família é bom para minha comunidade, minha cidade, é bom para o país que eu vivo”, deve ser ensinada em todas as escolas.

A especialista, no entanto, diz que não é isso o que se observa. E cita como exemplo os tempos dos semáforos da cidade de São Paulo destinados às travessias de pedestres, que mal dá para um jovem atravessar a faixa inteira, imagine uma pessoa idosa ou com crianças. Ainda no centro desta questão a prioridade é o automóvel e não as pessoas.

De acordo com Malatesta, o tempo do semáforo hoje é formado por 4 segundos de verde e o restante em vermelho piscante até ficar vermelho. Este tempo da travessia com o foco em vermelho piscante é, segundo ela, responsável por apressar as pessoas a terminarem suas travessias quando do exercício de seu direito de atravessar. Ao mesmo tempo impede de iniciar a travessia quem não conseguiu a façanha de fazê-lo nos 4 segundos iniciais apontados pela cor verde.

Segundo Malatesta, isso faz parte do código de cores para lidar com travessia do Conselho Nacional de Trânsito (Resolução 483/2014). Mesmo confrontando ao direito que o pedestre retardatário tem de completar sua travessia, garantido pelo Parágrafo Único do Artigo 70 do Código de Trânsito Brasileiro, em que diz: “Nos locais em que houver sinalização semafórica de controle de passagem será dada preferência aos pedestres que não tenham concluído a travessia, mesmo em caso de mudança do semáforo liberando a passagem dos veículos”, nada pode atrapalhar a prioridade dada aos veículos no direito ao uso do espaço e do tempo destinados à mobilidade em nossa cidade e garantida por esta resolução do Contran.

Meli Malatesta afirma então que se um dia realmente houver intenção e vontade política de uma gestão que ocupe a Prefeitura de São Paulo por colocar em prática o exercício legítimo da prioridade ao pedestre em seu direito básico de atravessar ruas com segurança e dignidade, este direito certamente não será exercido concedendo míseros segundos ao tempo de travessia já exíguo e longamente esperado.

Por fim, a especialista em mobilidade a pé conclui que o esperado e necessário é a adoção de uma mudança na forma de dividir o direito de passagem no espaço e tempo públicos entre os veículos e pedestres por formato que não seja o atual, já comprovadamente ineficaz. Não se trata da busca por um tempo mínimo necessário ao pedestre para atravessar de um lado a outro da via, mas sim o tempo necessário para que todos os pedestres consigam atravessar ruas da cidade com segurança e dignidade.

A palestra de Meli Malatesta aconteceu durante o evento Diálogos “Cidade para Longeviver”, realizado no Espaço Itaú de Cinema, em 29 de agosto, na cidade de São Paulo. O evento é uma parceria entre o Banco Itaú e a PUC-SP, por meio do Nepe (Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento). O evento contou com a Profª Drª Flamínia Ludovici, coordenadora do Mestrado em Gerontologia Social da PUC-SP e a participação de Simone Gallo, gerente de relacionamento do Itaú. A realização do evento foi do Portal do Envelhecimento, e mediação de Beltrina Côrte. Meli Malatesta é arquiteta e urbanista formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e com mestrado e doutorado pela FAU USP. Com 35 anos de serviços prestados à CET – Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo, sua atividade profissional foi totalmente dedicada à mobilidade não motorizada, a pé e de bicicleta. Atualmente, ministra palestras e cursos de especialização em Mobilidade Não Motorizada além de atuar como consultora em políticas, planos e projetos voltados a pedestres e ciclistas. Blog: https://www.mobilize.org.br/

Saiba mais sobre o assunto na reportagem de Neide Duarte:

(*) Ana Michela Lista Merchan – Assistente Social e mestranda no Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: michela.merchan@gmail.com

Fotos do evento: Rodrigo Gueiros

 

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