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Mais que um código de ética e teorias, é preciso sensibilidade e empatia

Segundo o Código de Ética do Hospital brasileiro: “o paciente e/ou seu responsável legal têm direito irrestrito a toda informação referente a sua saúde, ao tratamento prescrito, às alternativas disponíveis e aos riscos e contraindicações implícitas.”

 

No mês passado, durante as férias de julho, fui visitar minha avó. Uma senhora de 70 anos que luta contra um câncer de pulmão, metástase, um dos piores tipos dessa doença que, na minha concepção, judia e mata a pessoa aos poucos. Essa luta estende-se há quase 5 anos, em uma cidadezinha do interior de São Paulo. Sempre tive uma ótima relação com minha avó que me dizia com muita frequência: “Você é a única que me entende”. “Sinto falta de conversar com você”. “Você é a neta mais boazinha que tenho”. Enfim, sempre cumpri com meu papel de neta da melhor forma possível: ouvia, obedecia e sempre fiz todas as suas vontades.

Dessa vez, tive um sentimento diferente, vi minha avó, depois de 6 meses, em um estado extremamente triste para nossa família. A senhora forte e animada que gostava de cozinhar e sempre estava inventando coisas para fazer, costumávamos falar até que ela devia ser um pouco hiperativa, de repente envelheceu quase 30 anos, entregou-se ao câncer. Desanimada, um pouco depressiva, indiferente com tudo e com todos, dependente de alguém para fazer sua comida, caso contrário passa fome, pois não se levanta para esquentar um arroz sequer e também encontra-se fraca devido à falta de nutrientes e ainda apresenta fraqueza muscular, já que fica o dia inteiro sentada no sofá e deitada, após o almoço.

Essa situação me fez levar um “choque” e pensei : “Meu Deus, o que eu posso fazer para ajudar minha avó? Não posso simplesmente deixá-la nessa situação, o que eu faria se fosse minha paciente?”. A partir disso, comecei a estimulá-la, a dar uma voltinha pelo quintal, pela calçada, passei vários exercícios para melhorar a amplitude de movimento e força muscular, comprei bolinhas, pregadores, elásticos, enfim, tive todas as ideias pensando em minha avó como uma paciente, mesmo percebendo sua insatisfação e falta de interesse naquilo tudo. Até que em uma determinada hora, já irritada e brava, disse: “Credo, você é uma chatinha mesmo hein?”. Dei risada e disse: “Nossa vó, só estou querendo ajudar, fiquei triste agora, será que meus pacientes me acham uma chata também?”. Séria e nervosa olhou bem para mim e disse: “Sim, devem achar”, e desviou seu olhar como se dissesse: “Chega, já deu”.

Nesse momento, vi que meu desespero em querer ajudar minha avó fez com que eu esquecesse de que naquele momento a única pessoa que ela queria era a neta dela, e não uma Terapeuta Ocupacional, além de não ter olhado e perguntado: “ Vó, você quer minha ajuda? Qual a sua vontade?”

Minha avó sempre teve uma pré-disposição à depressão, mesmo antes de ficar doente. O câncer aumentou nos últimos meses, porém a família, juntamente com a médica oncologista, decidiram que não contariam a verdade devido à sua fragilidade emocional e, por isso, mantiveram a resposta que deram em seu último exame: “Os nódulos não aumentaram”. No início fui contra a decisão, não discuti com ninguém, mas diante dessa polêmica e, no momento, pensando como Terapeuta Ocupacional e em todos os artigos e pesquisas que havia lido sobre o assunto, achei um absurdo e pensava “tinham que dizer a verdade, isso não está certo”. Entretanto, ao me deparar com a minha avó triste e desanimada mudei meus pensamentos, tive o raciocínio de neta, de ser humano e não de profissional.

Diante dessa situação, surgiu-me a reflexão sobre as dificuldades enfrentadas não apenas pelos idosos acometidos por um câncer e seus familiares, mas também sobre os desafios encontrados pelos profissionais de saúde envolvidos no caso.

Em minha carreira profissional, nunca atendi um paciente da oncologia, mas com minha formação sei que para traçar qualquer tratamento é necessária uma avaliação quanto aos aspectos cognitivos, nutricionais, sociais, comportamentais e psicológicos e que para todos esses testes é fundamental a participação de uma equipe multidisciplinar.

Após esse primeiro passo e dado o início do tratamento, começam a surgir os desafios que devem ser enfrentados pelo paciente, familiares e profissionais. Quando chega ao estado em que minha avó se encontra e o tratamento não faz o efeito esperado, vem o dilema: contar ou não contar para o paciente.

Contar ou não contar

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O estudo de Visentin e colaboradores apontam que revelar ou não o diagnóstico ao paciente idoso oncológico não é uma tarefa fácil, gera dilemas e questionamentos éticos que exigem dos profissionais de saúde a tomada de decisão que, embora seja comum na relação profissional e paciente, ainda é um tema pouco abordado para discussão, e quando há necessidade de fazê-la, ocorre apenas baseada em experiências e valores pessoais.

De acordo com os preceitos médicos relacionados à bioética, o paciente tem todo o direito de saber a verdade sobre sua doença. Segundo o Código de Ética do Hospital brasileiro: “o paciente e/ou seu responsável legal têm direito irrestrito a toda informação referente a sua saúde, ao tratamento prescrito, às alternativas disponíveis e aos riscos e contraindicações implícitas.”

E foi por meio dessas informações, que, em um primeiro momento, julguei a médica da minha avó e pensei: “Como uma médica pode dar essa orientação a nossa família? Isso não é ético”, mas depois de ver minha avó lembrei-me que minha mãe disse: “Decidimos não contar a ninguém, como a própria médica disse:

Conheço cada um de meus pacientes, e sei que sua mãe não vai aguentar a verdade. Se o quadro dela piorar não será devido ao câncer e sim ao estado emocional no qual ela se encontra e por meio da verdade a tendência é ela se entregar fatalmente à doença”.

Com isso refleti e observei muito toda a situação, e percebi que no fundo ela sabe que sua saúde não está tão boa assim. Provavelmente ela sente, ela percebe, ela vive diariamente com as dores na coluna e com as tosses cada vez mais constantes. Não precisa ninguém dizer, ela nunca nos questionou sobre estarmos escondendo algo. Mostra-nos alguns nódulos que estão surgindo em sua barriga, demonstrando medo em saber o que eles podem significar.

Conhecemos bem essa senhora de 70 anos. Tenho certeza de que ela também tem medo em ouvir a verdade, assim como eu também teria caso estivesse em seu lugar. Por isso, colocando-me na mesma situação na qual ela se encontra hoje tenho a convicção de que a oncologista nos deu a orientação correta. Vinsentin e colaboradores dizem que a tomada da decisão adequada certamente levará em conta a condição bio-social-espiritual, seus valores, seus princípios. A tomada de decisão está determinada pela autonomia e orientada pela individualidade do idoso, considerando o processo de envelhecimento e sua doença, e acrescento ainda mais, respeitando sua história. Por isso afirmo que minha avó não ficaria brava conosco se soubesse dos fatos, pois tem consciência de que não é uma daquelas pessoas que tem uma estrutura para enfrentar a realidade e mesmo assim ela é forte, é guerreira. Apesar da fragilidade emocional e debilitação física, ainda mantém dentro de si aquilo que muitos estudos apontam como um instrumento-chave para o enfrentamento da doença: a fé. E como sei disso? Porque suas últimas palavras para mim ao nos despedirmos foram “Vai com Deus, filha, e reze para que a vó melhore logo”.

Temos o preceito ético que diz que o paciente deve e tem o direito de saber a verdade, não discordo, mas também temos estudos que nos dizem que devemos olhar a individualidade de cada sujeito, as vontades, os desejos, as habilidades, as limitações, as dificuldades. Cada um com sua individualidade, por isso é necessário avaliar, como a médica de minha avó fez, é preciso que o profissional tenha muito mais do que um código de ética e teorias na cabeça. É preciso sensibilidade e principalmente empatia.

Referências

Trevizan, M. A., Mendes, I. A. C., Lourenço, M. R., & Shinyashiki, G. T. (2002). Aspectos éticos na ação gerencial do enfermeiro. Revista Latino-Americana de Enfermagem10(1), 85-89.

Visentin, A., Labronici, L., & Lenardt, M. H. (2007). Autonomia do paciente idoso com câncer: o direito de saber o diagnóstico. Acta Paulista de Enfermagem20(4).

 

 

 

Ana Beatriz Almeida

Graduada em Terapia Ocupacional pela Universidade Estadual Paulista – UNESP e Mestre em Gerontologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). E-mail: ana_bia_09@hotmail.com

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