As pessoas desejam vínculo, cuidado e sensibilidade por parte de seu médico e o contato continuado – longitudinalidade – pode tornar este desejo realidade.
Há muito se sabe que o médico chamado de família, aquele que conhece a nós e nossa família há anos, tratando desde a avó até o neto, está associado a uma melhor qualidade de vida e a mais saúde. Agora, porém, pesquisas científicas comprovaram esta afirmação: foi publicada na revista médica BMJ Open a primeira revisão sistemática que relaciona mortalidade e continuidade dos cuidados.
Neste artigo, os pesquisadores descartam que os avanços da medicina nos últimos 200 anos, desde a teoria dos germes até o sequenciamento do genoma humano, geraram uma compreensão mais profunda da prevenção e tratamento de doenças, mas foram relacionados principalmente a fatores físicos e não a aspectos humanos do atendimento médico.
Sir Denis Pereira Gray, que liderou a investigação, disse: “Houve enormes avanços na tecnologia – e eles tiveram muita publicidade – mas o lado humano da medicina tem sido um pouco negligenciado”.
O estudo, uma colaboração entre a clínica St Leonard’s Practice em Exeter e a Universidade Exeter Medical School, investigou, principalmente, se níveis mais altos de continuidade de cuidados, em qualquer ambiente, com qualquer grupo de pessoas, estavam associados à mortalidade alterada, encontrando que níveis mais altos de continuidade do cuidado foram associados a menores taxas de mortalidade.
A continuidade dos cuidados incluiu aqueles recebidos tanto de médicos que trabalham em atenção primária à saúde quanto de especialistas, e incluiu estudos em nove países de seis continentes diferentes, sugerindo que o efeito não está limitado a uma especialidade médica ou a um sistema de saúde. A qualidade dos cuidados foi associada pelas pessoas a um médico mais sensível, à individualização dos cuidados por elas recebidos e ao entendimento, por este médico, de suas necessidades.
De acordo com Sir Dennis, há lições importantes a serem aprendidas com os resultados. “Dar ao paciente o médico que ele quer é visto como uma conveniência, enquanto agora eu penso – após este resultado – é uma questão de qualidade do atendimento médico. Os pacientes se comunicam melhor com alguns médicos do que com outros, mas o relacionamento pessoal tem sido desvalorizado e, de fato, quase ignorado em alguns contextos.”
No Brasil, a Estratégia de Saúde da Família trabalha com o princípio da Longitudinalidade, que trata exatamente esta questão. Outros países do mundo, como aqueles que compõem o Reino Unido, tem este princípio como prática. A longitudinalidade, apesar de ser uma palavra difícil, traz exatamente o que a pesquisa cientificamente demonstra: as pessoas desejam vínculo, cuidado e sensibilidade por parte de seu médico e o contato continuado pode tornar este desejo realidade. Principalmente quando as pessoas são acometidas por uma doença crônica, a qual impõe um cuidado diferenciado e de longo prazo, a longitudinalidade pode ser um diferencial importante, não só para o doente, mas para todos os familiares e grupo social.
Comentando sobre a pesquisa, a professora Kamila Hawthorne, vice-presidente de desenvolvimento profissional do Royal College of General Practitioners, Reino Unido, disse: “Sabemos o que nossos pacientes querem e valorizam e sabemos que isso é particularmente benéfico para pacientes com condições crônicas, problemas de saúde mental a longo prazo e necessidades complexas. Muitas práticas em todo o país estão usando abordagens inovadoras para manter a continuidade dos cuidados. Por exemplo, um paciente pode ser atribuído a uma equipe composta por vários médicos e outros profissionais de saúde, os quais terão acesso total aos seus registros, permitindo-lhes ver e construir relações de confiança com toda a equipe, não apenas com o ‘seu’ médico. Equilibrar a continuidade dos cuidados com o acesso aos serviços é um enorme desafio”.