Pesquisa com idosos longevos revela que o tempo da velhice é produto do encontro entre o tempo de Kairós e o tempo de Cronos.
Rodrigo Jorge Salles (*)
As pesquisas atuais nos campos das ciências do envelhecimento chamam a atenção para a necessidade de estudos sobre o grupo de idosos com idade igual ou superior a 80 anos, denominados idosos muito idosos ou longevos. A necessidade de estudos com essa população se justifica pela elevada prevalência de morbidades e incapacidades que afetam esses idosos, comprometendo sua autonomia e capacidade funcional, gerando maior risco para quedas e institucionalização.
Entretanto, para além dos critérios cronológicos adotados pela literatura, sabe-se que a vivência do processo de envelhecimento e a consciência da passagem do tempo são condicionadas também por um fator subjetivo, fazendo com que os critérios baseados na exterioridade, como a idade numerada, sejam insuficientes para circunscrever a complexa experiência de envelhecer.
Visando a compreensão das particularidades desse segmento populacional, o objetivo dessa pesquisa foi investigar as percepções do idoso longevo sobre a passagem do tempo e suas vias de inscrição psíquica.
Foi realizada uma pesquisa de campo de natureza exploratória, envolvendo metodologias quantitativas e qualitativas. Participaram da pesquisa 30 idosos com idade igual ou superior a 80 anos, distribuídos em dois grupos: idosos que vivem na comunidade e idosos que vivem em um lar geriátrico.
A comparação dos resultados do SAT evidenciou que os idosos que residem no lar geriátrico demonstraram percepções mais positivas sobre a velhice e as relações estabelecidas nessa etapa da vida, descontruindo parte dos estigmas relacionados às instituições geriátricas.
Também foi observada uma maior pontuação positiva para depressão na GDS-15 e pontuações mais baixas no MEEM no grupo de idosos que residem na comunidade.
Como principais resultados da análise qualitativa da entrevista e SAT, observou-se que o tempo da velhice é produto do encontro entre o tempo de Kairós e o tempo de Cronos, sendo o primeiro baseado numa acepção temporal subjetiva e o segundo numa concepção de tempo objetivo e sequencial.
Observou-se que esse encontro ocorre a partir das diferentes experiências reais com a exterioridade, como as perdas vinculares e as alterações corporais, que se configuram como vias de inscrições psíquicas da temporalidade objetiva, promovendo a conscientização sobre a existência de um tempo externo ao Ego que situa o sujeito no momento presente da velhice.
Com isso, conclui-se que a maior consciência da transitoriedade é o denominador que confere especificidade à experiência dos idosos longevos com a passagem do tempo. A adoção de instrumentos epistemologicamente distintos, como escalas, técnica projetiva e entrevista, evidenciou ser uma posição metodológica válida para a investigação dos fenômenos da velhice.
Serviço
Longevidade e temporalidades: um estudo psicodinâmico com idosos longevos
Tese de doutorado defendida em 14/11/2018
Orientadora: Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo
Acesso à tese na íntegra: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47133/tde-15012019-161553/es.php
(*) Rodrigo Jorge Salles – Psicólogo e doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP.